MENU

BUSCA

A dor e a delícia de morar em Portugal: paraenses dizem sentir saudades, mas não querem retornar

Nos últimos cinco anos houve uma onda verde e amarela em terras lusitanas, entre os quais muitos nortistas. Em 2018 eram 111 mil, hoje são 360 mil brasileiros, um impressionante aumento de 224%.

Igor Wilson

A situação não é das mais favoráveis para brasileiros em Portugal. União Europeia em guerra, crise econômica sem precedentes na última década, aumento do desemprego, crescimento da extrema-direita, aumento de mais de 500% dos casos de xenofobia, alta recorde dos aluguéis, mercado de trabalho precarizado. Apesar da saudade e dos pesares, para os paraenses ouvidos pelo Grupo Liberal, ainda é melhor morar em Portugal do que viver no Pará.

VEJA MAIS

Igor Alves é um dos paraenses que foi para Portugal na onda de 2018. Ele era professor de Língua Portuguesa da rede estadual e sua esposa docente de uma universidade privada e, após uma crise afetar a renda, eles tiveram que viver com os pais dela. Pouco tempo depois, eles decidiram ir para Portugal com o suporte de familiares dela que residem no país. Nesse período, ela conseguiu uma bolsa para cursar doutorado na Universidade de Coimbra. Porém, ele teve dificuldades em ser aceito em sua área de atuação e trabalhou em tudo que foi aparecendo, de garçom a operador numa usina de biogás. O casal teve uma filha na pandemia e hoje conseguiu, com ajuda de familiares, financiar um apartamento nos arredores do Porto.

“Foi difícil pra mim no início, porque os empregos que apareciam eram subempregos, minha formação não foi levada em consideração em nada. A questão para validar diploma era muito difícil e ainda enfrentei o preconceito linguístico, ia ser difícil dar aula de Português para portugueses, sendo brasileiro. Então trabalhei em fábrica, restaurantes, usina, foi difícil, trabalho pesado, foram três anos assim”, conta Igor, que hoje conseguiu um trabalho em sua área, dando aulas para um projeto voltado para o público brasileiro.

“Confesso que não imaginava como era a realidade de trabalho em Portugal, de como é pesado. Meu primeiro trabalho foi em uma churrasqueira em Aveiro. Eu andava dentro do restaurante cerca de 20 km por dia. Outra cosia era o acúmulo de funções, que aqui é a coisa mais normal. Você atende mesa, limpa banheiro, limpa o salão, registra as compras e pedidos, serve o café, joga o lixo fora, era muito puxado, ficava o dia todo trabalhando e ainda tinha que ouvir alguns portugueses dizendo que os brasileiros eram ‘langões’, que na gíria aqui quer dizer preguiçosos. Isso me dava motivação pra trabalhar mais ainda”, lembra. Mesmo assim, nunca pensou em retornar, principalmente após sua filha nascer.

“Apesar das saudades, aqui é ainda um lugar mais tranquilo, com uma estrutura mais acolhedora, senso de urbanidade maior, um aparato urbano mais agradável do que Belém, a gente ama e odeia [risos]. Aqui pra quem está criando uma criança é ótimo, tem mais opções que não seja só ir ao shopping e etc”, conta Igor. Sobre o custo de vida em Portugal, o paraense diz que com o que ganha junto com sua esposa dá para sobreviver, no entanto, o Estado oferece acesso a entretenimento e serviço de qualidade, apesar de Portugal ser um dos países mais pobres da Europa.

“Não é fácil a vida aqui, é dura, tu não vives, praticamente sobrevive com o que tu recebes. Se tívessemos que pagar aluguel não conseguiríamos sobreviver. Muitos brasileiros não tem a mesma sorte, não conseguem pagar 600, 700 euros de aluguel. Mas tens oportunidades de estar em lugares bonitos, estar em lugares agradáveis e não pagar nada por isso, tens acesso aos serviços como Saúde, Segurança e Educação e isso pesa muito na balança”, diz.

Fuga pela vida

Karlanna Cordovil veio para Portugal em 2015 e hoje é desenvolvedora de softwares em uma empresa portuguesa, bem diferente do que fazia em Belém, quando era proprietária de um bar na travessa Piedade, no bairro do Reduto.

“Fomos extorquidos por policiais (militares), depois me incriminaram, fui ameaçada de morte por me recusar a dar propina. Por isso eu saí daí. Vim pra cá sem planejamento nenhum, nem sabia o que ia fazer da minha vida, vim com ajuda dos meus pais e tive a sorte de tudo dar muito certo. Arrumei trabalho na época num call center e depois comecei a estudar desenvolvimento de software, é meu trabalho hoje. Me sinto muito realizada e feliz”, diz. Sobre xenofobia contra brasileiros, Karlana presenciou várias cenas.

