Afeganistão: Talibãs prometem governo "diferente", mas afegãos fogem do país
Cenas de desespero no aeroporto mostraram ao mundo imagens de afegãos aterrorizados com os talibãs
Os talibãs prometeram não buscar vingança contra os opositores e respeitar os direitos das mulheres em um governo "diferente" do que estabeleceram há duas décadas no Afeganistão, mas milhares de pessoas prosseguem com as tentativas de fuga do país.
As promessas foram feitas na terça-feira à noite, pouco depois do retorno ao Afeganistão do cofundador e vice-líder do grupo, o mulá Abdul Ghani Baradar, o que coroou o impactante retorno ao poder dos insurgentes, que foram depostos em 2001 por uma invasão comandada pelos Estados Unidos.
Com grandes temores no mundo pelo histórico brutal na área de direitos humanos dos talibãs, dezenas de milhares de afegãos tentam fugir do país.
"Todos aqueles na oposição são perdoados de A a Z", disse em uma entrevista coletiva em Cabul o porta-voz dos talibãs, Zabihullah Mujahid. "Não vamos buscar vingança", completou.
Mujahid disse que o novo regime será "positivamente diferente" daquele que lideraram entre 1996 e 2001, recordado pelas mortes por apedrejamento e por impedir que as meninas frequentassem a escola ou que as mulheres trabalhassem em contato com homens.
"Em termos de ideologia e crenças não há diferenças (...) mas se nós calcularmos com base em experiência, maturidade e conhecimento, sem dúvida há muitas diferenças", declarou Mujahid.
Ele acrescentou que o grupo está "comprometido a permitir que as mulheres trabalhem de acordo com os princípios do islã", sem revelar detalhes.
Suhail Shaheen, porta-voz do movimento em Doha, disse ao canal britânico Sky News que as mulheres não serão obrigadas a usar a burca (véu integral) - como aconteceu entre 1996 e 2001 -, mas não explicou que vestimenta seria aceitável.
"Preocupações humanitárias"
Apesar das promessas, afegãos e estrangeiros prosseguiram com as saídas do Afeganistão, com voos de retirada organizados pelos Estados Unidos e outros países, como França e Reino Unido, a partir do aeroporto de Cabul.
Militares americanos já retiraram 3.200 pessoas do Afeganistão, incluindo 1.100 na terça-feira, informou um funcionário da Casa Branca.
Cenas de desespero no aeroporto mostraram ao mundo imagens de afegãos aterrorizados com os talibãs e decepcionados com os Estados Unidos, país que foi incapaz de protegê-los.
Vídeos mostraram centenas de pessoas correndo ao lado de um avião da Força Aérea americana pela pista, com algumas pessoas penduradas na lateral e nas rodas da aeronave.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU anunciou que organizará uma sessão especial sobre o Afeganistão para discutir "as sérias preocupações humanitárias" sob um governo dos talibãs.
O governo do presidente americano, Joe Biden, deu uma resposta evasiva sobre as promessas de tolerância dos talibãs.
"Se os talibãs dizem que vão respeitar os direitos de seus cidadãos, vamos observar se cumprem a promessa", declarou o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price.
Rússia e China expressaram rapidamente disposição de trabalhar com os talibãs.
Moscou afirmou que as garantias iniciais apresentadas pelos insurgentes são um "sinal positivo" e que eles se comportam de "maneira civilizada".
Retorno triunfal
O mulá Abdul Ghani Baradar retornou ao Afeganistão na terça-feira à noite. Ele optou por desembarcar na segunda maior cidade do país, Kandahar, o local de nascimento e capital espiritual dos talibãs durante sua primeira passagem pelo poder.
O número dois dos talibãs chegou procedente do Catar, onde passou meses em conversações com os negociadores de paz do governo anterior do Afeganistão e com representantes americanos.
Imagens de meios de comunicação pró-talibã mostram uma multidão ao redor do mulá Baradar no aeroporto.
Mas para aqueles que temem represálias, o sentimento foi diferente.
"Às vezes paro diante da janela e penso como cheguei aqui e como tenho sorte de não estar no Afeganistão", declarou à AFP Mohamad Ehsan Saadat, pesquisador afegão dos direitos humanos que abandonou o país com a família e está no Canadá.
Em Cabul, alguns estabelecimentos comerciais reabriram as portas e o trânsito voltou às ruas, mas as escolas permanecem fechadas e persiste a tensão.
"O temor está presente", disse um comerciante, que pediu para não ser identificado, enquanto abria sua loja.