Santarém e região vivem expectativa de retomada da força turística
Após queda de 65% na movimentação em 2020, operadores e autoridades locais preparam retomada, apostando no turismo de natureza e base comunitária
Café da manhã na mesa, funcionários trabalhando a todo vapor e hóspedes acordando com o som dos macacos e pássaros que habitam a floresta. É assim que começa o dia em uma das dezenas de pousadas de Alter do Chão, em Santarém. A cena é bem diferente do mesmo período no ano passado, quando as medidas restritivas mais duras da pandemia impediram a chegada de turistas à cidade. Em 2020, a retração chegou a 65% do registrado em 2019, antes da crise sanitária.
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Em tempos “normais”, Santarém recebe cerca de 200 mil turistas por ano, movimentando mais de R$150 milhões, segundo estimativa da prefeitura municipal. Agora, com o avanço da vacinação e redução das medidas de restrição, a expectativa do setor turístico é recuperar um pouco do ano perdido, inicialmente retornando aos números de 2019 e, para 2022, em um cenário mais favorável, voltar a crescer como destino de brasileiros e estrangeiros que desejam conhecer mais os diferentes (e belos) cenários da Amazônia.
“O turismo aqui é, basicamente, de sol e praia. Mas, temos um turismo de base comunitária como uma crescente em Santarém; o turismo religioso; e o de eventos, como o Çairé, manifestação que mistura elementos religiosos e profanos, de origens indígenas e lusitanas, responsável por trazer de 50 a 60 mil pessoas todos os anos em setembro. Também é um destino de natureza, essa é a tendência no pós-pandemia, as pessoas querem ir para a floresta conhecer a Amazônia. As maiores belezas no Pará estão nesta área. Então vamos conseguir deslanchar aproveitando essas características”, comenta o secretário municipal de Turismo, Alaércio Cardoso.
Opostas no plano político, as gestões federal e estadual têm feito investimentos na região, gerando uma disputa sadia, que garante mais equipamentos e infraestrutura para impulsionar o turismo local. No início de agosto, a cidade recebeu no mesmo dia o ministro do Turismo, Gilson Machado, representando o governo de Jair Bolsonaro, e o governador do Pará, Helder Barbalho.
Da esfera federal, as obras de destaque somam R$ 7 milhões, o que inclui a Orla da Praia do Maracanã, a reforma da Praça do Çairé, em Alter do Chão, e a urbanização da Orla da Vila Arigó, todas na mesma região e que ajudam a melhorar a infraestrutura turística. Pela gestão estadual, os aportes são mais robustos e incluem um amplo Porto Hidroviário em Santarém – previsto para ser concluído até o final do ano. Também já está autorizada a construção de um Centro de Convenções, para impulsionar o turismo de negócios. Somados, são mais de R$ 120 milhões em investimento no setor.
Para o titular da Secretaria de Estado de Turismo (Setur), André Dias, o centro vai mudar de vez a realidade em Santarém. “Os grandes congressos estão se deslocando dos centros urbanos para áreas de maior potencial turístico e lazer. Nossa atratividade aqui é sensacional. O espaço estende o tempo de permanência das pessoas, e essa é uma meta, aliando turismo de negócios com o de lazer”.
Um destino e muitos cenários ao longo do ano
O turismo santareno é bem mais forte nos períodos em que as praias de Alter do Chão, ilha que fica a 30 minutos da cidade, têm faixa de areia - quando o rio Tapajós está em sua fase mais seca, de setembro a janeiro. Nesse período de “baixa estação”, as passagens aéreas ficam mais baratas. A economia no bolso, porém, não se repete nas opções de destinos e passeios. Ao longo do ano, o destino merece ser visitado em diferentes períodos. Um mesmo lugar pode ter cenários – e experiências – completamente variados e deslumbrantes.
Mesmo com as águas do Tapajós alcançando alturas muito maiores no período de chuvas, a região oferece encantos surpreendentes para quem a conhece entre fevereiro e agosto. Alguns passeios, feitos de canoa, só são possíveis quando a ilha está alagada. Um deles é a Floresta Encantada, que fica a poucos quilômetros da orla de Alter. É possível ir de lancha até o canal de acesso e, depois, pegar uma canoa para conhecer a floresta adentro, em um passeio que dura 30 minutos. Na seca, os visitantes precisam fazer o percurso a pé, já que não há água nesse ponto. Um potencial que tem sido cada vez mais explorado.
Cinco motivos para incluir Santarém no próximo plano de viagem:
1. Encontro das águas
Ir ao Rio de Janeiro e não visitar o Cristo Redentor é quase um desrespeito. Em Santarém, o mesmo pode ser dito de uma das “marcas registradas” da cidade: o encontro das águas dos rios Tapajós e Amazonas, em frente à cidade. Ele pode ser visto de vários restaurantes e bares da orla. O Tapajós nasce no Mato Grosso e banha parte do Pará e do Amazonas. Tem 1,5 mil quilômetros de extensão e abrange 6% da bacia amazônica. Já o Amazonas é o maior rio do mundo, com 7 mil quilômetros de extensão, percorrendo boa parte do norte da América do Sul, desaguando no Oceano Atlântico.
