Amazônia: descrição de 50 novas espécies de serpentes e lagartos realça a biodiversidade
Diversidade de animais na região é pesquisada por cientistas e consolida expectativa pela COP30, em Belém (PA)
Nunca a Amazônia esteve tanto em evidência no mundo, como agora, às vésperas da realização da Conferência Mundial do Clima, da ONU, nessa região, precisamente em Belém (PA), em 2025. E nesse contexto, a particularidade de um trabalho de pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) ganha realce: o de revelar à sociedade internacional novas espécies encontradas e descritas na Região Amazônica. Desse modo, em quase 40 anos, pelo menos 50 espécies de serpentes e lagartos da Amazônia foram descritos (descobertos e estudados) por técnicos do Museu Goeldi, fora outros estudos em herpetologia e em outras áreas relacionadas à fauna da região por parte da instituição. Essa riqueza revela a biodiversidade do bioma e reforça a necessidade de preservação dessa área verde estrutural para a Terra.
No bairro da Terra Firme, periferia da Cidade de Belém do Pará, funcina o Campus de Pesquisa do MPEG, onde está a coleção "Osvaldo Rodrigues da Cunha", um pioneiro nesse tipo de pesquisa na Amazônia, reunindo 111.419 espécimes de anfíbios e répteis da Amazônia e de outras regiões. A curadora dessa coleção, a professora, pós-doutora em Zoologia e bióloga Ana Prudente, coordenadora de Zoologia do setor de Herpetologia do MPEG, explica sobre o trabalho dos pesquisadores para a descrição de novas espécies. Nesse setor e nessa ação destacam-se duas pesquisadoras, a própria Ana Prudente e Tereza Cristina Pires Avila-Pires, hoje aposentada. Tereza Cristina descreveu 21 novas espécies e Ana, 29. No caso, serpentes e lagartos.
"Como o nosso trabalho é a descrição de novos taxons (categoria que engloba gênero, família, reino, filo, órgão, uma espécie é uma unidade taxonômica), é a descrição da diversidade, a gente não trabalha exclusivamente com material amazônico, mas a a grande maioria dessas espécies ocorrem na região amazônica. Algumas espécies restritas ao Pará, outras, com distribuição mais ampla, mas, de modo geral, ao longo desses anos, a maioria dessas espécies descritas ocorrem ou estão restritas à região amazônica", destaca.
Descobrir, descrever
Uma nova espécie, quando é apresentada para a comunidade científica como o público geral, resulta de um processo longo que passa desde a coleta desse animal na natureza. Na maioria das vezes, os pesquisadores vão para campo para coletar a espécie. E, nesse sentido, qualquer coleta de animal silvestre tem que estar autorizada pelo órgão responsável de proteção à fauna, para não incidir em crime ambiental.
Independente de o animal ser coletado na natureza ou estar já depositado em uma coleção científica, é decisivo que tem de ser estudado mediante uso das técnicas científicas, como, por exemplo, a biologia molecular e técnicas da análise da morfologia externa. O estudo aprofundado vai possilitar a que se possa distinguir uma espécie que já foi nominada de outra que se está definindo como nova. "É um processo que às vezes dura anos, ou pode ser mais rápido. E ele só é finalizado com a publicação em um artigo científico. Quando você dá um nome para uma espécie, esse nome é publicado e validado por uma revista científica, essa espécie torna-se válida, uma espécie nova para a ciência", pontua Ana Prudente.
Nomes
Cada espécie tem um nome científico e um outro identificado como vulgar ou comum. O nome científico é uma nomenclatura binomial, ou seja, em que o primeiro nome é do gênero e o segundo nome é o da espécie. Por exemplo, a espécie Atractus caxiuana, descrita por Ana Prudente em 2006, se dá em homenagem à Estação Científica Ferreira Penna, na Floresta Nacional de Caxiuanã, gerenciada pelo Museu Goeldi.
