Projeto de formação de jovens atletas na Amazônia chama atenção de Real Madrid e PSG
A partir de fevereiro, mais de 1.700 crianças, espalhadas em 25 municípios de todas as regiões do estado, farão parte do projeto ‘Futebol Criando Cidadãos’
Um projeto de formação de jovens atletas no Pará tem chamado a atenção de dois gigantes do futebol mundial: Real Madrid e Paris Saint-Germain. A partir de fevereiro, mais de 1.700 crianças, espalhadas em 24 municípios de todas as regiões do estado, farão parte do projeto "Futebol Criando Cidadãos". A iniciativa, pensada pela Associação de Ligas Desportivas do Pará (Alidesp), tem como objetivo dar oportunidade para que jovens do interior treinem futebol, ficando assim mais próximos de ascenderem à carreira de atletas profissionais. Mas, mais que isso, também há um braço focado no apoio social e educativo aos pequenos cidadãos.
VEJA MAIS
O projeto será lançado oficialmente no dia 29 de janeiro, em Santarém, no oeste do Pará. Participarão da cerimônia os presidentes das Federações de Futebol do Amazonas e do Amapá, além de representantes da PSG Academy e da Fundação Real Madrid. O objetivo, segundo os organizadores do projeto, é que marcas internacionais importantes possam conhecer um pouco do trabalho pensado para o desenvolvimento do futebol no coração da Amazônia.
"Nós já tínhamos conhecimento dos trabalhos do Real Madrid e do PSG no Brasil por meio das escolas. Pesquisei sobre as iniciativas e marquei uma reunião com representantes das academias. Disse que o projeto estava pago e falei quantas crianças iriam ser trabalhadas. Eles perguntaram o que eu queria e pedi que eles viessem aqui ao Pará e constatassem a qualidade do projeto. Eles abraçaram a ideia e estão vindo para ver se o projeto é realmente sério", explicou o presidente da Alidesp e vice-presidente da Federação Paraense de Futebol (FPF), Ricardo Oliveira.
De acordo com ele, a presença dos gigantes europeus será uma espécie de primeiro contato para que as direções alinhem possíveis estratégias de metodologia de trabalho. O dirigente afirma que, no futuro, a ideia é que as marcas possam abraçar a iniciativa, assim como já fazem com escolas ao redor do país.
"Tudo depende do andamento do projeto e do nosso trabalho. Eles vêm aqui pra ratificar a eficiência do projeto, fazer contato, fazer networking, entender que o projeto é tão sério quanto o deles. Não posso afirmar que depois dessa visita os garotos vão viajar pra França e jogar com Neymar e Messi, mas posso te afirmar que através desse contato vamos lutar para que esse intercâmbio aconteça", disse.
Sonho do futebol na Amazônia
O projeto "Futebol Criando Cidadãos" foi montado por meio de um sonho, compartilhado entre várias ligas esportivas do interior do Pará: oportunizar melhores condições às categorias de base. É consenso na Alidesp que vários talentos paraenses são dispersados ou perdidos devido à falta de estrutura e a grande dimensão territorial do estado.
Ricardo avalia que no interior existem crianças "boas de bola", mas que têm dificuldade de chegar a Belém, grande centro do futebol no estado. Segundo ele, muitos jovens têm dificuldade de se acostumar à distância da casa e da família e, por conta disso, não conseguem atingir todo o potencial planejado.
"Por isso, o que predominou foi um projeto que atendesse crianças e adolescentes no interior do estado. Se você for ver os demais projetos do estado, sempre eles são voltados a investir mais no futebol da capital. O interior fica muito aquém. Se você pegar nos últimos 10 anos, os grandes talentos do Pará vieram do interior, mas os locais não têm estrutura. Por mais que a capital receba mais investimentos, o interior prevalece em relação aos talentos", disse.
Ricardo citou vários exemplos de jogadores paraenses que se destacaram no futebol nacional, mas que nasceram no interior do estado. Entre eles estão Jobson, ex-Botafogo, que veio de Conceição do Araguaia; Rossi, ex-Bahia, que nasceu em Prainha; e Rony, do Palmeiras, natural de Magalhães Barata.