Os dois rios não se misturam por conta da densidade, temperatura e velocidade. Moradores poetizam esse fenômeno. É comum ouvir de guias turísticos que a razão não é natural, mas tem sentimento envolvido: as águas límpidas, azuis-esverdeadas, do Tapajós “protegem” a cidade das águas mais barrentas do Amazonas. Para ver o fenômeno, basta pegar uma embarcação na orla de Santarém, no Terminal Fluvial Turístico (TFT).
2. Praia do Pindobal
Distante menos de 40 quilômetros de Santarém, a cidade de Belterra tem uma das praias mais populares do oeste do Pará: Pindobal. Nos primeiros dias da semana, o local fica quase vazio. A partir das quartas, começa a ficar mais agitado. O pico de banhistas ocorre aos domingos.
A partir de Belterra, o acesso a Pindobal é por estrada, a 12 quilômetros da cidade. Para quem está em Alter do Chão, é possível ir por transporte terrestre, percorrendo 7 quilômetros, ou de lancha. As barracas cobertas de palha são o diferencial, com refeições completas e vários tipos de bebidas. A praia fica em uma espécie de “curva” no rio, e o pôr-do-sol é uma atração à parte. Seja para quem se hospeda em Santarém, Alter ou Belterra, o destino não passa despercebido.
3. Ilha do Amor
Em Alter do Chão, a Ilha do Amor é a principal praia da região. Fica bem em frente à orla da cidade e dá para ser vista de qualquer ponto. Mesmo no período de cheias, a Ilha do Amor não some por completo – os topos das barracas continuam à mostra, indicando que ali, embaixo de toda aquela quantidade de água, há uma beleza natural escondida, prestes a vir para a superfície. Quando a praia reaparece, a paisagem é espetacular. As águas, cristalinas têm temperatura agradável e o cenário já foi chamado de “caribe amazônico” pela imprensa internacional.
Para atravessar até a Ilha do Amor, basta pegar uma lancha ou mesmo uma canoa na orla. São cinco minutos de travessia. Os turistas já chegam à areia para passar a tarde na ilha, comendo peixes que são destaques nos cardápios de todos os restaurantes.
4. Trilha da Preguiça
Em Alter, entre os locais mais distantes – e ainda nem tão famosos, um deles é a Trilha da Preguiça, que fica nos fundos de uma casa no meio das águas que enchem a região. Basta uma hora de lancha, saindo do Canal do Jari. Maria Rosângela Pinto, de 62 anos, trabalha oferecendo o passeio há uma década. Partindo de sua casa, ela mesma conduz grupos, em canoas. Remando pelos caminhos da floresta, fala das belezas amazônicas e animais que habitam árvores, algumas com mais de 200 anos de idade. É possível ver espécies variadas de pássaros, que cantam e fazem ruídos únicos; macacos pendurados nos troncos e cobras enroladas nos galhos mais altos. E o nome de ”batismo” da trilha também está presente: quase sempre é possível observar preguiças se movimentando calmamente.
5. Toca do Tatu
É lá que se celebra uma das maiores movimentações culturais de Alter do Chão: o carimbó. De quinta a domingo, o local fica cheio de turistas, atraídos para conhecer melhor os artistas da região. No terreno simples, é montado um palco, onde cantores, músicos e grupos de dança fazem apresentações.
Vários estandes com vendedores apresentam seus produtos: roupas, acessórios e drinks para os visitantes. Há mesas e cadeiras para quem quiser acompanhar os shows com mais conforto, mas não falta espaço no meio do terreno, em frente ao palco, para os que tentarem arriscar e aprender o carimbó ao lado de dançarinos, incluindo mulheres que rodam saias longas e floridas.
De geração em geração...
Cultivar e difundir a cultura amazônica é um dos desafios de quem mora no Baixo Tapajós. Muitos que trabalham com negócios próprios usam a criatividade para explorar o diferencial na região, seguindo os passos dos pais para gerar renda em casa.
É o caso de Hinho Moreno, de 45 anos, e sua esposa, Sandra Moreno Clemente, de 34. Ele cresceu na comunidade Nova Vista, no Alto Tapajós. Sandra tem família espanhola e cresceu na cidade de Valência. Até chegar a Alter do Chão, tinha passado oito anos viajando o mundo e vendendo artesanato.
Mesmo com realidades tão distintas, os dois foram unidos pelo carimbó e pela costura. Hinho era apaixonado por costurar e praticava desde os 10 anos de idade, inspirado pela mãe. Sandra costurava por lazer, fazendo as próprias roupas, paixão que também veio da família. Os dois só foram se conhecer em 2014. “Minha esposa era viajante, chegou e se apaixonou pela dança, começou a ter aulas. Mas ela perdeu a saia de carimbó, e ela nem sabia que eu costurava. Me ligou chorando para contar. Quando a vi de novo, fiz a surpresa: uma saia nova que fiz na máquina de costura da minha mãe. Ainda fiz uma camisa para dançarmos combinados”, lembra Hinho.
