Conheça a comandante da Força Nacional em Belém: major Keyssiane diz que tropa trará paz às ruas
Em entrevista exclusiva, oficial da Polícia Militar maranhense faz um balanço das ações da Operação Nazaré
"Somos seres humanos, humanos a serviço da lei. [...] Os criminosos são os poucos que se desviam, e eu não trabalho para essa minoria. Eu trabalho para defender a sociedade dela. E acredito que o ser humano é capaz de mudar, de ressocializar". Essas são as condições e o norte do pensamento da principal responsável por aquela que é apresentada pelo novo governo do Pará como uma das maiores tentativas de intervenção frente ao problema da segurança pública na Grande Belém. Major ligada à Polícia Militar do vizinho estado do Maranhão, Keyssiane Lima, 37, está à frente da Operação Nazaré - o resultado imediato da convocação do Estado, atendida pela Secretaria Nacional de Segurança Pública no início de março, que resultou na vinda de 200 homens da tropa especial federal que passaram a atuar em sete bairros de Belém, Marituba e Ananindeua, desde a última segunda-feira (25).
Desde a semana passada a Operação Nazaré atua nos bairros da Cabanagem, Bengui, Terra Firme, Guamá, Jurunas, Distrito Industrial (Ananindeua) e Nova União (Marituba). As áreas foram escolhidas com base em dados estatísticos de criminalidade para receber o policiamento ostensivo. Um balanço dos primeiros dias de atuação será divulgado esta semana.
A major atua na PM desde os 18 anos. A trajetória da militar, nascida em São Luís - capital do estado que possui o maior número de pessoas em situação de pobreza, segundo levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2018 -, também completa 18 anos com vários méritos e vitórias. Entre eles está a sua primeira missão de comando à frente de uma tropa da Força Nacional de Segurança, ainda nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. Agora, na Operação Nazaré, a oficial da PM tem a tarefa de comandar 200 agentes. Desses, 190 são homens. Com ela, a topa inteira soma dez mulheres.
Nesta entrevista à redação integrada de O Liberal, a major Keyssiane comenta um pouco de sua trajetória na corporação e avalia os desafios da missão da Força Nacional em Belém. Confira:
Em 18 anos de experiência, essa é a sua primeira missão de comando na Força Nacional em uma cidade. Como você chegou até aqui? Como foi sua trajetória desde a entrada na Polícia Militar até a chegada a um cargo de tanta importância, como a coordenação de uma operação da Força Nacional?
Eu entrei na Polícia Militar aos 18 anos. Foi uma escolha feita com a influência e auxílio do meu irmão, hoje Major Alessandro. Ingressamos juntos e aos poucos eu fui aprendendo. Eu sempre falo que eu estou na Força Nacional hoje, mas eu fui preparada para ser oficial, para ser comandante, desde o primeiro dia que eu entrei na polícia, por meio de uma formação de oficiais que fiz no meu estado. Eu sempre vi a Polícia Militar como um serviço conectado a pessoas e fui preparada para a função de comando.
A Força Nacional eu conheci em 2007, quando eu fiz a 24ª edição da Instrução de Nivelamento de Conhecimento (INC), na Paraíba. Esse é um treinamento de acesso ao programa da Força Nacional. Há uma seletiva nos estados, onde são selecionados agentes tanto da Polícia Civil, como da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros. A partir daí, nós somos convocados e submetidos a um treinamento. Nesse treinamento, passamos por vários testes e, ao final, somos considerados aptos a compor o efetivo da FN.
Essa é a minha segunda missão de comando pela FN. A primeira foi nas Olímpiadas de 2016, quando comandei o Centro Olímpico de Tênis. Depois eu tive algumas outras missões, retornei para o meu estado de origem e agora, no início desse ano, retornei à FN e fui designada para essa missão em Belém. Então, se hoje eu estou no comando da Operação Nazaré, foi porque um dia eu cheguei ao posto de Major da Polícia Militar.
Sendo uma mulher e de origem de um dos Estados mais pobres do país, como é estar, pela primeira vez, no comando de uma operação em uma cidade - e em uma missão tão complexa, como a de Belém, uma das capitais mais violentas do Brasil?
