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Para que servem os sonhos, afinal, e quais são os mais recorrentes?

Levantamento de site britânico mostrou os temas mais sonhados no mundo

O Liberal

Os sonhos acompanham os humanos desde sempre. E não é privilégio nosso sonhar. Cães, golfinhos e camundongos também sonham. Mas por que há narrativas durante da noite? A ciência, a mitologia e os místicos sempre tentaram explicar. As informações são da Agência Estado.

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O sonho se mostrou o mais recorrente no Brasil, bem como em partes da Ásia e da África. De acordo com o site, sonhar com serpentes pode simbolizar "medos ocultos e preocupações", mas, ressalta, às vezes "uma cobra é apenas uma cobra". O pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939) acrescentaria que a cobra é um símbolo fálico (substituição do pênis) e pode haver uma realização de um desejo reprimido.

Carl Jung (1875-1961) poderia acrescentar que animais peçonhentos mostram partes mais primitivas de nossa personalidade no inconsciente. “Sonhos com cobras sempre indicam uma discrepância entre a atitude da mente consciente e o instinto, a cobra é uma personificação do aspecto ameaçador do conflito”, escreveu Jung.

O segundo sonho mais recorrente, de acordo com o levantamento britânico, é o de perder os dentes. Pelo menos, foi o mais pesquisado no site de busca em 17 países, entre eles o próprio Reino Unido e os Estados Unidos. Conforme o site, o sonho simbolizaria falta de autoconfiança e constrangimento diante de algumas situações sociais. Freud poderia dizer que se trata de castração sexual, limitação da vivência sexual.

Os sonhos fazem parte da fisiologia normal do sono, segundo especialistas, e não é privilégio dos seres humanos. Outros animais também têm atividade onírica registrada durante o sono, caso de camundongos, cachorros e golfinhos, entre outros. Algumas funções metabólicas importantes, como a secreção do hormônio do crescimento e da melatonina, acontecem durante o sono.

Vamos treinar dormindo?

No caso dos sonhos, no entanto, não há uma única explicação que justifique, do ponto de vista biológico, os nossos delírios oníricos noturnos existentes. E elas vêm mudando ao longo dos tempos. A neurociência vem se debruçando sobre a questão, sobretudo depois da pandemia, quando várias pessoas passaram a relatar pesadelos ligados à doença.

Atualmente, a hipótese mais aceita é de que os sonhos funcionam como uma espécie de "treinamento" para eventos que podem acontecer na vida real. "Duas teorias muito coerentes se destacam: a da simulação de ameaças possíveis e a da simulação de relações sociais", afirma a neurocientista e psiquiatra Natália Bezerra Motta, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Ou seja, os sonhos funcionariam como uma forma de treino para aprendermos a enfrentar determinadas realidades."

Viver o trauma de forma mais leve

Neste contexto, os sonhos teriam sido importantes do ponto de vista evolutivo. Era uma forma de vivenciar as situações traumáticas, complicadas ou incomuns, sem toda a carga emocional da vida real, retendo aprendizados importantes.

Ainda assim, diz Natália, a imagética dos sonhos está sempre relacionada ao cotidiano. "Os sonhos têm a ver com a cultura em que estamos inseridos; são memórias baseadas no cotidiano que vivemos", disse a pesquisadora.

O que dizem os estudos mais recentes?

Um estudo mais recente, da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, reforça esta ideia de uma nova teoria do sonho. O trabalho do neurocientista Erik Hoel, publicado na revista científica Cell Genomics em maio deste ano, mostra que as narrativas alucinógenas que surgem em nossos sonhos, em geral, apresentam eventos incomuns.

Nas palavras de Hoel, para além de um eventual treinamento para situações reais, é como se eles acrescentassem ruídos aleatórios a sistemas estáveis e previsíveis. Ou seja, os sonhos - e pesadelos - deixam os nossos cérebros mais afiados e menos acomodados para lidar com as mais diferentes situações.

"Os sonhos oferecem saídas diferentes para dilemas cotidianos resolvidos sempre da mesma forma; isso pode aprimorar a nossa performance", acrescenta Hoel. "Isso pode parecer paradoxal, mas um sonho em que você está voando, pode ajudar depois na corrida matinal."

Mas Jung dizia algo mais inquietante: se você sonhar que está voando, na vida desperta você pode estar com o pé fora da realidade. Que tal colocar os pés no chão?

Uma forma de ficar alerta para a surpresa

Conforme nós envelhecemos, explica Hoel, o volume de situações semelhantes que vivemos aumenta exponencialmente, fazendo com que o cérebro se habitue e adote posturas mais simplistas. Os sonhos bizarros serviriam para nos manter mais atentos, preparados para momentos diferentes.

"A vida pode ser entediante às vezes", escreveu o neurocientista em seu trabalho. "Os sonhos existem para impedir que você se ajuste demais ao modelo do mundo", concluiu o pesquisador.

Sonhos consolidam memórias e aprendizados

De uma forma mais geral, o sonho seria um mecanismo para a consolidação de memórias. "Noventa por cento dos sonhos são um repasse do que aconteceu durante o dia de forma desorganizada. E com um grande conteúdo emocional", explicou o chefe do Laboratório do Sono do Instituto do Coração (Incor), da Universidade de São Paulo (USP), Geraldo Lorenzi-Filho.

"Esse repasse tem várias funções, como organizar a memória. É como quando damos uma festa e, no dia seguinte, temos de limpar e organizar a casa. Esse repasse é uma forma de metabolizar as emoções, fixar algumas memórias, esquecer outras", acrescenta ele.

O sono é formado por cinco ou seis ciclos de 90 minutos. Cada um desses ciclos é dividido em duas fases, uma em que as ondas cerebrais são longas e lentas; e outra em que a atividade cerebral é mais parecida com a do estado desperto. Os sonhos geralmente ocorrem na fase REM (sigla em inglês para movimento rápido dos olhos), mas não exclusivamente.

Como a visão é um dos nossos sentidos mais dominantes, explica o neurologista Fernando Morgadinho, da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto do Sono, as imagens são um elemento crucial nos sonhos. No caso dos cachorros, por exemplo, seria o olfato. Outro elemento importante nos sonhos humanos são as sensações corpóreas de posição no espaço.

“Yesterday”: Sonhar pode servir como estímulo à criatividade

Os sonhos podem estar também relacionados à criatividade, como reforçou a neurologista Rosana Cardoso Alves, do Hospital das Clínicas da USP. "Os sonhos têm a ver com o que vimos e pensamos durante o dia, com as nossas vivências", afirmou ela.

Há um movimento artístico chamado surrealismo que tinha como material principal o inconsciente e o sonho. O maior expoente é Salvador Dalí.


"Durante o sonho, nós juntamos memórias diferentes, de temas aparentemente desconexos, para reorganizar o cérebro. Essa mistura aleatória pode trazer boas ideias. (O ex-Beatle) Paul McCartney conta que já acordou com ideias para novas músicas. Pessoas consideradas mais criativas, em geral, dormem bem (e sonham)."

Há uma música especial que McCartney sonhou: “Yesterday”. Ele acordou com a melodia, mas era tão perfeita que ele achou que estava apenas lembrando de algo composto por alguém. Ele chamou o produtor George Martin, tocou a melodia ao piano e para ver se ele conhecia. Não, ninguém havia composto aquela joia, apenas Paul, sonhando.

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