Ele e Sandra ficaram juntos em 2015, quando também começaram a produzir camisas de carimbó. Ao longo desses seis anos, a produção cresceu e hoje também são feitas saias, acessórios, bolsas, artesanatos e até capas para tambores.
O diferencial da loja é a divulgação da cultura amazônica. Todas as estampas são únicas e o casal nunca repete o mesmo tecido. Como Alter do Chão vive cheia de turistas estrangeiros, Sandra garante que os produtos feitos no ateliê já estão em vários países do mundo. “Quando eu estava grávida, fazia questão de costurar, para Estela se acostumar com o barulho. Quero que ela siga os nossos passos e faça o que ama, o que sua alma pede. É isso que importa”, anseia a mãe.
“Nosso diferencial é estar dentro da reserva botânica Cairé Carauary, em contato com a natureza, tendo a visita constante de macacos, cotias, iguanas, pássaros e outros habitantes (animais)" - Felipe Falesi, comerciante.
Maria Rosângela Pinto, de 62 anos, da Trilha da Preguiça, diz que o amor pelo turismo veio de seu pai, que também fazia o passeio. Depois de alguns anos, ele não conseguiu mais trabalhar e a filha decidiu dar continuidade ao legado. Foi então que ela comprou a casa da família e passou a morar lá com o marido e os filhos, onde hoje é a porta de entrada da trilha.
Lá, ela vende artesanatos e faz uma degustação da chamada Castanha de Sapucaia, alimento que nasce na região oeste e que ela usa para fazer um biscoito de receita própria. “Essa trilha já existia, era onde meus avós criavam gado, a gente conserva para não fechar”.
Hospedagem com aconchego, natureza e cultura
Apostando no aconchego e em cantinhos “instagramáveis” – como apiscina de borda infinita para a floresta amazônica - a Vila Flor Bed and Breakfast vem conquistando destaque em Alter do Chão e é procurada mesmo por quem não está hospedado (e apenas quer tirar uma foto no local). A casa de hospedagem fica em um morro, no meio da floresta. Lá, é possível ter uma vista panorâmica da vila, do Lago Verde, da Ilha do Amor e da Ponta do Cururu.
O negócio foi montado há cerca de duas décadas por Rômulo Sampaio Pereira, de 59 anos, que avistou a área enquanto saltava de paraquedas nas proximidades. O ambiente, aliás, é bem reservado e exclusivo. São apenas seis quartos disponíveis, que costumam ficar ocupados em qualquer época do ano.
Hoje, boa parte da gerência é feita pelo filho de Rômulo, Felipe Falesi, de 32 anos, e o restante por sua irmã, Camilla. “Nosso diferencial é estar dentro da reserva botânica Cairé Carauary, em contato com a natureza, tendo a visita constante de macacos, cotias, iguanas, pássaros e outros habitantes (animais). Isso é um grande atrativo, sem contar que há privacidade no local e uma piscina com 56 mil litros de água mineral diretamente do aquífero Alter do Chão, maior reservatório de água potável do mundo”, destaca Felipe.
Para ele, é muito gratificante ter reconhecimento como resultado de 20 anos de um trabalho que seu pai começou tempos atrás, quando ainda não existia nada no local, além da vegetação.
“Quando vi a Ilha do Amor, Lago Verde e todo o entorno da região não consegui sair. Digo que a região me chamou” - Arkus Nóbrega Rodrigues, artista plástico e guia turístico.
Outra casa de hospedagem que retrata a cultura amazônica é o Seringal das Artes. Quem comanda o espaço é o artista plástico e guia turístico Arkus Nóbrega Rodrigues, de 43 anos, que desde os 19 vive em Alter. Na época, estava fazendo uma viagem de Manaus para Belém e decidiu parar em Alter, a convite da mãe, que já morava na cidade. Ao conhecer a vila, se apaixonou e não quis mais ir embora.
Como Alter do Chão já atraía muitos turistas americanos, era um bom lugar para ganhar dinheiro. Junto com a mãe, Arkus começou a fazer exposições e organizar feiras de artesanatos. Com a casa sempre cheia de pessoas, entre músicos, artesãos e amigos em geral, veio a ideia de formalizar o negócio. Hoje, ele aluga quartos na residência para quem vem de fora. O diferencial é que, no local, há uma exposição das artes feitas por Arkus, onde é possível ainda conhecer mais sobre a cultura local. Ele avalia que a melhor decisão foi ter feito sua vida em Alter.
“Quando vi a Ilha do Amor, Lago Verde e todo o entorno da região não consegui sair. Ainda voltei pro Amazonas, fiquei uma semana, me desfiz de tudo que tinha e, sem pensar duas vezes, vim pra Alter. Digo que a região me chamou”, conta.
A Redação Integrada de O Liberal viajou até a região atendendo convite da Secretaria de Turismo do Estado (Setur), que também ofereceu apoio logístico para a reportagem.
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