Projeto de Lei em tramitação ameaça sobrevivência das cooperativas no Brasil

Texto proposto para regulamentar a Reforma Tributária pode inviabilizar o cooperativismo ao desconsiderar o regime específico de tributação para as cooperativas

Conteúdo sob responsabilidade do Sistema OCB

O cooperativismo, considerado como modelo societário da prosperidade, enfrenta um sério risco de ser inviabilizado pela proposta de regulamentação da Reforma Tributária apresentada pelo governo federal. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, desconsidera as premissas trazidas na Emenda Constitucional 132/2023 e coloca em perigo a continuidade desse modelo de negócio.

Márcio Lopes de Freitas, presidente do Sistema OCB, órgão de representação das cooperativas no Brasil, destaca que as cooperativas são sociedades formadas por pessoas, sem finalidade lucrativa.

"As cooperativas são constituídas para viabilizar a necessidade econômica de seus cooperados, que são, ao mesmo tempo, usuários e donos do negócio. Assim, toda a riqueza gerada pertence e retorna ao cooperado, o que diferencia as cooperativas das demais sociedades empresariais e garante a elas, constitucionalmente, um regime tributário ajustado" - Márcio Lopes de Freitas, presidente do Sistema OCB

Segundo Freitas, a regulamentação correta do ato cooperativo na nova sistemática tributária é essencial para garantir a atuação competitiva das cooperativas e sua subsistência no país. "A não incidência tributária no ato cooperativo e a possibilidade de aproveitamento de créditos das operações anteriores são fatores imprescindíveis para a sustentabilidade do modelo cooperativo. Sem eles, as cooperativas deixam de contribuir para a inclusão de milhões de pessoas, para a desconcentração de renda no país e para o desenvolvimento das comunidades mais remotas", complementa.

Riscos

No ano passado, a Emenda Constitucional 132/2023, promulgada pelo Congresso Nacional, representou um marco histórico para o cooperativismo, reconhecendo o ato cooperativo e criando um regime específico de tributação para as cooperativas, possibilitando sua atuação competitiva. “Nossa expectativa era de que a proposta de regulamentação elaborada pelo governo respeitasse os preceitos do texto constitucional e assegurasse a correta regulamentação do ato cooperativo na Reforma Tributária, o que, infelizmente, não ocorreu”, explica Tania Zanella, superintendente do Sistema OCB.

De acordo com Tania, o texto atual do PLP 68/2024 exclui ou limita cinco dos sete ramos de atividades do regime específico de tributação das cooperativas: Agropecuário, Consumo, Crédito, Saúde e Transporte. "Estes setores somam mais de 19 milhões de cooperados que seriam severamente prejudicados. Consideramos que a exclusão desrespeita a previsão constitucional e não possui amparo legal. Por isso, insistimos que a não incidência tributária sobre o ato cooperativo deve ser considerada para todos os ramos do cooperativismo", acrescenta.

Importância

O cooperativismo brasileiro reúne, atualmente, mais de 20 milhões de pessoas, representando cerca de 10% da população. Quando consideradas as famílias desses cooperados, os benefícios alcançam diretamente 80 milhões de pessoas. Também recolhe cerca de R$ 19 bilhões em tributos aos cofres públicos.

E mais: conforme dados da pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), para medir os impactos do movimento cooperativo na economia do Brasil, municípios que contam com a presença de cooperativas possuem um Produto Interno Bruto de R$ 5,1 mil por habitante superior à média nacional, além da geração de mais empregos formais.

As cooperativas agropecuárias têm sido, ao longo das décadas, um pilar essencial na sustentação e no crescimento da agricultura brasileira. Elas possibilitam ganho de escala e redução de custos na compra de insumos, além de realizarem investimentos significativos em tecnologia para melhorar a eficiência e a competitividade do setor. Também elevam a qualidade de vida, especialmente de produtores da agricultura familiar, e fomentam a permanência das novas gerações no campo. Em muitos municípios brasileiros, o cooperativismo agropecuário é uma força transformadora que impulsiona a inovação, a preservação ambiental e a justiça social e econômica.

As cooperativas de crédito, por sua vez, desempenham papel crucial na democratização do acesso a recursos, educação e inclusão financeira. Com mais de 15 milhões de cooperados, essas instituições proporcionam condições mais justas e acessíveis para pequenos empreendedores, agricultores familiares e diversas outras categorias que, de outra forma, estariam à margem do sistema financeiro tradicional.

Atualmente, 398 municípios no país são atendidos exclusivamente por cooperativas de crédito. E mais, quase 50% da carteira destas cooperativas estão em municípios de até 50 mil habitantes, locais pouco atrativos para as demais instituições. Essa capilaridade, que atinge até mesmo as áreas mais remotas do Brasil, não seria possível sem as características únicas do modelo.

Já no segmento da saúde, as cooperativas são responsáveis pelo atendimento de mais de 25 milhões de brasileiros, especialmente em áreas onde os setores público e privado convencionais não alcançam, pois estão presentes em 90% do território nacional. Elas representam 32% do mercado de saúde complementar do país e, atualmente, 30% dos médicos são cooperados.

Em todos os ramos, as cooperativas promovem a sustentabilidade financeira do negócio ao reinvestir os excedentes em melhorias e expansão dos serviços. Elas operam sob um modelo de autogestão que permite uma resposta democrática às necessidades locais, garantindo que os recursos sejam utilizados da melhor forma possível.

“Defender o cooperativismo é defender um futuro melhor para o país. É promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo. É garantir prosperidade e uma sociedade mais justa”, resume Márcio Freitas.

Propósito

A sociedade tem mudado consideravelmente o modo de pensar e operar nas últimas décadas. Hoje, é fundamental estar conectado a outras pessoas, ampliar o networking e fazer parte de um sistema que funcione em conjunto. O consumidor contemporâneo é crítico, busca valores humanos nos produtos e serviços que adquire, substitui a posse pelo uso, se preocupa com a sustentabilidade e quer conhecer a história por trás do processo de produção. Ele se preocupa com o propósito que rege a existência do negócio.

Nesse cenário, o cooperativismo se apresenta como o modelo societário do futuro, com fundamentos que incluem o comércio justo, a economia colaborativa, o empoderamento criativo e o consumo responsável. Ou seja, um poder coletivo que leva à prosperidade do negócio, das pessoas e das comunidades. Essa força transformadora é tão significativa que a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou 2025 como o Ano Internacional das Cooperativas. Isso porque a entidade considera o cooperativismo como a maior rede de compartilhamento de renda e oportunidades do mundo.

“A contribuição das cooperativas para o cumprimento das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) é notável e digna de reconhecimento. O cooperativismo é uma força motriz para o desenvolvimento inclusivo, a redução da pobreza, a segurança alimentar e a gestão sustentável dos recursos naturais. Além disso, a ênfase do movimento na educação, na capacitação de seus membros e na promoção de práticas sustentáveis ressoa com o compromisso global para a construção de um futuro mais sustentável e resiliente, destaca Andrew Allimadi, Ponto Focal da ONU para as Cooperativas.

Para entender mais sobre o projeto de lei em tramitação e os riscos para o cooperativismo, clique aqui.

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