Mineração na Amazônia: investimentos em segurança e sustentabilidade
Com ampla concentração no Pará, que responde por quase 50% da produção mineral brasileira, empresas que atuam na região buscam inovar utilizando tecnologias para reduzir riscos, atender questão ambiental e aumentar segurança operacional
A produção mineral na Amazônia requer cuidados e investimentos adicionais. Além da questão logística e de acesso, que impõe desafios maiores do que em outras regiões do planeta onde se pratica a atividade, a extração mineral na região acaba exigindo que a sustentabilidade e a segurança nos processos industriais seja quase um mantra, sendo foco de aportes internos de recursos pelas empresas, que buscam inovação e tecnologia para garantir melhores práticas. O que, além de ganhos óbvios, é também importante recado e mensagem ao mercado, que cobra sempre respeito ao meio ambiente, ainda mais na Amazônia.
Atualmente, a produção mineral na Amazônia brasileira está concentrada no Pará, que responde por 49,2% de participação na produção brasileira, segundo dados do Anuário Mineral Brasileiro de 2020, elaborado pela Agência Nacional de Mineração (ANM). A segunda colocação é Minas Gerais, que concentra 40,1% da produção nacional. Entre os outros estados com produção mineral, da Amazônia Legal brasileira aparecem ainda Mato Grosso, com 1,85% de participação; Amapá, com 0,60%; Rondônia, com 0,38%; Maranhão, com 0,34% e Amazonas, com 0,33%.
No Pará, o setor voltou a apresentar índices maiores de crescimento em 2021. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) o Pará registrou aumento de 119% no faturamento com a produção mineral, passando de 21,6 bilhões de dólares no terceiro trimestre de 2020 para US$ 47,2 bi no terceiro trimestre deste ano. Dentro do corrente ano, o aumento foi de 38% em relação ao segundo trimestre. Para manter o ritmo, o setor deve seguir investindo nos próximos anos.
Setor exige investimento em segurança operacional
A estimativa do Ibram é que o país registre até 2025 cerca de US$ 41,3 bilhões em investimentos no setor. Boa parte deles, em projetos socioambientais. E, ainda, ações de inovação e tecnologia que garantem maior sustentabilidade, segurança e proteção ao setor, especialmente na segurança operacional das atividades, para empregados, meio ambiente e comunidades.
Neste ponto, uma preocupação comum entre as empresas que atuam na região – conhecida pela característica básica de floresta tropical e úmida, que são as fortes chuvas – é a questão de barragens.
Atualmente, o Brasil tem 907 barragens de mineração, cadastradas na Agência Nacional de Mineração (ANM), que realiza vistorias frequentes. Segundo dados do boletim de novembro de 2021 da agência, destas, 335 estão nos nove estados que compõem a Amazônia Legal, sendo 142 no Mato Grosso, 114 no Pará, 36 em Rondônia, 18 no Amapá, 15 no Amazonas, 7 no Tocantins e 3 no Maranhão.
As barragens são construções que contém e acumulam grandes quantidades de água, e também outros materiais líquidos e sólidos. Professor associado da Universidade Federal do Pará (UFPA), doutor em Engenharia Civil e pós-doutor em Geologia e Geoquímica, Marcelo Rassy Teixeira explica que existe diferenças entre as barragens de grande porte, como as estruturas de hidrelétricas e as barragens de rejeitos, que acumulam resíduos de processos industriais, como o caso das mineradoras.
Acidentes como o rompimento de barragens - em Mariana e Brumadinho, ambas em Minas Gerais - serviram como um alerta da importância da manutenção e de atividades fiscalizatórias. Segundo o engenheiro, acidentes similares na região amazônica são improváveis e o uso da tecnologia é crucial para evitar danos, sejam eles humanos, ambientais ou estruturais. "O que poderia trazer mais danos seriam casos envolvendo rompimento de barragens de hidrelétricas, entretanto, são estruturas com alto grau de confiabilidade e manutenções frequentes. Na minha opinião, acidentes como esses são improváveis na região. E nisso entra também a importância da tecnologia para segurança e efetividade das atividades", afirma.
Tecnologia permite retorno do rejeito para áreas mineradas
No Pará, que concentra a maior produção mineral do país, o esforço de grandes companhias que atuam na região é avançar em práticas mais seguras e sustentáveis. A pouco mais de 300 quilômetros da capital Belém, a cidade de Paragominas, foi o local escolhido para implantar uma solução pioneira quando se fala em tecnologia e barragens: uma metodologia que permite que os rejeitos da mineração de bauxita sejam realocados em áreas já abertas e mineradas, o que acelera o processo de reabilitação de áreas já exploradas e permite avanço do projeto de reflorestamento realizado pela Mineração Paragominas, onde fica a mina de bauxita da Hydro no Pará.
