Dia do açaí marca a cultura alimentar amazônica
Celebrada neste dia 5 de setembro, data foi instituída por decreto e coincide com o Dia da Amazônia
O Dia Estadual do Açaí, celebrado neste 5 de setembro, foi instituído pela lei nº 8.519/2017, em representação simbólica ao fruto e ao período da safra para o Estado. A data coincide com o Dia da Amazônia, região com bastante incidência do açaizeiro (Euterpe Olerácea), que integra os diversos cenários geográficos e influencia diretamente no modo de vida da população. O açaí puro tem um gosto marcante, levemente amargo. Mas para muitos, o verdadeiro sabor é de saudade.
O compositor João Gomes morava em São Paulo, na década de 1980, e sentia falta dos amigos e da cidade de Belém. O sentimento o levou a escrever uma letra que representava o cotidiano distante. Assim nasceu “Sabor Açaí”, famosa na voz de Nilson Chaves. “Pensei que não havia nenhuma que falasse do açaizeiro, exclusivamente do açaí. Assim escrevi a letra e, antes de concluí-la, eu já sabia que ela deveria ser mandada para o Nilson Chaves musicá-la. Ele concluiu com o refrão e uma melodia absolutamente abençoada”, lembra João.
Poesia na música
A canção aborda desde a importância do fruto na cultura alimentar quanto no aspecto ambiental da mais magra das palmeiras - aquela que se entrega até o caroço. “O Joãozinho me enviou pelo correio a letra da música e foi algo meio mágico. Fui para o quarto, peguei o violão e a música saiu inteira e eu acrescentei o refrão ‘Põe tapioca, põe farinha d’água’. Ele me enviou também porque sabia da minha relação intensa com o açaí e, às vezes, cuidadosa porque, se for o caso, eu tomo todo dia. Mas eu dou uma segurada, porque tomo com açúcar e farinha d’água ou de tapioca. Sexta, sábado e domingo é sagrado”, conta Nilson Chaves.
Um “point” feito de saudade e esforço
E foi a saudade de uma infância humilde que motivou o empresário Nazareno Alves a abrir um dos restaurantes mais famosos de Belém, o Point do Açaí, especializado no fruto e acompanhamentos típicos. “Eu não sou paraense, nasci em Rio Catrimani, próximo a Caracaraí (RR). Meu pai tirava açaí e o primeiro contato foi lá. Depois fomos para Santarém e logo ele foi transferido para Belém depois de um acidente de trabalho. Nós éramos 10 filhos e os mais velhos saíam para ajudar no complemento da alimentação da família. Eu tinha 12 anos, vendia café e saco no Ver-o-Peso e almoçava peixe frito com açaí. Eu me apaixonei tanto por esse jeito de comer que dizia que quando crescesse ia montar um restaurante assim”, lembra Nazareno.
Ao se tornar adulto atuou em outras atividades, mas o sonho antigo nunca foi esquecido. “Em 2004, resolvi montar um ponto de venda de açaí na garagem de casa. Dois anos depois coloquei duas mesas e montei o restaurante para as pessoas comerem o peixe frito com açaí. Nas primeiras semanas ninguém comprou. Chamamos os amigos para dar a comida até conseguirmos formar a clientela. Depois que deu certo eu tinha ocupado o pátio da casa. De 8 lugares passamos para 72 em 2007. Hoje estamos com dois restaurantes em cada um, 250 lugares”, afirma o empresário.
A empresa conta ainda com quatro pontos de venda e três unidades de processamento que produzem 25 mil litros por mês. “Vamos nos tornar autossuficientes no próximo verão. Temos 50 hectares de açaí irrigado do BRS Pai d'égua (geneticamente modificado pela Embrapa), em Igarapé-Açu”, afirma Nazareno. O empresário fala do desafio de romper aos poucos com o preconceito.
“Só vendia peixe frito no Ver-o-Peso. As pessoas tinham vergonha, diziam que era ‘comida de pobre’. Hoje se orgulham, mostram a língua (roxa depois de comer). O meu negócio sobrevive de pratos simples: camarão, peixe, charque. Não é uma alta gastronomia. É uma comida papa-chibé. O açaí é o principal, os demais são o complemento. Os clientes vão pelo conforto, segurança dos nossos processos, qualidade e atendimento. Recebemos gente do Brasil e do mundo. Ensinamos o passo a passo de como se deve comer”, destaca Nazareno.
