Os passos de uma luta por igualdade

Zélia Amador de Deus dedica sua vida pessoal, acadêmica e política ao enfrentamento do racismo na sociedade

Fabrício Queiroz
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Em uma sociedade patriarcal, ser mulher já é por si só uma condição que representa a necessidade de estar disposta a enfrentar muitos desafios. Em um contexto de relações racializadas, as estruturas de poder a serem enfrentadas são ainda maiores e perpassam histórias de vidas por várias gerações.

Essa realidade veio à tona para Zélia Amador de Deus ainda jovem e, por isso, a professora e ativista percebeu a importância de se mobilizar para transformar as dores individuais dela e outras pessoas negras em símbolo de luta coletiva.

“Eu nasci negra, então desde cedo eu percebi o racismo na própria pele. Então qual é o caminho? O caminho é você se organizar para combater, o caminho é você se organizar para mostrar para uma sociedade que assimilou e internalizou o racismo que esse racismo é cruel, que esse racismo mata, que esse racismo não pode continuar” - Zélia Amador de Deus

No início dos anos 1980, Zélia integrou o grupo responsável pela criação do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa). Apesar do cenário de uma luta desigual, a professora avalia que há conquistas desse movimento, apesar do Brasil ainda precisar assumir e enfrentar o seu próprio racismo.

image Na década de 1980, Zélia Amador de Deus foi uma das fundadoras do Cedenpa, um movimento de referência na luta antirracista no Pará (Paula Sampaio / O Liberal)

 “O fato do racismo ser tipificado hoje como crime inafiançável e imprescritível, isso é resultado da luta dos movimentos negros. O fato da gente ter legislação penalizando o racismo, é resultado da luta dos movimentos negros. O fato de você ter hoje os quilombolas lutando pelo título de propriedade de suas terras, lutando por educação, por saúde, por melhores condições de vida, isso é resultado da luta do movimento negro. Muita coisa está avançando”, analisa.

Para a professora, um dos sinais desse avanço se reflete no protagonismo que as mulheres negras têm desempenhado, contribuindo para que o feminismo se repense e coloque em debate as violências particulares sofridas por esse grupo. No feminismo negro essas especificidades são conceituadas como intersecções. “Cada vez que uma intersecção se cruza com a outra para discriminar um ser, esse ser vai ficando cada vez mais vulnerável. É o que acontece no caso das mulheres negras”, explica Zélia Amador.

Outra pauta se dá em torno do resgate e pesquisa de figuras femininas negras, cujas histórias eram desconhecidas ou apagadas por conta das estruturas do racismo e do machismo. Nesse sentido, Tereza de Benguela, que viveu no século XVIII e se tornou a líder do maior quilombo na região de fronteira entre o estado do Mato Grosso e a Bolívia, se tornou um símbolo dessa luta por valorização. Atualmente, no dia 25 de julho é celebrado no Brasil o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

image Zélia Amador foi a primeira vice-reitora negra de uma universidade no Brasil. A Universidade Federal do Pará (UFPA) lhe concedeu o título de professora emérita em 2020 (Alexandre de Moraes / Ascom UFPA)

No presente, certamente Zélia Amador de Deus é uma das figuras que inspiram jovens e mulheres negras no Pará e em outros lugares. Além de ser fundadora do Cedenpa, ela é professora universitária e dramaturga, se graduou em Língua Portuguesa, tem mestrado em Estudos Literários e doutorado em Ciências Sociais. Suas pesquisas envolvem temas como a cultura, a arte, o teatro, a educação, as políticas de ação afirmativa e a diáspora africana.

De 1993 a 1997, Zélia Amador foi vice-reitora da Universidade Federal do Pará (UFPA), a primeira mulher negra a ocupar esse cargo no país. Hoje, ela é assessora de diversidade e inclusão social da mesma instituição que, inclusive, lhe concedeu o título de professora emérita, em reconhecimento à sua liderança acadêmica e política.

“A gente costuma dizer que os nossos passos vêm de longe, muito já foi feito para que hoje eu tivesse a oportunidade de estar aqui. Isso é um caminho que a juventude pode ir além, a juventude pode ficar cada vez mais forte para fazer seus agenciamentos políticos, para construir, para fazer com que o Estado tenha políticas públicas de combate ao racismo, de eliminação da discriminação racial, de combate ao machismo e à misoginia”, destaca a professora que ressalta: “Essa juventude tem todo um cenário pela frente para conquistar, para fazer com que essa sociedade fique melhor”, finaliza.

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