Depois de passar pela planta, há duas saídas. Uma é o produto, que é basicamente a bauxita moída com água, que a gente chama de polpa, que vai ser bombeada até o cliente. (...) E temos também o rejeito, a sílica, que é um contaminante que não é bom pra produção de alumínio" - Victor Silva, supervisor de controle de processo
Todo o processo é acompanhado por um centro de monitoramento montado dentro da mina, que tem o controle de tudo o que ocorre, desde a extração até a preparação para o transporte, por meio de um mineroduto, que também recebe manutenção periódica. Dessa central, é possível dar orientações para funcionários em campo, 24 horas por dia, sete dias por semana, evitando acidentes e garantindo uma atuação mais efetiva do trabalho na mina.
Supervisor de controle de processo, Victor Silva explica que o duto percorre 244 quilômetros e atravessa sete municípios do Pará, transportando o minério extraído até a sede da maior refinaria de alumina do mundo fora da China, a Alunorte, em Barcarena. "Iniciando na parte da mina, o minério é extraído e retirado em caminhões até a nossa etapa seguinte, que é a planta de beneficiamento. Esse material que sai da mina ainda não está pronto pra ir até o nosso cliente e por isso ele precisa passar pela planta para fazer essa adequação, que é tanto química, quanto física. É um material que ainda é muito grosseiro, então você tem que moer ele pra que ele fique mais fino e consiga ser bombeado até o cliente", detalha.
Uma vez extraído da mina, o material precisa passar por uma espécie de "crivo" inicial, em que se adiciona água para separar a bauxita da sílica, a areia que está misturada à terra onde o produto é encontrado. "Depois de passar pela planta, há duas saídas. Uma é o produto, que é basicamente a bauxita moída com água, que a gente chama de polpa, que vai ser bombeada até o cliente. (...) E temos também o rejeito, a sílica, que é um contaminante que não é bom pra produção de alumínio", acrescenta.
Para dar conta dessa “sobra” na produção, a Mineração Paragominas possui dois sistemas de barragem para armazenamento de rejeitos de bauxita. Os dois utilizam uma metodologia baseada na operação alternada de reservatórios, permitindo a secagem do material, combinando drenagem e evaporação, resultando em rejeito com índice mínimo de 60% sólido, o que reduz os já pequenos riscos de desmoronamento na região, deixando o terreno firme até mesmo para quem deseja caminhar sobre ele.
E é exatamente o descarte destes rejeitos em um dos sistemas o grande diferencial tecnológico da metodologia "Tailings Dry Backfill". Tudo porque substitui-se a ideia de apenas despejar os rejeitos em uma mesma área - resultando em áreas de barragens - por um processo quase auto suficiente, onde o material é reutilizado para recompor áreas já mineradas.
"Reduz substancialmente qualquer questão relacionada à barragem. A gente teria uma estrutura de 30 metros, várias estruturas que iam ocupar aproximadamente 1.800 hectares. E a gente reduz essa área, que não vai mais ser ocupada. Então a gente ocupa só 400 hectares com esse tipo de operação. Além disso, não aumenta a altura. Então a atividade é muito mais tranquila, muito mais segura para as pessoas, para a operação e para o meio ambiente", detalha o diretor industrial da Hydro Paragominas, Evilmar Fonseca.
Além da redução dos riscos para funcionários e trabalhadores, o impacto no meio ambiente também é um benefício da tecnologia, já que toda a área explorada para mineração é reflorestada após três anos. "Acho que o principal impacto desse projeto é a orientação de não construir mais barragens e fazer a recuperação ambiental. Todo o rejeito volta para o seu local de origem. Antes, a recuperação ambiental dessa barragem só iria ocorrer após 30, 40, 50 anos", avalia.
Modelo de Paragominas já é reproduzido em outras áreas
A metodologia "Tailings Dry Backfill" parece indicar um novo caminho no ramo da mineração. Tanto que o projeto, patenteado pela Hydro, começou a ser adotado pela Mineração Rio do Norte (MRN) na extração de bauxita em Oriximiná, no oeste paraense. No lugar de barragens, a empresa também adota a gestão de rejeitos, que são despejados em um total de 24 reservatórios, como forma de minimizar os riscos de ruptura, depositando o que sobra da lavagem da extração do minério.
Diferente do sistema de barragens, em que os resíduos são depositados com grande quantidade de água, os rejeitos vão para reservatórios - construídos numa área total de aproximadamente de 1.500 hectares - após o reaproveitamento de cerca de 80% do líquido para ser utilizado em outros processos. O restante, em média de 20%, acaba infiltrando no solo ou evaporando naturalmente, em um período que leva em torno de 30 e 60 dias.
