O caso de uma adolescente negra de 14 anos de idade, filha da atriz Samara Felippo, que foi vítima de racismo em uma escola de alto padrão na Zona Oeste de São Paulo, no último dia 22 deste mês, chama a atenção para a necessidade da educação antirracista. E é justamente nesse sentido que atua a Coordenadoria de Educação para as Relações Étnico-Raciais (Coderer) da Secretaria Municipal de Educação (Semec) em Belém, como destaca a pedagoga Sinara Dias. Isso porque, como ela própria pontua, a educação com essa característica proporciona a formação de crianças antirracistas, ou seja, cidadãos em crescimento, desde já com esse novo olhar, impactando positivamente as relações no ambiente escolar.
"Pensar que a educação antirracista para essa primeira infância não é simplesmente para que eles sejam adultos antirracistas mas que eles sejam crianças ali, na sua primeira infância, já antirracistas, adolescentes antirracistas e assim sucessivamente. A educação é para o hoje, para o dia a dia mesmo", enfatiza Sinara Dias.
Essa proposta visa, inclusive, prevenir situações como a que ocorreu com a filha da atriz, quando duas alunas do 9° ano pegaram um caderno da adolescente, arrancaram as folhas e escreveram uma ofensa de cunho racial em uma das páginas. O caso choca o Brasil todo.
Desrespeito
Além de pedagoga, Sinara Dias é assistente social e mestre em Educação Básica pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Para se falar de racismo no Brasil, tem de se considerar a história em que se considera que "pessoas negras, por diversas dimensões da sua existência têm menos importância que outras pessoas, pessoas brancas". E esse entendimento se repercute por diversas áreas da sociedade, no dia a dia, nas brincadeiras, nos esteriótipos construídos dessas pessoas. Dessa forma, o racismo é constituinte da nossa formação, da nossa sociedade e da nossa visão de mundo; toda forma de menosprezar, de diminuir esse grupo específico, que é o grupo das pessoas negras". Por ser estrutural, o racismo atinge as escolas.
No entanto, ainda que reproduza práticas racistas, a escola é um espaço de formação, de produção de conhecimento, como frisa Sinara Dias. Desde 2012, Sinara atua na rede municipal e observa que o racismo recreativo mostra-se como o mais comum entre os estudantes das escolas municipais. Essa prática desrespeitosa dos cidadãos negros envolve brincadeiras, piadas e expressões e termos racistas que os estudantes entendem serem engraçadas e reproduzem principalmente durante o recreio. Essas ações se referem ao fenótipo (cor da pele, cabelo, por exemplo) das pessoas negras.
Enfrentamento
Em fevereiro de 2021, a Coderer foi criada como efetivação da Lei 10.639, de 2003, que estabelece como obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira em toda a educação básica do Brasil e como institucionalização da educação antirracista, ou seja, deixando de ser um enfrentamento até então feito de forma isolada, pontual, para ser algo mais concreto, abrangente, com maior articulação a partir da instituição escola.
Essas ações englobam diagnósticos, projeto pedagógico das escolas, acervo de informações sobre a temática e outros tópicos. A formação continuada dos educadores (quadro funcional das escolas) e na produção de material didático, como cartilhas, jogos e brincadeiras específicas e bonecos/personagens das cartilhas. É desenvolvida parceria com instituições de ensino e órgãos municipais sobre a temática em foco.
A cartilha sobre o tema foi lançada em 2023, com o título "Marielle: Direitos Humanos e Antirracismo na Infância" e, em 2024, "Turma da Marielle - Racimo Recreativo não é brincadeira", em que a escola da história chama-se "Zélia Amador de Deus", em homenagem a essa educadora e fundadora do Centro de Defesa e Estudo do Negro do Pará (Cedenpa). As cartilhas rendem homenagem à vereadora Marielle Franco (PSol-RJ).
Em 2024, ocorre a ampliação do projeto Escolas Antirracistas, iniciado em 2023, em que as unidades escolares (adesão de 60 unidades de ensino) fazem o planejamento anual de ações para trabalhar a temática ao longo de todo o ano letivo. A partir das escolas, a Coderer leva a proposta antirracista às famílias. A resistência das pessoas, como educadores e famílias, influenciadas pelo racismo estrutural em assimilar essa proposta, como pontua Sinara.
A Semec destaca informa que quando a comunidade se depara com algum caso de racismo, a orientação é fazer denúncia na direção da unidade escolar, a qual registra a situação à Diretoria de Educação, que por meio da Coderer realiza o levantamento das informações, escuta dos envolvidos, orientando-os quanto às possibilidades legais, pedagógicas e administrativas, para posteriores encaminhamentos.
Uma Pesquisa realizada em fevereiro deste ano (2024) pelo Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana revelou que as experiências da educação antirracista nas escolas da rede municipal de ensino de Belém têm superado os desafios para implementar a Lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira no sistema educacional.
De acordo com o levantamento, a capital paraense está entre as seis cidades brasileiras – e a única da Região Norte – reconhecida na pesquisa pelas práticas exitosas de combate ao racismo e a quaisquer tipos de manifestações discriminatórias na rede municipal de ensino. As cidades de Cabo Frio (RJ), Criciúma (SC), Diadema (SP), Ibitiara (BA) e Londrina (PR) completam os municípios mais bem avaliados no levantamento. Eles foram na contramão do resultado principal: das 1.187 secretarias municipais de educação ouvidas, 71% das cidades não cumprem a lei.
Seduc
A Secretaria de Estado de Educação (Seduc) informa que a equipe multidisciplinar do Programa Escola Segura realiza um trabalho constante de conscientização e sensibilização na rede estadual de ensino, com rodas de conversa, atividades coletivas e acolhimento de vítimas.
"A Seduc ressalta que repudia qualquer manifestação de racismo ou conduta prejudicial a pessoas ou grupos sociais, e orienta que as ocorrências sejam comunicadas a direção da escola, para que as providências legais sejam tomadas", comunica a Secretaria.
Escolas particulares
O Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado do Pará orienta seus associados para que promovam palestras e ações educativas que conscientizem a comunidade escolar sobre a gravidade de práticas como bullyng e qualquer tipo de preconceito ou discriminação, buscando, também, formas de combater essas práticas.
"O Sinepe não teve registro de nenhum caso envolvendo racismo nos últimos anos, mas reitera sua papel de orientação e acompanhamento das escolas que, porventura, passem por esse tipo de situação.
Em eventuais casos de racismo, pais e responsáveis devem proceder conforme prevê a lei", repassa o sindicato, que reúne 83 escolas associadas no Pará.