Círio fluvial de Caraparu rende homenagens à Nossa Senhora da Conceição
Após a suspensão do ano anterior, cerimônia chegou à 103ª edição
Após a suspensão do ano anterior, cerimônia chegou à 103ª edição
As águas escuras dos igarapés foram os caminhos por onde Nossa Senhora da Conceição foi conduzida e guiou seus devotos no Círio de Caraparu, uma belíssima tradição que chegou à sua 103ª edição e, após a suspensão da procissão ano passado por conta da pandemia do coronavírus, voltou em 2021 ainda de forma tímida, mas mesmo assim, marcante para os católicos do distrito do município de Santa Izabel do Pará e região. Serpenteando pelo rio, a procissão fluvial saiu às 6h da orla, indo até a Comunidade do Cacau e retornando em seguida a Caraparu, mostrando porque é uma das mais celebradas mostras da religiosidade inserida na natureza amazônica.
“Pela primeira vez em mais de cem anos, nós não tivemos a oportunidade, por conta da pandemia, de realizar este bonito Círio que é tradição aqui em Caraparu”, declarou o padre Rúzevel Lourinho, da Paróquia de Santa Izabel, sobre as festividades de 2020. “Esse ano, nosso povo está animado, ainda apreensivo pelo efeito da pandemia, que como todos sabem, ainda não acabou, mas a fé que foi alimentada nesse tempo de isolamento e afastamento se fortaleceu, cresceu, e fez com que o nosso povo hoje, mesmo com máscara e álcool gel, estivesse aqui conosco”, celebrou o padre, que considera que a festa à Nossa Senhora é um momento de exaltar a fé e a esperança em meio a tempos difíceis. “Celebrar essa festa hoje é crer que nós não fomos criados para a morte, e muito menos para essa vida, mas para reinar com Deus na eternidade”, declara o pároco.
Sendo uma festa que encanta por seu simbolismo, o Círio de Caraparu ainda é conduzido de forma muito semelhante aos seus primórdios no começo do século 20, e os romeiros acompanham a berlinda em canoas a remo ou caiaques. Ana Júlia Castro, acadêmica de odontologia de 22 anos, teve a honra de estar entre os marinheiros que puxam a embarcação que leva a Santa. “Vim pagar essa promessa. Eu disse que no meu último ano de graduação, eu vinha na canoa dos marinheiros, e como prometido, hoje vim cumprir. São mais meninos, tanto que esse ano são só duas meninas, mas nós estamos querendo trazer mais mulheres, até porque, nós também podemos ser marinheiras. Hoje mesmo eu remei - nunca tinha remado! Cansei, mas nossa fé é o que nos move e nos faz não desistir dessa jornada”, sorri a jovem.
Marlene Cardoso, 65 anos, mora desde menina em Caraparu, e conta que sua família foi uma das que, mesmo com as suspensões das celebrações no ano passado, fez questão de ir para o igarapé prestar reverência a sua protetora. “Ano passado, o Círio foi somente nós quem fizemos. Pegamos nossas canoas, chegamos aqui, limpamos a capela, varremos, fizemos nossa parte, rezamos, cantamos, agradecemos a Deus por estar com saúde e fomos descendo de volta para o Caraparu. Esse ano, voltou, graças a Deus”, festeja a devota em sua canoa enfeitada.
A devoção à Virgem da Conceição iniciou na Vila de Caraparú em 1905, mas o primeiro Círio foi realizado somente em 8 de dezembro de 1918; em 2018, a romaria completou 100ª edição e é motivo de muito orgulho para o povo izabelense, e de outras comunidades ribeirinhas ao longo do Rio Guamá. Fábio Coutinho Farias, historiador que mora no município, explica que o Círio de Caraparu é um dos exemplos mais puros e fortes da devoção do povo amazônico. “Como basicamente toda história da Amazônia, a gente tem o encontro da cultura indígena com a do colonizador português. O ritual do rio, de ser uma procissão fluvial, é indígena, mas a Imagem, a padroeira, foi escolhida pelos portugueses, e é importante destacar que essa comunidade não é sozinha. A medida que a procissão vem pelo rio, ela vem alcançando outras comunidades”, encerra o professor.