Hoje, a mineradora possui duas barragens para armazenar e clarificar a água da chuva. Para essas estruturas, mesmo com risco baixo de acidentes, há um Plano de Ações Emergenciais para Barragens de Mineração (PAEBM) estabelecido. Uma equipe de cerca de 70 profissionais realiza as atividades de operação e segurança do sistema de rejeitos, orientados e auditados por empresas nacionais e internacionais, em rotinas e programas de fiscalização, manutenção e prevenção. A emissão constante de relatórios de análise de inspeção e monitoramento também garante o baixo risco de acidentes na mina.
Uma das principais soluções de produtividade que transformam o S11D em referência em termos ambientais, é (...) a adoção de sistema composto por escavadeiras e britadores móveis, interligados por correias transportadoras. Esse sistema reduz a emissão de gases poluentes e o processamento do minério é feito sem o uso de água, e desta forma, sem necessidade de barragens de rejeitos” - Antonio Sérgio, Gerente Executivo da Mina Serra Sul (S11D).
Enquanto que no verão a disposição de rejeitos é feita em camada de 50 centímetros para que, após 30 dias, receba a próxima camada, no período de inverno o prazo sobe para 60 dias. Esse tempo de espera diferenciado implica na segurança.
Alexandre Schuler, gerente do Departamento de Geotecnia da MRN, explica que 1.100 sensores monitoram a pressão da água, durante 24 horas por dia, sendo a maior parte deles automatizados. Os dados coletados são enviados para a sala de monitoramento. "Ao sinal de qualquer anomalia, vamos ao campo e acionamos os consultores para saber se é algo que devemos nos preocupar. São feitas inspeções por técnicos que atuam em tempo integral, somente para isso", enfatizou.
Produção mineral em Canaã já não utiliza barragens
O investimento em tecnologia e em ações de proteção do chamado “Mosaico de Carajás”, área de atuação da empresa Vale no Pará, é um dos carros-chefe da companhia, que há 30 anos atua na região amazônica. A área, que corresponde a cinco vezes à cidade de São Paulo, é onde 60% do minério de ferro extraído pela multinacional é produzido e onde se encontra a maior mina de minério de ferro a céu aberto do mundo.
Além da produção, a região de 800 mil hectares abrange seis unidades de conservação: Floresta Nacional (Flonaca), Reserva Biológica do Tapirapé, Floresta Nacional do Tapirapé-aquiri, Floresta Nacional do Itacaiúnas, Área de Proteção Ambiental do Igarapé Gelado e o Parque Nacional dos Campos Ferruginosos (Parna). No entanto, segundo a empresa, as ações da Vale interferem menos de 2% na área. A área que está sob responsabilidade da empresa acabou se tornando uma espécie de “oásis verde” em plena floresta Amazônia. É que o avanço de diferentes atividades acabou por aumentar o desmatamento na região, mas o “mosaico” segue protegido – e verde, conforme revelam imagens de satélite que são acompanhadas há décadas pelo monitoramento da empresa.
Na última década, a empresa investiu mais de R$1 bilhão em ações de proteção, pesquisa, desenvolvimento territorial e incentivo à cultura, dos quais cerca de R$ 910 milhões foram voluntários.
O destaque vai exatamente para o Complexo S11D, que busca conciliar a atividade econômica e a conservação do meio ambiente. Na mina de ferro, localizada no município de Canaã dos Carajás, no sudeste paraense, o minério é processado em uma usina fora da área florestal e o processamento do produto é feito totalmente a seco, sem a necessidade do uso de água e da construção de barragens, evitando o consumo da massa líquida e de necessidade de gestão de riscos aos funcionários e à população. “Uma das principais soluções de produtividade que transformam o S11D em referência em termos ambientais, é reunir a expertise de quase 80 anos em mineração com a adoção de sistema composto por escavadeiras e britadores móveis, interligados por correias transportadoras. Esse sistema reduz a emissão de gases poluentes e o processamento do minério é feito sem o uso de água, e desta forma, sem necessidade de barragens de rejeitos, em virtude da alta qualidade do minério de ferro aqui presente”, destaca o Gerente Executivo da Mina Serra Sul (S11D), Antonio Sérgio.
Além das soluções inovadoras, os investimentos em segurança florestal, com financiamento de equipes de guardas florestais em apoio ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) realizou 9.835 patrulhamentos a pé, de carro e de barco para proteção das unidades de conservação de Carajás em 2020. Como resultado, foram impedidas 494 ocorrências envolvendo à garimpagem ilegal, caça e pesca predatória e a entrada de intrusos. Também foram apreendidos 424 materiais entre armas de fogo, apetrechos para garimpagem e munições.