Desde que eu cheguei em Belém eu tenho olhado para o povo, nas comunidades onde a gente tem operado. Tenho olhado para as pessoas no dia-a-dia e, muitas vezes, a gente ouve um relato. Eu sei que há uma série de crimes, de forma organizada. O ser humano é um ser complexo, capaz de fazer o bem e o mal. Mas a visão que eu tenho de Belém do Pará, da Região Metropolitana, é que, somando esforços de todas as instituições que têm a função de defender o povo, o povo de Belém vai voltar a ter paz, vai caminhar nas ruas, voltar a ter paz para levar os filhos para brincar nas praças, e que os criminosos não vão ser mais ameaças, porque vão ser identificados e presos. É como eu sempre digo: nesses 90 dias, nós vamos estar em conjunto. Somos um reforço para a instituição local, mas quem realmente vai trazer a paz à Região Metropolitana são as instituições estaduais, são as pessoas que fazem a região metropolitana.
Eu pertenço ao Maranhão e a realidade do nosso estado é de muita desigualdade, muita pobreza. Eu conheço praticamente todos os municípios do estado, porque operei durante muitos anos na Polícia Ambiental e tive a oportunidade de conhecer vários municípios. Eu conheço a realidade da minha terra, do meu povo, mas o meu olhar é sempre que a polícia veio para a comunidade, para as pessoas de bem. Eu não vejo a polícia voltada para aqueles que se desviam, para os criminosos. Eu vejo a polícia voltada para a sociedade de bem, porque os criminosos são os poucos que se desviam e eu não trabalho para essa minoria. Eu trabalho para defender a sociedade dessa minoria. E eu acredito, eu tenho consciência que o ser humano é capaz de mudar, de ressocializar.
Sabemos que o primeiro balanço da Operação Nazaré só será divulgado esta semana, mas já é possível dimensionar o tamanho do desafio da missão da Força Nacional em Belém?
Os resultados da Operação Nazaré serão divulgados em breve e o objetivo é minimizar, diminuir a incidência de crimes nas regiões onde a FN vai estar operando. É uma missão complexa, um desafio, mas essa operação não é uma missão somente da Força Nacional. É uma missão de toda a sociedade paraense, porque as informações estão com as pessoas no dia-a-dia. Nós vamos estar fazendo polícia ostensiva, mas a sociedade tem liberdade para denunciar, porque a PM do Estado do Pará está aqui para operar. A sociedade precisa confiar nessa instituição, feita de profissionais que têm se dedicado a fazer a segurança.
Por que tantas capitais e estados brasileiros têm demandado a Força Nacional nesse momento?
Os estados têm demandado a Força Nacional porque é um recurso a mais que pode ser usado, desde que justificado de forma pontual, planejada, em qualquer estado do País. É um reforço, é uma ajuda, é uma soma.
Ações de pacificação exigem outras práticas, que virão, ou não, depois. Muitas pessoas questionam a eficácia da atuação da Força Nacional, ao se perguntarem o que ocorre depois que a tropa vai embora da comunidade. Assim, o que se pode dizer que fica, de forma prática, com a atuação da Força Nacional?
Claro que as ações de pacificação não são feitas pelas forças policiais. Mas é claro que, inicialmente, são as forças policiais que precisam estar no território para que os criminosos das regiões sejam identificados, presos. Para que o lugar esteja em paz suficiente para que todos os projetos possam ser implementados. A atuação das forças de segurança é só o início do projeto de pacificação.
Sabemos que a Força Nacional atua em muitas áreas de tráfico. As estatísticas apontam que a população carcerária do Brasil, hoje, é formada por jovens que estão presos em sua maioria por tráfico (60%). Em relação às mulheres, por exemplo, quase 70% das que estão nas cadeias foram presas por tráfico, muitas vezes em flagrante, dentro da prisão, levando material para os companheiros. Como você avalia essa situação?
Desde que eu cheguei aqui as pessoas têm falado muito em mulheres e homens, mulheres e homens, mulheres e homens... Somos seres humanos, humanos a serviço da lei. Existem humanos que se desviaram e hoje praticam crimes e podem ser homens ou mulheres. Eu sempre vejo que nós temos diferenças, mas também temos capacidades. Eu não participarei [dessa operação] para ver qual é a quantidade de mulheres que se envolve no crime, porque, geralmente, no crime de drogas, se envolve toda a família, até os filhos são envolvidos pelos pais.