“As pessoas aqui não acham Portugal um país racista, acho que é falta de consciência. Tem muita coisa que escuto as vezes sobre eles se acharem heróis das descobertas, que levaram a civilização aos países que colonizaram. No Brasil temos uma grande interpretação do que foi a ocupação colonial, o genocídio, e eles não tem, isso reflete toda essas atitudes em que eles estão sendo racistas sem perceber”, diz, em seguida contando que já foi vítima.

“Tem situações que é melhor rir do que chorar. Quando trabalhei num call center, um senhor ligou para lá e falou: ‘ah uma brasileira, queria falar com um português’. Eu falei: ‘meu senhor, pode desligar e ligar de novo, e ainda sim tem mais de 70% de chance de falar com outro brasileiro’ [risos]. Os trabalhos que os portugueses não estão afim de fazer aqui, quem faz são os estrangeiros, mas muitos portugueses vão embora de Portugal e é muito doido, porque são vítimas da mesma xenofobia, existe muito preconceito contra portugueses em países desenvolvidos da Europa, é uma contradição deles”, conta.

Saiu evangélico, voltou artista

O músico Cleison Monteiro viveu oito anos em Santa Catarina e cinco anos em Portugal. Ele voltou para Belém no final do ano passado. Quando saiu, era evangélico, e após anos imigrando, se descobriu artista. Retornou não porque estava cansado de Portugal, mas para estar junto à mãe, principalmente após perder seu pai enquanto estava longe.

Viveu integrado à comunidade artística em Portugal, país onde mantém as portas abertas. Conheceu e tocou com músicos de vários países, representou a música afro-indígena para onde foi e impressionou muitos portugueses com o estilo paraense, sendo considerado, principalmente em Lisboa, como um dos principais representantes desse estilo musical. Ao voltar para Belém, percebeu novamente porque a necessidade da imigração.

“Belém está cuidando muito mal dos seus filhos. E nós como filhos estamos procurando sair pra outros lugares e ver uma outra realidade, uma outra oportunidade, porque realmente eu não sei o que acontece com esse lugar. Existe um abandono político, social e cultural que é algo muito cínico, porque eu vejo governantes usando Dubai como exemplo pra aplicar em Belém e a gente está cheio de lixo mano. Como é que você vai trazer uma proposta grandiosa sendo que você não está dando o básico”, explica o músico, que se prepara para lançar um álbum novo em breve.

"Eu saí de Belém e morei oito anos em Santa Catarina antes de ir para Portugal. Precisei sair para descobrir minhas raízes, nossa ancestralidade, não saí daqui artista, era evangélico. Até conseguir entrar no meio artístico lá, trabalhei numa cozinha e com o dinheiro ainda ajudava minha família aqui. Depois comecei a desenvolver a música, comecei a tocar com as pessoas de lá e consegui falar sobre o que eu queria falar, sobre o princípio do Brasil e todas as formas, a história nua, crua e verdadeira, trágica e bela da forma como ela é. Foi inesquecível", conta.

Crise dos Sem Abrigo

No mesmo período da onda de imigração, um outro problema, que está conectado com o tema, surge como desafio para o governo português: o aumento do número de pessoas sem abrigo no país disparou. São portugueses que ficaram sem nada com a crise que atinge o país, mas também boa parte de imigrantes, entre os quais brasileiros. No mesmo período da onda de imigração, um outro problema, que está conectado com o tema, surge como desafio para o governo português: o aumento do número de pessoas sem abrigo no país disparou. São portugueses que ficaram sem nada com a crise que atinge o país, mas também boa parte de imigrantes, entre os quais brasileiros. Os números oficiais mais recentes apontam para 10.773 pessoas sem-abrigo em Portugal, o que representa um aumento de 78% em quatro anos. Em 2018 eram 6044.

"Cheguei a participar de uma ação social com moradores de rua do Porto e posso dizer que um terço era de brasileiros. Conheço alguns, na pandemia sobreviviam do auxílio emergencial daí do Brasil, que dava menos de 200 euros", conta Igor Mendes, que recentemente se filiou uma organização de apoio ao imigrante brasileiro.

Pelo menos 607 brasileiros que vivem em Portugal pediram ajuda à Organização Internacional para as Migrações (OIM), da ONU em 2023 para retornar ao país por conta de dificuldades financeiras. Eles correspondem a 77,13% dos cerca de 787 imigrantes na lista de espera da organização para voltar ao país com ajuda financeira para pagar a passagem aérea e o custo da viagem, bem como um auxílio para facilitar o recomeço profissional no Brasil.

Desde 2016, a entidade já recebeu 4,2 mil pedidos de ajuda de brasileiros para retornar ao país, sendo o ano de 2022 com a maior quantidade – 913 procedimentos. Não existe estimativa informando se há paraenses entre as pessoas que estão nessa condição em Portugal.

Mundo