Para o empresário é importante celebrar o dia do açaí. “Tenho muito orgulho, paixão, alegria e felicidade. Através do açaí estou conseguindo formar meus dois filhos na faculdade. Consegui sair da pobreza extrema. Não tinha (dinheiro) nem para o ônibus. Eu fico muito feliz quando tomo, me deixa com uma sensação muito prazerosa. Quando não tem fico com insônia, nervoso. É o vício. O açaí alimentou e salvou minha família. Hoje quase todos os irmãos trabalham com o fruto e meu pai também trabalha na plantação”, acrescenta.
Fartura x escassez
Essa relação com a comida citada por Nazareno também é referenciada na letra de “Sabor Açaí”. “Tens o dom de seres muito, onde muitos não têm nada”, o trecho revela a situação de muitos lares onde a base das refeições por muito tempo foi só o açaí com o complemento.
Nilson Chaves aborda a questão ao falar que a data comemorativa é uma forma de chamar atenção para a importância do fruto, cujo litro custa em média R$ 15, nos pontos de venda. “Às vezes tenho tristeza em relação à comercialização porque sentimos que ele está indo muito mais para fora do que ficando dentro do nosso Estado. Mais ainda, o preço dele tem sido muito alto e isso tem tirado dos pobres até a possibilidade de tomar açaí. O Joãozinho fala muito bem e, às vezes, penso que essa frase começa a se perder porque ambição da venda para fora do país, para outros estados torna o preço muito alto. Isso é uma pena”, lamenta o cantor.
Qualidade é garantida por boas práticas de processamento e gestão
A cadeia produtiva do açaí, que envolve desde os produtores rurais, batedores e agroindústria, recebe apoio do Sebrae, para ofertar um produto limpo e forte no mercado
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-PA) tem um trabalho consistente em apoio à cadeia produtiva do açaí, que envolve desde os produtores rurais, os batedores artesanais e as agroindústrias. A princípio focado na organização social, bem como em boas práticas sanitárias e de qualidade, atualmente a instituição atua no fortalecimento de negócios no ramo.
Até 2019, o trabalho se dividiu em duas frentes: no Marajó, voltado para produtores ligados à agricultura familiar e cooperativas; e em Belém e Ananindeua, dirigido aos batedores artesanais.
“O atendimento focou na organização social das cooperativas, implantação do PAS (Programa Alimento Seguro) para o açaí, cuja finalidade foi fazer com que o produtor já fizesse a colheita, armazenamento e transporte dentro das boas práticas. Levamos para dentro da floresta dos açaizais, uma metodologia de lona no chão para debulha e tratação, orientando desde a segurança do peconheiro, com uso da bota, calça, faca dentro de uma bainha”, lembra Mauro Pereira, analista da Agência de Negócios da Região Metropolitana do Sebrae-PA.
A proposta visava à retirada de sujidades dos cachos, bem como verificar a presença do barbeiro, inseto atraído pelos cachos que é vetor da doença de Chagas. “Com a seleção criteriosa, as cooperativas tiveram um diferencial para os seus clientes (batedores artesanais e as agroindústrias de açaí que fazem o beneficiamento), oferecendo um produto limpo, colhido no ponto (maturidade do fruto). No transporte, as embarcações devem ser higienizadas antes de receber os paneiros (cestos), preferencialmente cobertos, assim como os trapiches”, destaca Mauro.
Parcerias
O projeto teve o envolvimento de outras instituições como Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa); Empresa de Assistência e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater). “Com o apoio do Sebrae duas organizações conseguiram se estruturar para atuar como agroindústrias: Cooperativa Agroextrativista de Muaná-Marajó (Coopmar) e Cooperativa Agroextrativista da Veneza do Marajó (Copavem), em São Sebastião da Boa Vista, com recursos do Banco do Brasil e já começam a atuar nesta e na próxima safra, respectivamente”, informa o analista.
Na Região Metropolitana de Belém, o Sebrae assessorou os batedores artesanais no cumprimento do decreto estadual 326/2012 que rege o processamento, com base em boas práticas sanitárias, sobretudo o branqueamento que elimina o Trypanosoma cruzi, agente causador da doença de Chagas. Gestão financeira, planejamento estratégico, criação da marca da empresa, além da implantação do programa Alimento Seguro também estiveram no escopo.
“O Sebrae incentiva que todos os batedores atendidos implantem as boas práticas para oferecer o alimento extremamente saudável sem risco nenhum de contaminação. Com os batedores de Belém foi implantada uma marca coletiva, a Rede Açaí, composta por 20 empreendedores, de forma a fortalecer os negócios”, acrescenta Mauro.
