Mulheres no puerpério devem ter atenção redobrada com a saúde mental

Especialistas alertam para necessidade de acolhimento e cuidado às mães durante o período, tanto por meio da rede de apoio quanto de uma equipe profissional multidisciplinar

Eva Pires

Privação de sono, recuperação física, mudanças hormonais, isolamento e sobrecarga mental. Esses são alguns dos vários desafios diários vividos por mulheres no período do pós-parto. Conforme orientações de especialistas, as mulheres devem ter atenção redobrada com a saúde mental durante o puerpério, período que decorre desde o parto até que os órgãos reprodutores da mãe retornem ao seu estado pré-gravídico.

De acordo com a pesquisa realizada em 2020, pelo Instituto Fiocruz, sobre as principais questões de saúde mental no parto, cerca de 10% das mulheres grávidas e 13% das puérperas (período após o parto até que o organismo da mulher volte às condições normais) sofrem de problemas de saúde mental. Dentre eles, a depressão se destaca.

Atenção à saúde emocional desde a gestação

imageLucíola Santana defende o cuidado com a saúde mental das mães desde o período da gestação (Foto: Arquivo pessoal)

Para a psicóloga Lucíola Santana, é crucial começar os cuidados emocionais no pós-parto com antecedência, ainda durante a gestação, por meio de uma equipe multidisciplinar composta por profissionais da psicologia, psiquiatria e obstetrícia. Segundo a especialista, já existem diversos programas do governo, em hospitais públicos e unidades básicas de saúde, que cuidam da saúde emocional das mães desde o pré-natal até o puerpério.

"É muito importante que a equipe esteja ciente que cada gravidez é única e é enxergada de uma forma única pela mãe. Precisamos estudar sobre a rede de apoio, sobre como que foi gerada essa gravidez, se foi desejado ou não, de como que essa mulher está vivendo a sua vida nos contextos sócio-demográficos, sobre que momento da vida dela ela está, porque tudo isso influencia na saúde mental dela", pontua.

Para distinguir entre os sentimentos normais de tristeza e estresse no puerpério e sinais de uma condição mais séria, como a depressão pós-parto, é necessária uma avaliação profissional de fatores como o histórico de saúde mental da mãe, se a gravidez foi marcada por conflitos e se houve algum tipo de violência ou negligência durante o parto.

"Tristeza todo mundo tem, isso faz parte do funcionamento humano e tristeza relacionada ao momento de pós-parto também faz parte. O que muda é a intensidade desses sentimentos, a frequência e se está afetando os campos da vida dessa mulher e sua capacidade de realizar atividades básicas, como se alimentar e cuidar da higiene", alerta.

Ainda, a psicóloga orienta sobre como manter a autoestima nesse momento: "É importante que a mãe entenda que é um período transicional e que vai exigir dela certos comportamentos, que vão implicar na sua disponibilidade. É olhar para esse período, ver que ela tem potencialidade de beleza e que precisa de uma rede de apoio para poder se cuidar. Por mais que esteja com um novo papel social de mãe, ela nunca deixa de ser mulher", completa.

Cuidados essenciais para a recuperação pós-parto

A obstetra Dra. Brenda Diniz destacou os principais cuidados que as mães devem ter durante o puerpério para garantir uma recuperação saudável após o parto. "É importante que a mulher invista no seu autocuidado, atentando para uma alimentação saudável, cuidados com a saúde psicológica, inclusão lenta e gradual de atividades físicas, atividades recreativas, bem como ajuste da sua rotina de sono, associada à presença de uma rede de apoio", afirma.

A médica enfatiza a importância de estar atenta às complicações físicas após o parto e instrui as mães a buscar atendimento médico caso experimentem alguma delas. "A mulher precisa buscar ajuda caso apresente sinais como febre, sangramento vaginal excessivo, corrimentos vaginais com odor, presença de dor ou vermelhidão nas mamas ou cicatriz de cesárea, edemas nas pernas e sintomas depressivos", declara.

