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Longe do holofotes, Segunda Divisão do Paraense reflete busca por 'sonho' básico: comida na mesa

Victor Alves acorda todos os dias às 5h, faz tripla jornada e só volta para casa 1h da manhã, com a meta de garantir o jantar dele e da mãe

Fabio Will

Viver por um sonho. Essa é a realidade de vários jovens que querem mudar de vida através do esporte, principalmente no futebol. Em Belém, uma oportunidade de “mostrar serviço” é a Segunda Divisão do Campeonato Paraense, competição profissional que contempla todo ano duas equipes com vagas na elite do futebol estadual. Mas o cenário para muitos atletas não é o que a maioria das pessoas imagina, com salários milionários, viagens, lugares paradisíacos, mansões e carros importados. A batalha é grande, o dinheiro é pouco e a jornada do dia ganha novos trabalhos para ajudar na renda familiar. É o caso do jogador Victor Alves, que atua no Santa Rosa, clube que está na “Segundinha” e que precisa “tirar um bico” de entregador de lanche para ajudar a mãe.

Aos 18 anos, na sua primeira experiência como profissional do futebol, o jovem Victor Alves enfrenta bem mais que os adversários em campo: encara as dificuldades de colocar comida em casa com a mãe, Dona Maria do Socorro, de 56 anos, no bairro da Terra Firme, em Belém. Victor acorda às 5h da manhã para treinar com a equipe, retorna para casa, estuda e em seguida inicia o “terceiro tempo”, que é entregar lanches em um ponto comercial de um amigo. São R$ 20 por noite e mais dois lanches, um dele e outro da mãe. A jornada quase sempre termina 1h da manhã para no outro dia tudo se repetir. Muitas vezes sua primeira alimentação ocorre somente na escola, à tarde.

“Eu não imaginava que o futebol seria tão difícil, principalmente da Segundinha, um campeonato oficial, tudo é muito intenso. É tudo muito novo, não possui contrato, carteira assinada, tudo é pacote. Mas estou feliz fazendo o que eu gosto, jogando futebol. Me tornei atleta profissional e toda experiência é válida. Recebo uma ajuda do clube que praticamente é para o transporte, por isso tenho que trabalhar à noite, ganhando R$ 20 e dois lanches, que é minha janta e da minha mãe”, detalha.

Questão nacional

Uma pesquisa feita pelo Cupom Válido, no ano passado, expõe todas as dificuldades que o futebol brasileiro vive. Ela revela que 55% dos atletas que atuam no país recebem apenas um salário mínimo. As regiões Norte e Nordeste são as que pagam menos, com o Norte tendo a média salarial de R$1.200,00 e o Nordeste R$1 mil. A pesquisa aponta que mais de 360 mil atletas estão registrados, com 25% deles profissionais. Apenas 33% recebem salário entre R$1.001 e R$5 mil e 12% possuem ganhos acima de R$5 mil mês. Os dados da pesquisa são baseados na CLT, não sendo levado em consideração os direitos de imagem, que podem corresponder até 40% dos salários dos atletas nas Séries A, B e C do Brasileiro.

Victor Alves joga como volante, mas também atua de zagueiro e na lateral-direita e aprendeu na vida que é preciso “jogar” em mais posições para sobreviver. Estudante do 1º ano na Escola Estadual Mário Barbosa, na Terra Firme, tem o futebol como um refúgio, que pode ser o futuro dele, mas também é onde ele pode se alimentar.

“Encaro tudo isso como uma motivação, estou conseguindo manter meu sonho de jogar profissionalmente, estudo e trabalho à noite. A necessidade faz valer esse esforço, quero poder ajudar a minha mãe, que está desempregada, que me apoia nas minhas escolhas. Sofro críticas, mas isso é normal e vou levando”, disse.

O sonho em jogar em um clube maior mantém o jovem atleta, além de diminuir o sofrimento da mãe em momentos delicados.

“Meu sonho é dar à minha mãe uma vida melhor, para que nunca mais ela passe fome comigo e nem chore mais por falta de dinheiro. Eu vou mudar tudo isso jogando futebol, vou dar orgulho para ela”, finalizou. 

Sonho possível

Um exemplo palpável para Victor Alves pode ser o atacante Rony, hoje no Palmeiras. O paraense, que começou nas categorias de base do Remo, antes de “estourar” no futebol, também passou fome e teve que se dividir entre treinos e o trabalho como mototaxista na Região Metropolitana de Belém. 

"O Rony várias vezes chegava para treinar no Remo com o uniforme amarelo dos mototaxistas. Ele fazia esse trabalho para completar a renda. Só com o futebol não dava para viver", revelou Paulo Araújo, então diretor de futebol da base do Leão, ao Estadão em entrevista publicada em fevereiro de 2021, quando o atacante paraense desembarcava em Doha, no Catar, para disputar o Mundial de Clubes pelo Palmeiras.

Depois de um começo duro, Rony colhe os frutos da dedicação, do trabalho e, também, da sorte. Atualmente veste a camisa 10 do Verdão, acumula títulos e boas atuações. A sala de troféus do paraense tem dois títulos da Libertadores da América, duas Copa do Brasil (por Palmeiras e Athletico-PR e uma Recopa Sul-Americana. 

"As coisas para mim sempre foram difíceis. O lugar onde morava em Magalhães Barata é muito pobre, tem que se virar e a saída era trabalhar na roça ou fazendo farinha para ajudar a minha mãe. Já cheguei a passar fome uma vez, mas agora tudo está mais fácil", contou, ao Globo Esporte, em 2014.

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