"Acho que tem tudo a ver, o coração da Amazônia executando um projeto para a região. Agora devem ter pessoas ao redor do mundo que estão falando da Amazônia. Nós, que estamos sentados aqui, no meio da Amazônia, não paramos para falar da região. A pegada é exatamente essa: fortalecer o futebol, mas tirar crianças da vulnerabilidade social. O projeto está alinhado com a presença em sala de aula", ressaltou.
Do papel para a prática
De acordo com a Alidesp, 24 municípios vão receber as atividades do "Futebol Formando Cidadãos". Em todas as "células", modo como as cidades estão sendo chamadas pela direção do projeto, as atividades dentro de campo serão vinculadas ao desempenho das crianças na escola. As salas de aula, inclusive, têm sido utilizadas como ponto de inscrição para o programa.
"Cada liga abre as inscrições, vinculadas com as escolas, e elas ocorrem por 'ordem de chegada'. Não podemos 'classificar' essas crianças. O projeto será lançado dia 29 de janeiro e a primeira aula será no dia 7 de fevereiro", detalhou o vice-presidente da Alidesp, o professor Bastimeu Bacelar.
De acordo com ele, todas as crianças receberão gratuitamente todos os materiais necessários para o treino (chuteiras, meiões, uniformes, garrafas de água e mochilas). Em cada cidade, os pequenos serão divididos em duas turmas, que funcionarão no contraturno das aulas.
"O nosso projeto terá atividades três vezes por semana: terça, quinta e sábado. Ele vai funcionar no contraturno das aulas da criança. São, em média, 70 crianças por município, das categorias sub-13 e sub-15. No sábado, os turnos da manhã e tarde se juntam para fazer a socialização da semana", explicou.
Bacelar conta que o projeto se diferencia dos demais por outro motivo: ele não será destinado apenas para meninos, as meninas também poderão participar. Ele explica que os treinos de garotos e garotas ocorrerão em conjunto.
"Quando o Ricardo [Oliveira] vislumbrou a ideia de fazer algo diferenciado e único, nesta magnitude, foi feito um diagnóstico. Esse projeto, você não encontra nenhum igual, é algo inovador. O projeto será para meninas também. A gente quer garantir o direito delas. Os meninos jogarão juntos com as meninas. A Alidesp acredita que as crianças e os adolescentes são prioridades máximas para que o futebol desponte", afirmou.
Veja a lista de municípios participantes do projeto
- Altamira
- Alenquer
- Colares
- Concórdia do Pará
- Curuá
- Itaituba
- Marapanim
- Óbidos
- Pacajá
- Prainha
- Ponta de Pedras
- Rurópolis
- Santa Bárbara do Pará
- Santarém
- Trairão
- Marabá
- Bom Jesus do Tocantins
- Brejo Grande do Araguaia
- Itupiranga
- Dom Eliseu
- Sapucaia
- Floresta do Araguaia
- Bannach
- Belém
Apoio parlamentar sustenta projeto
Ao contrário de muitos projetos de formação de atletas, que vivem uma luta constante em busca de patrocínio, o "Futebol Formando Cidadãos" já está todo pago, pelo menos até o final do ano. Toda a demanda necessária do projeto para os próximos 12 meses foi orçada dentro de uma emenda parlamentar do deputado federal Airton Faleiro (PT).
Segundo Ricardo, as conversas iniciais com o parlamentar foram animadoras. A ideia é que, com um bom funcionamento do projeto em 2023, a iniciativa possa ser expandida para o ano que vem, com a adoção de mais municípios.
"Tivemos uma conversa com o Airton Faleiro e ele ficou super entusiasmado com o projeto. Logo na primeira reunião ele já perguntou 'como a gente faz pra aumentar isso?'. Projetos sociais todos têm, mas o nosso tem detalhes que fazem com ele possa ter vida longa. A gente quer que, no final deste ano, a gente possa encontrar orçamento para que o projeto se perpetue", disse.
Quem também tem boas perspectivas para o projeto é Airton Faleiro. Em contato com o Núcleo de Esportes de O Liberal ele disse que espera que as crianças, por meio do esporte, compreendam a impotância de estudar e se tornarem bons cidadãos.
"Estamos dando oportunidade para que essas crianças se tornarem profissionais um dia, praticando um esporte saudável e com orientação. Isso ajuda o desenvolvimento físico e moral dessa criança. Estamos muito felizes que nosso mandato tenha apoiado esse projeto. Essa iniciativa me deixa honrado em fazer parte desse time”, disse o deputado.