Entre os participantes está o empreendedor Heron Amaral Rocha, que atua na Feira da Pedreira, em Belém. “O apoio do Sebrae foi de suma importância no meu negócio. Foi tudo de bom ter conhecido as metodologia de trabalho implantadas. Passei por várias capacitações ao ponto de me tornar uma referência na manipulação do açaí”, comemora Heron.
Açaí é produto cobiçado no comércio exterior
O açaí é um dos insumos brasileiros com maior potencial de aceitação no comércio exterior. Com matéria-prima produzida, sobretudo na região amazônica, empresas de todo o Brasil enxergam o valor do produto beneficiado em forma de polpas, sucos e até mesmo em pó (desidratado). Com propriedades ricas em antioxidantes, como antocianinas e resveratrol, o açaí também fornece fibras, vitaminas e minerais como ferro e potássio, o produto caiu no gosto de atletas e praticantes de atividades físicas e se tornou uma referência de estilo de vida saudável devido ao seu alto poder energético.
A tradicional forma de consumo in natura acompanhado de açúcar e farinhas - tapioca ou d’água -, ganhou novos formatos. As tigelas, famosas sobremesas, com creme congelado, acrescido de xarope de guaraná, frutas como banana e morango, e sementes, como granola são muito apreciadas nas regiões Sul e Sudeste.
Já o açaí em pó vai pronto para ser misturado em água, água de coco e outras combinações, como proteínas, e caíram no gosto de atletas e praticantes de atividades físicas.
Base de cosméticos
O fruto também é base para dermocosméticos, como shampoos, sabonetes e hidratantes e pode também ser encontrado na forma de cápsulas, como produto fitoterápico. Essa variedade de novos produtos atrai empresas em todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos.
De olho nesse nicho que atrai clientes dos setores de alimentos, cosméticos e fármacos, empresas e corporações têm investido em exportações. A política estadual de incentivo fiscal também oferece vantagens às empresas que verticalizem e agreguem valor ao fruto nas operações de prestação de serviço e transporte, aquisição de embalagens e maquinário e equipamentos para a operação.
O mercado também é oportunidade para produtores rurais, como é o caso da Cooperativa Agroextrativista da Veneza do Marajó (Copavem), em São Sebastião da Boa Vista, cidade marajoara. Formada por 38 famílias extrativistas, a organização recebeu apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e se prepara para fornecer sua primeira produção como agroindústria.
“O impacto do Sebrae foi tão grande, que depois do apoio com consultorias e o PAS Açaí (Programa Alimento Seguro), nos levou até outros estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Rio Grande Sul. Conseguimos uma certificação orgânica e uma internacional do comércio posto, todas com essa parceria”, conta o diretor financeiro da Copavem, José de Moraes e Silva.
A agroindústria deve realizar a primeira entrega ainda em setembro. “Hoje temos uma parceria com um investidor americano, que aumentou a área de congelamento e que receberá toda matéria-prima da cooperativa. Trabalhamos com uma empresa de São Paulo no momento e começaremos entregar frutos de açaí a partir do dia 8 desse mês, se Deus quiser”, afirma José.
Fruto inspirou música "Sabor açaí", do compositor João Gomes (Tarso Sarraf)
Sabor Açaí (João Gomes e Nilson Chaves)
E prá que tu foi plantado
E prá que tu foi plantada
Prá invadir a nossa mesa
E abastar a nossa casa...
Teu destino foi traçado
Pelas mãos da mãe do mato
Mãos prendadas de uma deusa
Mãos de toque abençoado...
És a planta que alimenta
A paixão do nosso povo
Macho fêmea das touceiras
Onde Oxossi faz seu posto...
A mais magra das palmeiras
Mas mulher do sangue grosso
E homem do sangue vasto
Tu te entrega até o caroço...
E tua fruta vai rolando
Para os nossos alguidares
Tu te entregas ao sacrifício
Fruta santa, fruta mártir
Tens o dom de seres muito
Onde muitos não têm nada
Uns te chamam açaizeiro
Outros te chamam juçara...
Põe tapioca
Põe farinha d'água
Põe açúcar
Não põe nada
Ou me bebe como um suco
Que eu sou muito mais que um fruto
Sou sabor marajoara
Sou sabor marajoara
Sou sabor...(2x)
Põe tapioca
Põe farinha d'água...(9x)
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