"A gente dá nome à espécie utilizando algum elemento, ou a procedência ou em homenagem a uma pessoa ou a um lugar, ou destaca alguma característica morfológica. Em 2019, eu descrevi uma espécie de cobra para a qual a gente deu o nome de Erythrolamprus rochai (2019), em homenagem ao técnico da coleção de Herpetologia, aqui, que trabalhou conosco uma vida inteira, o Reginaldo Rocha", relata a pesquisadora. Atualmente, existem 15 pesquisas no setor de Herpetologia do MPEG para descrição de novas espécies.
Animais em foco
A diversidade biológica, hoje, é o grande patrimônio da humanidade, como enfatiza Ana Prudente. E por isso é que a Amazônia chama tanto a atenção. "A Amazônia é uma região megadiversa, quer dizer, registra uma diversidade biológica incrível, mas também diversidade sóciocultural, em todos os sentidos. Isso é o que mantém o planeta em pé. É essa diversidade, essa dinâmica da floresta, é essa relação dos animais com a floresta. Belém está numa região do arco do desmatamento, aquele arco da expansão agrícola, e muitos ambientes estão sendo devastados e extintos. Então, temos ambientes que eram floresta e hoje não são mais, como Belém que era uma região de mata virgem. A ação humana, boa ou não, existe e os ambientes estão deixando de existir. O nosso trabalho como taxonomistas e sistematas, pesquisadores, é descrever novas espécies antes mesmo que elas nem sejam conhecidas", ressalta.
Se não se der nomes às espécies, não descrevê-las, não se pode fazer uma pesquisa sobre bioprospecção, por exemplo. Por exemplo, nenhuma pesquisa que tenha foco em veneno de cobra que vai ser usado em um fármaco, porque não se sabe qual é a espécie. "Essa ação implica no conhecimento em si e na utilização desse conhecimento. Recentemente, nós descrevemos três novas espécies de corais verdadeiras. Elas não foram descritas na Amazônia, foram descritas no nordeste do Brasil. Quando eu dou nome para essas três espécies, que eram identificadas anteriormente como se fosse uma espécie, eu passo a ter três espécies potencialmente perigosas, na verdade, quatro, porque existia uma e eu desmembrei em três. Essas três espécies distintas podem causar distintos acidentes em pessoas. Cada uma tem um veneno diferente, uma ação diferente", pontua a pesquisadora.
A espécie Bothrops atrox, uma jararaca da Amazônia, é diferente da espécie Bothrops jararaca que ocorre na Mata Atlântica, e os soros dos venenos são diferentes "Hoje, a gente sabe que vários medicamentos utilizados para controlar a pressão arterial foram feitos a partir de veneno de cobra. Isso para se falar apenas na relação com o ser humano, fora a inserção de serpentes em ecossistemas e na relação com outros animais", .
"E assim são todas as descobertas. Quando você descobre uma nova espécie, junto com ela, com esse estudo, vem um conjunto de informações novas, e o Museu (MPEG) é o nosso carro-chefe nesse processo", observa Ana Prudente. O Museu Goeldi é a segunda instituição de pequisa científica mais antiga do Brasil, com 158 anos de história, atrás apenas do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. O Museu surgiu com o objetivo de manter no Pará, no Brasil, as coletas e as expedições que eram feitas no país.
O Museu Goeldi tem um papel de destaque na formação de recursos humanos, como frisa Ana Prudente. Isso porque essa instituição tem um programa de pós-graduação em biodiversidade e evolução. Esse programa tem formado profissionais capacitados para descrever novas espécies, considerando a necessidade premente de pesquisadores para a pesquisa científica.
COP30
Acerca da COP30, a pesquisadora Ana Prudente afirma que a realização desse evento vindo para Belém (PA) "nos coloca em uma lente de aumento, o mundo inteiro estará de olhos voltados para para Belém, para o Pará e para a Amazônia".
"Eu tenho uma expectativa muito boa no sentido de que o Museu Goeldi deva participar como um dos protagonistas nas discussões de biodiversidade, considerando que a nossa missão como instituição é descrever s relações da sociobiodiversidade na Amazônia", complementa a pesquisadora.
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