Tapajós: a ponte com o profissional
O "Futebol Formando Cidadãos" estava quase completo. A ideia era bem elaborada, o orçamento já estava garantido, mas quem iria executar as atividades? Foi nesse cenário que entrou o Tapajós, clube de Santarém, que está na primeira divisão do Parazão há cinco temporadas.
Para o presidente da Alidesp, a escolha do Tapajós foi fundamental. O clube, segundo o dirigente, não só oferece boas estruturas de treino e operacionalização, como também representa a ligação entre o futebol do interior do estado.
"Dentro dos portfólios do clube, convidamos o Tapajós, por ser um clube que tem história bonita dentro do futebol, mas também por ter história de revelar talentos, seja na calha norte, como nas região oeste do Pará. Se você for ver, o símbolo do Tapajós é o Boto, um símbolo do Pará", disse.
O Tapajós atuará na capacitação dos profissionais de educação física que vão treinar os garotos durante as atividades do projeto. Esses profissionais serão "extraídos" dos municípios participantes do projeto e vão receber aulas no clube santareno. O objetivo é que os treinos sejam padronizados e as crianças de todo o estado tenham acesso a mesma abordagem física e pedagógica.
"Não vai ter um cara de Muaná, por exemplo, que vai dar o treino que ele bem entender. O treino feito em Santarém será o mesmo de Marapanim, que vai ser o mesmo de Ponta de Pedras. O funcionário treinado e capacitado pelo Tapajós vai para os municípios executar o treinamento padrão", reforçou Sandeclei Monte, presidente do Tapajós.
Além disso, o Boto ficará "de olho" em possíveis destaques do projeto. Segundo Sandeclei, os dois pólos da equipe - o de Belém e o de Santarém - estarão prontos para avaliar jogadores quando necessário.
"Como o corpo que vai dar os treinos é do Tapajós, vamos ficar muito de olho. Se um garoto estiver se destacando, vamos até o local e olhar o garoto, na normalidade dele, para que ele demonstre todo o potencial dele. O projeto será feito em campos que já existem. Inclusive, o projeto cobre o aluguel do campo. Todo município tem um 'herói' que cultiva um bom campo", brincou.
Esporte e educação são desafios
Além dos problemas práticos a serem resolvidos (projeto, operacionalização e recurso), o "Futebol Formando Cidadãos" ainda terá que lidar com outra dificuldade: a socialização e aprendizado das crianças participantes. O trabalho com jovens requer cuidado redobrado para que o pequeno atleta possa desenvolver o máximo potencial.
Quem afirma isso é o educador físico Thiago Sena. Ele coordena a escolinha de futebol Bem Demais, que fica no bairro da Cremação, em Belém. Segundo ele, um dos principais desafios a serem superados é a "alfabetização motora" das crianças, que tem sido prejudicada nos últimos anos.
“Há 10 anos, quando começamos aqui, não tínhamos tanta dificuldade [na coordenação motora]. Acredito que temos isso devido às redes sociais e pelo fato da criança usar muito o celular. Temos um índice de analfabetismo motor muito grande. Hoje, se as crianças não tiverem esse processo de prática de atividade física, ela será considerada como uma analfabeta motora, que é a criança que não sabe correr, se posicionar. Aqui trabalhamos tudo isso, aceleração, desaceleração, modo como a criança vai cair no chão. Por meio do futebol e qualquer outro esporte, ela vai começar a ganhar as habilidades motoras", disse o profissional.
Outro ponto que também deve ser trabalhado durante os treinos, segundo o professor, é o senso de cidadania da criança. Por ser um esporte coletivo, o futebol ajuda os pequenos a entenderem o que é o trabalho em equipe. Por outro lado, o momento de desenvolvimento de cada criança deve ser respeitado.
"Aqui não é uma escolinha de clube, mas sim uma escola de processos, pra quem quer aprender a jogar futebol. Caso tenha alguma criança que se destaque mais, vamos observar e indicar para alguns clubes. Aqui, antes de tudo, ensinamos o trabalho em equipe e o respeito ao grupo. É muito gratificante vermos crianças que não tinham tanto convívio com outras em casa começarem a evoluir quando chegam na escolinha. Aqui ela tem um processo de educação através do futebol. Vamos trabalhando isso devagarzinho, como deve ser com a criança", explicou.
Palavras-chave
COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA