111 anos de pentecostes na Amazônia: Assembleia de Deus leva ações para melhorar IDH do Marajó

Fé centenária para mudar o coração da Amazônia contou com cerca de mil pessoas no Marajó

Rosivaldo Almeida, especial para O Liberal
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“Eu aprendi a ler folheando a Bíblia. Eu tinha acabado de me converter, na Assembleia de Deus, e tinha um sonho: poder falar sobre Deus, em uma tarde de louvor, em casa. Até que, um dia, passei a compreender as palavras [do livro sagrado]. Sou eternamente grata”, emociona-se Joana Albuquerque, de 75 anos. A movimentação de mais uma pequena embarcação, a levar famílias inteiras para um culto na modesta igreja instalada no furo do Quaquajó - comunidade do interior de Melgaço, município do arquipélago do Marajó que soma 28 mil habitantes e está localizado a 13 horas de barco de Belém do Pará (250 quilômetros) -, enche de cores o relato da aposentada. E nem seria preciso tanto para emoldurar a sua euforia: dona Joana lembra de tudo com alegria. Para ela, a particular iniciação em um mundo mais espiritual, em determinado momento da vida, foi como ter ganho um presente inesquecível. E sua vivência se confunde com as de pessoas de milhares de comunidades da Amazônia, que este ano, mais uma vez, celebram a chegada ao Pará dos missionários Daniel Berg e Gunnar Vingren, nos primeiros anos do início do século XX. Os suecos abandonaram tudo o que tinham na Europa por causa de um ‘chamado’. Viajaram até atravessar o Atlântico, e seguiram navegando até fundarem, em Belém, a primeira Igreja Assembleia de Deus. Uma história que completou 111 anos neste sábado, 18 de junho de 2022.

Foi um ato de prova de fé, que segue a se repetir e propagar, mais de um século depois. Nos mais longínquos rincões, o ‘amor a Deus’ está lá: repousa mesmo em lugares onde ainda hoje a internet não funciona tão bem, a energia elétrica não é realidade, e as distâncias só são vencidas a motor de popa, ou com a força dos braços e dos remos usados em suas pequenas embarcações. Para muitos, é algo que alcançou quem estava mais longe - e por isso é também um legado inquestionável. Uma verdadeira herança, deixada pelos dois missionários suecos para a região.

(Igor Mota / O Liberal)

Justamente para honrar essa herança, e marcar a programação do mês de aniversário da Assembleia de Deus na Amazônia, mais de mil voluntários foram mobilizados em uma ação social dirigida a Melgaço. Nos dias 14 e 15, o chamado ‘Impacto Humanitário’ reuniu médicos, dentistas, psicólogos, nutricionistas, professores, assistentes sociais, pedreiros, costureiras, padeiros e outros profissionais. A meta: agir para a diminuição da pobreza extrema da região, com oferta de consultas, emissão de documentos, doações de alimentos, medicamentos, água, roupas, itens de higiene e até de móveis e casas, construídas para as pessoas mais necessitadas no município.

A iniciativa não foi pontual. Durará uma década, visando a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento social e econômico local, planeja sua organização. Melgaço tem o pior desempenho do Brasil para os parâmetros do índice de desenvolvimento humano (IDH), com nota 0,418 - em uma escala de 0 a 1 -, apontam dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010).  “Deixaremos lá nossa base humanitária e ficaremos até que o município deixe de ter o pior IDH do Brasil”, planeja o presidente da Igreja Assembleia de Deus em Belém, Pastor Samuel Câmara.

Samuel Câmara (Igor Mota / O Liberal)

O modelo de assistência proposto agora para o Arquipélago do Marajó já foi experimentado antes, e com sucesso. Testemunha disso é o pastor Orivaldo Frota, que há 23 anos atua na Assembleia de Deus e é coordenador das igrejas no bairro da Terra Firme, um dos mais pobres de Belém. Para ele, um dos momentos mais marcantes da sua vida ministerial ocorreu quando a igreja festejava os 90 de fundação. Tocados pelo Espírito Santo, Segundo conta Frota, membros da igreja planejaram ações para mudar a realidade dos moradores da área “Depois da campanha de avivamento no Tucunduba, o local nunca mais foi o mesmo. A área se tornou a “Doca” das comunidades da Terra Firme. Quem conheceu o Tucunduba antes e enxerga hoje, entende que a transformação foi impressionante”, avalia o pastor.

“A Assembleia de Deus veio para amar e cuidar das pessoas. Sempre foi uma igreja do povo, da comunidade, dos grupos humildes. É um patrimônio de Belém. Tem a cara do Pará. Exala o cheiro da nossa terra”, resume Samuel Câmara. Ele ressalta: foi justamente de um jeito acolhedor, inclusivo e muito simples, que o pentecostalismo da Assembleia de Deus se tornou referência mundial, com a primeira igreja evangélica a se propor a desbravar a imensidão da Amazônia.

