Do Marajó ao Catar: irmãos torcedores de Remo e Paysandu contam experiências na Copa do Mundo 2022
A família de empresários de Breves, no Marajó, enfrentou uma longa viagem ao país árabe para assistir o Brasil e confraternizar com culturas de todas as partes do mundo
Exatos 11.293 quilômetros separam a pequena Breves, no Marajó, de Doha, no Catar. De um lado, a economia baseada no extrativismo e agricultura contrasta com a riqueza do petróleo e gás natural. Apesar da distância em todos os sentidos, elas se unem graças a um elo que a cada quatro anos renasce cada vez mais forte e atende pelo singelo nome de "futebol".
Assista aos depoimentos dos torcedores:
A paixão que movimenta a bola é imensurável e muitas vezes não encontra parâmetros racionais que a expliquem. Essa é a maior prova de que a Copa do Mundo extrapola os limites da razão. A família Cardoso que o diga. Depois de uma viagem com mais de 24 horas e inúmeras escalas, o empresário Esdras Cardoso e os filhos Esdras e Marcos viajaram de Breves ao Catar, para torcer pelo Brasil, que este ano corre atrás da sexta estrela mundial.
Apesar de todo luxo e imponência que o Catar oferece, não foi tão fácil assim chegar ao fechado país árabe, que tem em suas fronteiras um imenso deserto e o Golfo Pérsico, uma região tão fechada quanto histórica, que abrigou em seus limites mais ao norte as primeiras civilizações conhecidas na terra, dispostas na antiga Mesopotâmia.
Voltando ao século XXI, a viagem desgastante foi rapidamente superada pela beleza cultural apresentada diante dos olhos. "É uma experiência única, renovadora, inspiradora, onde o ser humano se comove e se alegra com inúmeras culturas juntas, trocando experiências, ideias, sorrisos e se divertindo. A Copa tem sido uma maravilha. Tudo muito bem organizado e estruturado, proporcionando uma experiência única. O país é um espetáculo. Sua cultura, suas riquezas, tudo em geral está de parabéns", avalia Esdras Junior, de 32 anos.
E não para por ai. A Copa mais cara da história impressiona a todo instante e a cada metro quadrado justifica os mais de 220 bilhões de dólares usados na construção de estádios e demais estruturas usadas em torno das 32 seleções. "A estrutura é muito impressionante, te causa um impacto surreal. Porém, fiquei muito me perguntando o que será feito de toda essa estrutura quando a competição terminar. Essa mega estrutura ficou marcada e até ar-condicionado os estádios tinham", ressalta.
A beleza diante dos olhos, no entanto, não esconde as diferenças culturais existentes entre os países, que muitas vezes confundem quem tenta entender. Esdras e a família passaram por alguns 'perrengues' durante a estada no Catar, e nem por isso deixaram de colocar em prática a velha simpatia brasileira.
"Fizemos uma amizade com um segurança do navio em que estávamos hospedados. Ele nos ajudou muito com uma situação de um ferro de passar roupas [risos], que não podia entrar no navio. O Tayson [segurança] fez de tudo pra nos ajudar e conseguimos usar o ferro na recepção mesmo, mas não saímos com a roupa amassada. Foi um gesto muito bacana com a gente. Ele simpatizou com a gente por sermos brasileiros", lembra. Como forma de gratidão, o segurança foi presenteado com uma camisa do Brasil.
Apesar disso, nem toda simpatia do mundo pode superar as regras impostas pela Família Real do país, comandada com mãos de ferro pelo emir Tamim bin Hamad. Aos 42 anos, é ele quem dá as cartas no país, depois de assumir o trono do pai, que depôs o avô em um golpe de estado sem derramamento de sangue, dando início à modernização baseada no dinheiro do petróleo.
Nem toda pujança econômica faz com que o povo se sinta livre e em todos os cantos, mesmo aqueles de maior movimento, como o mercado de Souq Waqif, onde os irmãos Cardoso foram fotografados pela reportagem de O Liberal, é possível ver a representação cultural, principalmente entre as mulheres, que são obrigadas a cobrir o corpo com o uso da abaya, aquele vestido longo, ou o hijab, lenço árabe para cobrir a cabeça.
"O que mais me impressionou foi ver os cidadãos daqui lavando os pés, braços e rostos dentro dos banheiros para entrar nas mesquitas e fazerem suas orações. Eu fiquei surpreso, pois não sabia dessa parte, mas depois me acostumei a ver", observa Esdras, que admite ter estudado a melhor forma de se comportar em público e, por conta disso, não se sentiu afetado com as normas do país.
"Já viemos sabendo dessas 'regras' e respeitamos elas, pois é a cultura e crença desse povo. Mas não vi nada tão rigoroso. Existe sim as restrições como da bebida alcoólica, mas em alguns lugares específicos podiam usufruir do consumo, e demonstração de carinho não presenciei muito, vi poucas vezes. Achei o país flexível enquanto essas 'restrições'.
Embora seja um país mais fechado, nada impede que os cataris admirem outras culturas. A brasileira é uma das mais festejadas, segundo conta o empresário, que torce para o Paysandu e foi reconhecido nas ruas de Doha, ora com o manto verde amarelo, ora com a camisa azul celeste. "Existem muitos estrangeiros que torcem pelo Brasil. Geralmente os que não estão na Copa escolhem a nossa. Fizemos amizade com muitas pessoas: os mexicanos são os mais simpáticos e divertidos, mas uns dois argentinos nunca esqueceram da vitória do Paysandu em cima do Boca, em Lá Bombonera", ressalta.
Há oito dias do fim da Copa do Mundo, a família Cardoso traz além de presentes na bagagem uma experiência única e enriquecedora, que aproxima os homens e diminui as diferenças, mostrando que uma simples grito de gol quebra qualquer distância, por mais absurda que possa parecer.
"A diferença é que a Copa une as nações, os povos, as culturas. Não é só futebol e nunca vai ser. Claro que tem a competição e todos querem vencer, mas só um leva a taça para casa e fora de campo todos já são vitoriosos por prestigiar tamanha experiência. Isso nenhuma outra competição proporciona. E olha que já acompanhei algumas como Champions League e Libertadores, mas essa aqui foi nota 10".
Seja no Rebelão ou no Lusail, já dizia Nelson Rodrigues, “O futebol é um jogo mágico, não lógico”.
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