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Ciência desconhece mais de 50% das áreas de terra firme da Amazônia brasileira, revela estudo

Trabalho acaba de ser divulgado na revista 'Current Biology' e chama a atenção para a necessidade de debates sobre a abrangência de pesquisas na região, às vésperas da reunião da Cúpula da Amazônia

O Liberal

Uma lacuna de conhecimento sobre a biodiversidade amazônica: mais da metade das áreas de terra firme na Amazônia brasileira ainda é pouco estudada pela ciência. Os vazios de conhecimento sobre a biodiversidade nessas áreas correspondem a 54% e é menor em relação às zonas úmidas e aos ecossistemas aquáticos da região. Essa constatação é fruto de um mapeamento  da pesquisa ecológica em toda a Amazônia brasileira realizada por cientistas de instituições do Brasil e de outros países que integram e sintetizam informações sobre estudos da biodiversidade amazônica. 

O trabalho está no artigo “Pervasive gaps in amazonian ecological research” (Lacunas persistentes na investigação ecológica da Amazônia), publicado nesta quarta (19/7), na revista "Current Biology". Essa pesquisa mostra-se relevante, especialmente neste momento em que a reunião dos chefes de Estado da Amazônia Legal – a Cúpula da Amazônia – se aproxima (a ser realizada em Belém, em agosto), como destacam os pesquisadores.

Para se confeccionar o levantamento de informações, foram realizados estudos de comunidades ecológicas coletadas em mais de sete mil locais para nove grupos de organismos da biodiversidade terrestre e aquática. A partir da compilação de várias bases de dados e do conhecimento disponível sobre a biodiversidade na região, os cientistas revelam onde as pesquisas ecológicas estão localizadas e evidenciam as áreas da região com baixa probabilidade de serem estudadas.

Vazios

A análise considerou diferentes ecossistemas, incluindo florestas de terra firme, florestas alagáveis e em ambientes aquáticos, como igarapés, rios e lagos. Os resultados mostram que os vazios de conhecimento cobrem 54,1% das áreas de terra firme; 27,3% dos habitats aquáticos; e 17,3% das áreas alagáveis (várzeas e igapós). 
Isso significa que a biodiversidade nas áreas de terra firme da Amazônia brasileira é menos estudada pela ciência em relação às zonas úmidas e aos ecossistemas aquáticos.

“Vimos que alguns fatores, principalmente a distância dos grandes centros onde estão localizadas as estruturas de pesquisa explicam esse cenário”, comenta a bióloga Raquel Carvalho. Ela foi pesquisadora de pós-doutorado associada à Embrapa Amazônia Oriental durante o estudo.

Em nove grupos de organismos da biodiverisdade terrestre e aquática - invertebrados bentônicos, heterópteros, odonates, peixes, macrófitas, aves, vegetação lenhosa, formigas e besouros rola-bosta – a pesquisa ecológica foi distribuída de forma desigual nos três tipos de habitat investigados em 7.694 pontos de coletas de dados.  

“Nossos resultados comprovam que vastas áreas da Amazônia permanecem pouco estudadas, elas correspondem a verdadeiros vazios de conhecimento da sua biodiversidade”, afirma a bióloga Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental.

Mudanças severas

Apesar de o trabalho evidenciar que há menos investigação sobre a biodiversidade das florestas de terra firme, os cientistas estimam que entre 15% e 18% das áreas sem estudo sofrerão mudanças severas no clima ou serão sujeitas a desmatamentos e degradação até 2050. “Esse cenário preocupa, pois o uso sustentável da biodiversidade e o desenvolvimento pleno das sociobioeconomias demanda que compreendamos bem a distribuição da riqueza da região” acrescenta a cientista.

Ao utilizar modelo de aprendizado de máquina, a pesquisa mapeou a probabilidade de pesquisa na Amazônia brasileira, entre 2010 e 2020; e identificou a vulnerabilidade do bioma às mudanças decorrentes da ação humana, como o desmatamento e degradação florestal. “Usamos cinco fatores de análise para as lacunas de conhecimento: acessibilidade; distância das instalações de pesquisas; posse de terra; degradação; e duração da estação seca”, explica engenheira florestal Angélica Faria de Resende, que foi pesquisadora de pós-doutorado associada à Embrapa Amazônia Oriental durante o estudo.

A logística, principalmente a acessibilidade e a distância dos centros de pesquisa, e os fatores de influência humana representam 64% da probabilidade para a existência dos estudos ecológicos. Os vazios de conhecimento da biodiversidade na região são afetados pela falta de infraestrutura distribuída em diferentes localidades da Amazônia. “Há uma concentração de estruturas e investimentos nos grandes centros urbanos da região”, afirma Joice Ferreira, da Embrapa. 

Para o pesquisador Jos Barlow, da Universidade de Lancaster, Reino Unido, ao quantificar o cenário da pesquisa ecológica na Amazônia brasileira, o trabalho mostra a importância de ir além das áreas acessíveis e próximas a bases de pesquisa, e expandir para regiões que provavelmente serão afetadas pelas alterações climáticas ou pelos desmatamentos. 
 
Outro ponto de destaque no estudo foram os fatores de degradação da floresta e a destinação das áreas. Os cientistas atestaram que a probabilidade de pesquisa diminuiu em áreas mais degradadas e em Terras Indígenas (TIs). “Vimos que o esforço de pesquisa é mais limitado em Terras Indígenas, o que preocupa, pois elas representam cerca de 23% da Amazônia brasileira”, alerta Raquel Carvalho.
 
O trabalho resulta de uma grande rede de pesquisa consolidada no âmbito do Synergize, projeto que integra informações de diferentes disciplinas para gerar conhecimento. “É a chamada ciência de síntese, ou seja, não se coleta dados novos, mas junta tudo o que existe para responder questões em um escopo maior”, explica Joice Ferreira. O projeto faz parte do Centro de Sínteses em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (Sinbiose), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), reúne 29 pesquisadores de 12 instituições nacionais e internacionais e é coordenado pela Embrapa e pela Universidade de Bristol, no Reino Unido. O artigo publicado na revista "Current Biology", por exemplo, reuniu dados de mais de 600 colaboradores de mais de cem instituições de ensino e pesquisa.

Recomendações dos pesquisadores do Synergize sobre pesquisas na Amazônia estão organizadas em um sumário para políticas (policy brief) intitulado "Como superar os desafios que limitam as pesquisas ecológicas na Amazônia" e disponível no website do Centro Sinbiose. Eles defendem uma alocação estratégica de recursos por tomadores de decisão.

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