Paraense Michael Trindade fala sobre os Jogos de Paris e relembra começo em projeto social 

Boxeador disputou as Olimpíadas de Paris, mas não conseguiu avançar na competição. No entanto, o lutador realizou o sonho de chegar na maior competição esportiva do mundo 

Aila Beatriz Inete

Orgulho e responsabilidade. Foi o que o paraense Michael Trindade sentiu ao disputar as Olimpíadas de Paris 2024. O pugilista, que ficou conhecido como Parazinho, estreou nos Jogos de Paris contra o cubano Alejandro Claro, na categoria até 51kg, no entanto, perdeu o combate na decisão dos juízes. Contudo, a derrota não apagou a emoção e a realização de um sonho.

"Foi um momento único que tive na minha carreira. Participei de muitos campeonatos grandes na minha carreira, mas esses não chegam nem aos pés dos Jogos Olímpicos. Então, o sentimento é de orgulho e de responsabilidade porque, mesmo sem a medalha, a criançada olha para mim e se inspira para chegar onde eu estou ou me ultrapassar", declarou Michael em entrevista exclusiva para o OLiberal.com.

O lutador de boxe foi o único atleta do Pará a competir oficialmente nos Jogos Olímpicos. Além dele, a ginasta Andreza Lima também foi para a capital francesa, no entanto, era reserva da equipe de ginástica e não chegou a se apresentar.

De volta às origens

Dias após realizar o sonho de estar na maior competição poliesportiva do mundo, Michael retornou para Marituba, Região Metropolitana de Belém, onde o atleta cresceu e a família ainda mora. Além dos familiares, o boxeador ainda tem outra forte conexão na cidade, a associação Dago Fight, projeto social em que começou a treinar e pelo qual tem muito carinho e ainda sente a responsabilidade de ajudar.

"Se a medalha viesse, ia ser melhor para as crianças, para mim e para a minha família, ia abrir muito mais portas e creio que os gestores iam olhar mais para a gente, não só para o boxe, mas também para outras modalidades olímpicas que também precisam de apoio. Então, ia mudar a minha realidade e de uma criança [que faz parte do projeto] que não ia precisar trabalhar, estudar e treinar para se manter no esporte, como eu fiz", apontou o lutador, que ressaltou a importância do patrocínio na formação dos atletas.

"Conciliar tudo isso é muito difícil e, na maioria das vezes, os jovens param porque chegaram a maior idade e foram procurar uma forma de se manter. A responsabilidade era essa, trazer o melhor para eles [do projeto]", completou o pugilista.

image (Thiago Gomes / OLiberal)

A história de Michael no boxe começou justamente no projeto social do treinador Roberto Mafra, conhecido como Dago. Incentivado pelo filho que queria treinar boxe, o professor se especializou na modalidade. Logo depois, abriu as portas da academia simples para os jovens da comunidade.

"Meu filho que trouxe ele [para o projeto]. O Michael sempre foi esse cara tranquilo. Todos eles [alunos] nunca me deram trabalho e hoje ele é esse cara espetacular, nas Olimpíadas, cumprindo as ideias de muitos jovens nossos", declarou Dago.

Atualmente, a associação recebe 15 crianças durante o período noturno. Todas elas já está com os golpes afiados e a esquiva em dia para, quem sabe um dia, se tornarem um atleta olímpico, como Michael Trindade. 

Michael Trindade boxe

"Eu me vejo nelas. Eu vejo o que eles querem, porque eu já estive onde eles estão. Então, toda vez que estou aqui [no Pará], eu venho. Tive oportunidade de estar de férias em outro estado, mas eu senti que deveria estar aqui para incentivar eles.... Toda vez que eu tenho folga, venho aqui, não só por eles [crianças], mas também pelo Dago, que eu tenho como um pai, que foi um cara que participou da minha infância toda", contou.

Desafios

Ainda adolescente, Michael sabia que queria seguir na carreira de boxe. Com o projeto, o paraense disputava competições estaduais e nacionais, como os Campeonatos Brasileiros. Mesmo tendo talento e força de vontade, o lutador esbarrava em um problema crônico que vários atletas enfrentam: a falta de apoio financeiro.

image Legenda (Thiago Gomes / OLiberal)

Assim, em 2020, durante a pandemia, o pugilista quase desistiu da carreira. Já com 19 anos, o paraense teve que se desdobrar para treinar, trabalhar e estudar. Após muito sacrifício, as peças foram se encaixando e ele conseguiu se consolidar na seleção brasileira.

"Em 2020, eu pensei em parar porque chegou a pandemia, comecei a ter responsabilidade dentro de casa, a família pedindo para conseguir trabalho para se manter. E eu falei que ia uma última vez [para o campeonato brasileiro]. Treinei muito e quando chegou lá, venci a primeira, a segunda, na terceira lutei com o atleta da seleção, fiz uma das melhores lutas do campeonato e perdi por 3 a 2, quando desci, o antigo gestor da confederação perguntou se eu tinha disponibilidade para estar na equipe em um mês, tinha pouco tempo para organizar tudo, mas eu aceitei", detalhou o paraense.

Los Angeles 28

Hoje, o paraense é medalhista de prata do Pan-Americano de Santiago 2023. A campanha do atleta na competição foi responsável pela vaga nas Olimpíadas. Como se tornou um atleta de alta performance da seleção brasileira, ele tem direito ao Bolsa Atleta do governo federal, além de ser atleta do exército e consegue viver e se dedicar ao esporte.

A partir de setembro, o paraense retorna para São Paulo para treinar e iniciar o ciclo olímpico dos Jogos de Los Angeles 2028. Michael ainda tem o sonho de fazer a carreira hibrida do boxe olímpico e profissional, no entanto os planos são para depois das Olimpíadas. Por enquanto, o foco é na evolução para a próxima edição dos Jogos.

"Acho que quase todos os atletas que estavam nos Jogos Olímpicos, que têm grandes resultados, são de projetos sociais. Então, mesmo com muitas dificuldades, sem patrocínio, apoio do governo, um projeto social como o do Dago, que tira do próprio bolso para manter, se tivesse mais apoio, investimentos [em outras iniciativas], creio que ia sair não só o Michael, mais uma Rebeca da ginástica, um Caio da marcha atlética", finalizou o paraense.

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