Superação pela fé

O chamado pentecostalismo é um movimento cristão que tem como ênfase três princípios básicos: Jesus salva, cura e batiza. E esse entendimento do rito do batismo tem uma originalidade própria, frente a outras práticas de batismos, como o que se faz na Igreja Católica. Ele envolve um respeito ao que se entende como 'dons' e ao que é chamado 'batismo no Espírito Santo' - o qual só pode realmente se dar quando envolve o 'falar na língua dos anjos' durante esse momento religioso especial. É por isso que os assembleianos dizem que a Assembleia de Deus é também o 'berço do pentecostes na Amazônia. É porque a igreja foi a pioneira na região nessa cultura, e nessa experiência própria de 'busca' espiritual.

(Igor Mota / O Liberal)

Essa trilha, sabe-se, é incompleta quando não se ilumina e aquece pela experiência do amor ao próximo. E no rumo da fonte que mata a sede da alma, também importa: é urgente cuidar do que aplaca as mazelas, dores e as necessidades materiais mais pungentes de todos os irmãos. O Impacto Humanitário levado essa semana a Melgaço inaugurou essa semana uma tenda permanente que servirá de base para ações de atendimento e consultas médicas nos próximos dez anos. O planejamento é que o auxílio permaneça até 2032, até uma nova classificação dos municípios brasileiros pelos indicadores do IDH.

“Eu tô muito feliz e realizada. É um sonho realizado. Agora os meus filhos não terão vergonha de dizer onde moram”, chorou dona Etelvina, durante a rápida cerimônia de entrega de moradias a famílias carentes de Melgaço. A autônoma de 47 anos é mãe de nove crianças e adolescentes. A família foi uma das cinco atendidas com casas 100% construídas com esse fim pela Igreja Assembleia de Deus no município. Com clima de festa e presença de dezenas de pessoas, o momento histórico foi marcado pela oração dos pastores Samuel e Philipe Câmara. Houve muita emoção na hora da entrega das chaves. Também foram inaugurados três templos erguidos, com pastores consagrados para estarem à frente das missões no Marajó.

Em Melgaço, os últimos dias foram diferentes. As ruas, tomadas por várias ‘caravanas’ de voluntários, viram e economia local se aquecer com o movimento de carros, motos e pessoas a pé. Foi algo inusitado e diferente nas vidas dos que vivem acostumados ao clima pacato da cidade. Lojas lotadas, restaurantes cheios. “Vivi para ver o progresso chegar. Pensei que morreria sem ter que dizer aos clientes, ‘desculpem, mas a comida acabou por causa da demanda’. É, isso aconteceu. Fiquei feliz. Agora sei que posso sonhar em ser uma grande empreendedora”, animou-se Márcia Lobato, dona de um restaurante simples instalado próximo à orla da cidade.

(Igor Mota / O Liberal)

A entrega de cestas básicas e kits de higiene também movimentou a cidade. Equipes voluntárias visitaram casas, levando a Palavra de Deus e orações a muitas famílias, mas a grande maioria só teve acesso ao kit após aguardar por horas em uma fila, sob o sol quente. Sacrifício vencido, restou o sentimento de gratidão na ponta da língua. “Queria que isso acontecesse toda semana. Seria fundamental para que a gente não passasse fome e pudesse ter pelo menos um feijão com arroz para comer”, desabafou Arcângela Da Silva, 51 anos, roceira que atualmente está desempregada.

A ação humanitária também acabou sendo um sonho realizado na vida do pastor Elvis Ribeiro. Ele lembra que “conheceu Jesus” ainda quando era pequeno, em uma ação como essa. Desde então, pedia sabedoria a Deus, para um dia ajudar pessoas carentes como ele foi. “Hoje com 48 anos, isso é um sonho de criança virando realidade. Possibilitar que adolescentes e jovens saiam da extrema pobreza é tudo para nós”.

Para dona Suely Barros, uma das atendidas pelo auxílio solidário no Marajó, é impossível falar em religião sem que se mexa com o emocional da aposentada de 68 anos. Após anos de tristeza e agonia, um dia se entregou a Deus, pedindo que lhe desse uma nova história. “Quando eu tinha 17 anos, fui sequestrada por um homem e mantida em cárcere privado. Ele me obrigou a ser sua companheira. Vivi anos de medo e revolta”, conta dona Suely.

(Marx Vasconcelos)

“Durante a oração de libertação, o Senhor me fez enxergar. Quando o meu companheiro chegou em casa, eu disse a ele sorrindo que Deus havia me libertado, que não sentia mais falta de um companheiro. Cristo me preenchia por completo e eu tinha certeza de que cuidaria de mim”, lembra a aposentada. “Eu estava em paz e cercada de amigos na igreja. Tomei a decisão mais acertada da vida”.

