Projeto de lei pretende tornar permanente a Campanha contra a Importunação Sexual de Mulheres nos Estádios do Pará
Em meio a volta do público aos estádios, a preocupação é com a segurança de torcedoras que frequentam o local
“Eu me arrependo até hoje de não ter denunciado, o medo me calou”. Esse é o relato da torcedora do Remo, Michele Monteiro, de 22 anos, vítima de importunação sexual no estádio antes da pandemia. Ela é apenas uma de muitas mulheres que sofrem com o mesmo problema quando vão para as praças esportivas.
Com a volta de público nos estádios após um ano e sete meses, o medo de que isso volte a ocorrer é grande. No entanto, os dois maiores clubes do Pará, Remo e Paysandu, em parceria com as Polícias Militar e Civil, passaram a realizar campanhas antes dos jogos contra a importunação sexual.
E um projeto de lei de número 364/2021, de autoria da deputada estadual Nilse Pinheiro (Republicanos), pretende tornar permanente a campanha, não apenas em Belém, mas em todo o território do Pará. O projeto de lei foi protocolado no início deste mês e ainda será avaliado pela Alepa.
Segundo o documento, a ideia surgiu após queixas de torcedoras que procuraram a Procuradoria Especial da Mulher da Alepa e também a Polícia Militar. “De modo que ouvimos muitos relatos sobre mulheres que já deixaram de ir aos estádios por conta de medo de estarem sozinhas naquele espaço por serem meros "adereços" em vez de serem respeitadas como torcedoras legitimas.”
“Infelizmente já fui. Em 2019, em um Re-Pa. Estava na fila para entrar no estádio, como frequento os jogos do Remo desde criança, sou acostumada com o "sufoco" das filas sempre lotadas, com várias pessoas empurrando. Tinha um homem atrás de mim e por um momento, achei que era um contato normal, como acontece em lugares com muita gente. Mas depois, percebi que ele estava me tocando propositalmente, tentei afastá-lo algumas vezes, ele se aproximava novamente. Estava com alguns amigos, mas fiquei com medo da reação deles se eu falasse, provavelmente se tornaria uma grande confusão. Lembro como se fosse hoje, eu estava com nojo daquele homem e principalmente com medo do que poderia acontecer. No fim, meu amigo percebeu que eu estava desconfortável com alguma coisa e pediu para que eu trocasse de lugar com ele, foi um alívio pra mim. Um tempo depois começou uma confusão pois o mesmo homem estava tocando em outra mulher. Eu me arrependo até hoje de não ter denunciado, o medo me calou”, conta.
A torcedora do Paysandu, Adria Monteiro, de 23 anos, também passou por situação semelhante e, como Michele, se calou por medo.
“Eu já passei por situação assim. E não só eu, acho que outras mulheres também. Uma vez eu estava na fila e o rapaz ficou querendo encostar em mim e teve confusão porque meu pai prestou atenção. A gente se sente acuada e com medo. Acabou que não fizemos a ocorrência. Seguimos para arquibancada. Mas é para ver como uma mulher não pode ficar só em uma local para todo mundo, que era pra ser todo mundo igual. Por isso eu acho que essa campanha é muito importante”, relata.
Registros aumentaram
Dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) apontam um aumento de 39,35% nas denúncias dos casos de importunação sexual no estado em 2021 em relação ao ano passado. De janeiro a setembro de 2021 foram registrados 556 casos de importunação sexual contra mulher em todo o Estado. Em 2020, no mesmo período, foram 399 ocorrências.
Os maiores registros de importunação sexual ainda são nos ônibus, segundo informou a delegada-geral adjunta, Daniela Santos, que na semana passada participou do lançamento da campanha “Importunação sexual é crime. Não faça parte desse time”. A ação vai ocorrer até o final da Copa Verde e das Séries B e C do Campeonato Brasileiro.
“A lei é recente. Os maiores registros relacionados a importunação ainda são nos ônibus. Mas é importante destacar que quando a importunação sexual ocorre no espaço público de multidão é difícil pela vítima saber quem é autor. Também precisamos deixar claro Não é apenas uma campanha repressiva. Mas uma campanha informativa. Criadora de uma cultura contra o machismo de que os homens devem respeitar as mulheres no espaço público e privado e as torcedoras devem ocupar esse espaço de lazer. E o respeito deve imperar independentemente de quem seja a vítima e como esteja vestida se está só ou companha. O corpo da mulher não é espaço público e deve ser protegido pelo estado”, afirmou a delegada-geral adjunta.
O crime
A importunação sexual se caracteriza pela prática de atos libidinosos com a intenção de satisfazer a lascívia (prazer sexual) próprio ou de terceiros, sem a autorização da vítima. Antes de 2018, o ato era consideração apenas contravenção penal, ou seja, uma infração de menor gravidade. Mas, por conta do artigo 215 da Lei nº 13.718/2018, que alterou o Código Penal, a importunação sexual passou a ser crime, com pena mínima é de 1 ano e pena máxima de 5 anos de prisão.
Onde denunciar?
As denúncias podem ser feitas no local dos jogos para a equipe Policial presente ou por meio do Disque-denúncia 180 e via aplicativo Whatsapp (91) 8115.9181, de forma anônima, por meio da inteligência artificial "Iara".
Outros estados
Se for aprovada a lei, o Pará se une a outros estados que já possuem campanha permanente para combater qualquer tipo de violência contra a mulher nas praças esportivas. É o caso do Ceará, que sancionou a lei em setembro do ano passado, e do Rio de Janeiro, que entrou em vigor em março de 2020.