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Conforme a especialista, a amamentação promove o vínculo afetivo entre mãe e bebê e acarreta alterações hormonais que geram sensação de bem-estar tanto para mãe quanto para o lactente, diminuindo a incidência de sintomas de ansiedade. "Mães que passam por dificuldades na amamentação podem contar com o suporte dos bancos de leite, bem como das profissionais de consultoria de amamentação, de profissionais da psicologia e de seu médico ginecologista e obstetra", explica.

O sono também é um aliado das mães nesse período e está diretamente ligado ao bem-estar físico e mental. "Durante o puerpério, é essencial contar com uma rede de apoio bem articulada. Apesar da amamentação ser uma função materna, deve haver uma divisão de responsabilidades entre os cuidadores para garantir à mulher um sono reparador", conclui.

Responsabilidade em dobro

imageBruna, 27 anos, é mãe de três e acabou de dar à luz Melinda e Vicente (Foto: Ivan Duarte | O Liberal)

O cansaço e a culpa de não conseguir dar conta de tudo são sentimentos frequentes na vida daquelas que acabaram de trazer uma vida ao mundo, ou duas, como relata Bruna Martins, que concebeu um par de gêmeos há dois meses, Melinda e Vicente.

“A gente sente os dois simultaneamente. Se sente cansada e se sente culpada por se sentir tão cansada. Porque a mãe tem que estar sempre pensando no que ainda não foi feito e o que ainda precisa ser feito para que o bebê não precise esperar por alguma coisa, principalmente no meu caso que é tudo em dobro. É uma ansiedade que nunca para", relata.

"É uma carga muito grande para carregar sozinha e a gente não quer compartilhar muitas vezes, porque queremos sempre mostrar que que damos conta de tudo, mesmo já estando no limite. Com certeza esse foi o maior desafio, lembrar que eu estava dando o meu máximo e que preciso aceitar que não consigo dar conta de tudo", completa.

A autônoma de 27 anos, mãe de três crianças, voltou à casa dos pais, junto ao marido, e conta que o apoio da família faz toda a diferença para que ela possa cuidar dos bebês e de si mesma enquanto se recupera de um parto cesárea. "Devido à cirurgia, eu não podia fazer muita coisa no começo. Então, era uma culpa muito grande por ter que depender de outras pessoas. Minha mãe sempre está lá para me tranquilizar nos momentos em que fico assustada e preocupada ao extremo", informa.

Bruna também relata que a sensação de sobrecarga e isolamento foram comuns desde a gestação. "São muitos pensamentos que, mesmo que a gente tente explicar, as pessoas não entendem, acho que só quem já passou consegue. Uma gravidez delicada e o pós-parto de gêmeos é ainda mais puxado, a gente se sente muito sozinha mesmo estando cercada de pessoas", conta.

A autônoma reconhece a importância de priorizar o autocuidado em meio às demandas da vida de mãe para evitar exaustão e crises de ansiedade. Embora aspectos da vaidade, como cuidar das unhas e sobrancelhas, precisem ser temporariamente deixados de lado, ela encontra alívio em simples rituais diários de autocuidado, como lavar o cabelo, tomar um banho revigorante, ouvir música, dormir ou assistir filmes enquanto os bebês tiram uma soneca e saborear suas comidas favoritas.

No puerpério, as transformações no corpo são inevitáveis. No entanto, a crítica alheia em relação ao corpo das mães pode prejudicar sua autoestima e bem-estar mental.

"Um comentário simples sobre o nosso corpo nos afeta de uma forma muito brusca. Meu corpo ficou com marcas e manchas, o que é normal e não me incomodava. Isso mudou a partir do momento que eu percebi olhares e recebi comentários. As pessoas devem entender que, nesse momento, a prioridade é cuidar do bebê. Elas devem ter mais carinho, respeito e guardar as opiniões para si", conclui.

Eva Pires (estagiária sob supervisão de João Thiago Dias, coordenador do núcleo de Atualidade)

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