Vinda de missionários: decisão após revelação divina

“Guiados pela Bíblia e pelo Espírito Santo” é o lema das celebrações da Assembleia de Deus em 2022. Pelo segundo ano consecutivo, membros de 600 templos da igreja participaram da elaboração da cópia manuscrita da Bíblia. Nesta nova edição, foram aproximadamente 31.104 páginas, transcritas a próprio punho, simultaneamente e de forma individual, em famílias e grupos de crianças jovens, adultos e crianças. Pelo menos 15 mil pessoas participaram diretamente do projeto. O material será unido e guardado no Museu da Assembleia de Deus.

Somando hoje, os fiéis da Assembleia de Deus somam mais de 22 milhões de membros em todo o Brasil. A história mundial da igreja começou em 5 de novembro de 1910. Batizados no Espírito Santo no ano anterior, em Chicago (EUA), os suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren receberam uma orientação de Deus: deveriam viajar cumprir uma missão em Belém do Pará. E após alguns brasileiros subirem no navio a vapor “Clement”, da Booth Line, os suecos ouviram o idioma português - o mesmo que antes teria sido anunciado pelo Espírito Santo, através de um profeta. A bordo do Clement, Berg e Vingren distribuíram entre tripulantes e passageiros, folhetos e livros com o evangelho.

"Durante a oração de libertação, o Senhor me fez enxergar. (...) Cristo me preenchia por completo e eu tinha certeza de que cuidaria de mim" - Suely Barros, aposentada.

Em 19 de novembro de 1910, os missionários chegaram a Belém sob um sol escaldante. Imediatamente foram abordados por carregadores de bagagem. Como não tinham muito dinheiro, pegaram as malas e saíram seguindo a população, que subia a avenida Presidente Vargas. Andaram vários quarteirões até avistarem a Praça da República. Sentaram em um banco e ali fizeram a primeira oração em terra brasileira. Pediram que o ‘novo de Deus’ fosse vivido por eles.

No dia 18 de junho de 1911, Berg e Vingren, com o apoio de amigos, se reuniram na casa de Celina Albuquerque, na rua Siqueira Mendes, bairro da Cidade Velha em Belém e fundaram a Assembleia de Deus. Nascia ali a igreja que seria referência em Avivamento e que faria de Belém a capital do Pentecostes. A igreja se tornou a maior representante no mundo do segmento pentecostal com a mensagem de que “Jesus salva, cura, batiza com o Espírito Santo e em breve voltará”.

(Igor Mota / O Liberal)

Nos Estados Unidos, Daniel Berg trabalhava como fundidor em navios. Aqui em Belém, conseguiu emprego como caldeireiro na Companhia Docas do Pará. Com o salário, bancava o sustento dele e do amigo, Gunnar Vingren. O que sobrava, investia em aulas de português com uma professora particular. Quando os dois dominaram o idioma, saíram para evangelizar em vilas, principalmente na estrada de ferro Belém-Bragança. Faziam esse trajeto a pé. Depois, foram para o Marajó. Não muito tempo depois, a Assembleia de Deus chegou aos grandes centros urbanos das regiões Sul e Sudeste, como Porto Alegre, São Paulo e Belo Horizonte. Em 1922, chegou ao Rio de Janeiro.

“Para nós, Daniel Berg e Gunnar Vingren são os homens que, sem questionar, obedeceram o chamado de Deus. Muito antes da Assembleia de Deus ser fundada, no plano espiritual, Deus já havia escrito essa história”, resume o pastor Samuel Câmara.

Ajuda aos mais vulneráveis vai além das fronteiras

Igreja missionária, com forte atuação na América do Sul, África e Ásia e outros países, onde tem missões internacionais, a Assembleia de Deus presta vários serviços a comunidades carentes da Região Metropolitana de Belém e localidades ribeirinhas. Com a “Missão de Construção e Reformas de Casas”, ampara pessoas que vivem em vulnerabilidade social, em condições de moradias precárias, construindo ou reformando casas - benefícios que já deram mais dignidade de moradia a 149 famílias.

(Marx Vasconcelos)

Já na “Missão Contra a Fome”, ajuda famílias em extrema pobreza, com doação de 300 cestas de alimentos diariamente. Enquanto isso, a “Missão Mais Puro Leite” colabora para salvar a vida de bebês prematuros e em situação vulnerável, com 70 postos de coleta de leite materno, instalados nos templos da igreja por toda Belém, em parceria com o Corpo de Bombeiros e Santa Casa de Misericórdia do Pará. Outra frente de trabalho social é a assistência aos imigrantes venezuelanos, com atendimento de aproximadamente 80 pessoas em uma casa de passagem.

Com emissoras de rádio e televisão, veiculados pela Rede Boas Novas, e projetos na internet, a Assembleia de Deus também tem propagado o evangelho em diversas partes do mundo.

*Revisão de Lázaro Magalhães e Camila Moreira

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