Ministério Público cobra licitação no transporte público de Belém
Interferência de promotores tenta conduzir processo para uma licitação de caráter nacional que pode ser a grande solução para os problemas vividos por usuários
O sistema de transporte público em Belém é pautado pela irracionalidade, na avaliação do promotor Raimundo Moraes, da Promotoria de Justiça de Urbanismo e Meio Ambiente. Nunca foi licitado, o que permite às empresas escolherem o trajeto a seguir, cada uma disputando um filé, que é o eixo central de Belém, para onde todas seguem. “Por isso, na maior parte do tempo, rodam vazios, custo que vai para a tarifa por conta do desgaste dos veículos e combustível”, critica Moraes.
A licitação que a Prefeitura de Belém pretendia fazer apenas regulamentava todos os problemas já existentes e beneficiava as mesmas empresas que já atuam no sistema atual. Para o promotor, o sistema BRT nem precisaria das obras físicas que tanto complicaram a vida da população de Belém e demandaram tanto dinheiro. Bastaria a reorganização total do sistema e um novo planejamento, incluindo bilhetagem única de Castanhal a Belém. Ele aponta que isso remuneraria de forma mais justa os empresários, não pesaria no orçamento dos usuários, aumentaria o alcance da malha viária e o serviço seria muito melhor.
É que em janeiro de 2018, a prefeitura retomou a ideia de colocar o sistema BRT em funcionamento, mas o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) interveio para garantir que a licitação tenha o melhor resultado para a Região Metropolitana de Belém. A prefeitura deverá assinar um termo de ajustamento de conduta sobre isso.
“Do jeito que está agora, a tarifa nunca vai satisfazer os empresários e sempre vai irritar os usuários”, analisa. “Com esse sistema irracional que temos hoje, se criou o problema dos alternativos, que são realmente uma alternativa, apesar de perigosos, e o transporte por aplicativos. Essa concorrência não é boa, pois só resulta em aumento de tarifa. Se concorrência, neste caso, fosse boa, o sistema de Belém seria o melhor”.
Pelas recomendações do MPPA, as novas licitações deverão ser abertas para o público nacional, não somente para o público local. Precisa ser levada em conta a atuação do transporte alternativo, dos transportes por aplicativos, a instalação de bilhetagem única, planejamento das linhas conforme os interesses de ocupação da cidade, interesses metropolitanos — que representam quase 40% da circulação de ônibus em Belém, segundo o Dieese — e deixar transparentes as matrizes de riscos.
Modelo de ordem de serviço é falho, diz Dieese
Historicamente, as empresas atuam por ordens de serviço. Para o economista Roberto Sena, supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DieesePA), esse modelo de licenciamento é falho, porque os empresários podem ou não cumpri-las, diferente das regras bem estabelecidas de um contrato licitado, nos quais ônus e bônus são aceitos na hora em que os interessados definem propostas. Sena é membro do Conselho Municipal de Transportes desde a fundação. Ele lembra que só quando os problemas no transporte público começaram a se acumular, de 15 anos para cá, o debate sobre a licitação do serviço voltou a ser discutido adequadamente. Ainda assim, inicialmente houve resistência dos empresários. “Sem essa regras bem determinadas, o resultado são as reclamações que vemos diariamente de usuários: queima de paradas, atrasos, ônibus quebrados”, alinhavou. “Não há como adivinhar. Mas se a licitação já tivesse sido feita antes, talvez a situação fosse muito diferente para os usuários. E a licitação que se precisa fazer agora, para o BRT metropolitano, seria menos complicada”. Para uma licitação desse tipo, ressalta o economista, é necessário tempo, estudo e candidatos qualificados. É necessário refazer o sistema tarifário, planejar linhas. Esse tipo de discussão, observa Sena, sempre volta à tona quando se fala em reajuste de tarifa e a falta de retorno, em forma de qualidade do serviço. “Licitação é apenas um viés desse assunto. Precisamos ainda falar sobre subsídios, que a prefeitura não dá. E por isso o usuário arca sozinho com o sustento de um sistema quebrado”, conclui.
Processo é debatido há mais de uma década
Desde que o Conselho Municipal de Transportes foi criado, em 1998, já se discutia a necessidade de licitar o serviço. Mas isso nunca ocorreu. Com a medida, haveria contratos de interesse público, regras explícitas e padrões mínimos de qualidade. Nesta semana, técnicos do MPPA começaram a analisar informações solicitadas à Prefeitura de Belém que serão usadas na redação do TAC. A prefeitura já havia assinado outro ajustamento de conduta específico sobre o BRT, num processo que também está sendo acompanhado pelo promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Moralidade Administrativa, Edivar Cavalcante.
De acordo com a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob), o projeto original do BRT prevê licitação de dois lotes, somando BRT mais alimentadoras e, numa segunda etapa, regulamentação do transporte suplementar por van. A licitação, prevista para ocorrer no ano passado, previa a licitação do sistema atual com uma fase de transição para migrar para o novo sistema, já que a licitação ocorreria antes da obra estar finalizada. “O Tribunal de Contas do Município e o MP solicitaram uma série de informações, mais audiências, o tempo foi correndo e o fato é que a obra está acabando antes da licitação ocorrer”, observou em nota a Semob. “Portanto, o formato de transição previsto já não se encaixaria mais. É nessa fase de discussão com o MP que a prefeitura está, de como ajustar isso e fazer um novo cronograma”
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