Canoagem une e empodera mulheres na Baía do Guajará
O grupo feminino do Caruanas, escola do esporte náutico de Belém, rema ao menos três vezes por semana
Ao nascer do sol, um grupo de mulheres busca evolução pessoal e esportiva nas águas da Baía do Guajará. Saindo do Ver-O-Rio, ponto turístico de Belém, elas se reúnem para remar juntas pelo menos três vezes na semana. O grupo é do coletivo Caruanas, escola de canoagem da capital paraense.
É neste rio que mães, esposas, cada uma com suas respectivas ocupações, sentem-se cada vez mais livres remando para onde querem e no ritmo que querem. E antes, o que era apenas uma união pelo esporte, tornou-se rede de apoio e acolhimento. É o que conta a atleta, instrutora e uma das fundadoras do Caruanas, Larissa Noguchi.
“A gente se ajuda em tudo que podemos, incluindo no suporte psicológico e rede de apoio, uma dando a mão pra outra nas inseguranças que surgem. Também compartilhamos nossas vitórias. As minhas, mais recentes, dedico à elas. Elas podem não ter consciência disso, mas eu estou na água todos os dias por elas, para que todas possam realizar os sonhos como eu venho realizando nos últimos tempos”, diz Larissa, que ano passado conquistou quatro medalhas em competições nacionais de canoagem.
Apesar da escola de canoagem ter turmas mistas de aulas coletivas, as remadoras começaram a se exercitar juntas em outros horários após serem incentivadas a melhorar o desempenho no remo, com remadas individuais. Larissa começou sozinha e logo surgiram mais mulheres fazendo companhia na Baía.
“O que se formou foi um grupo, dentro do clube Caruanas, que busca treinar com mais mulheres para incentivar mais, para buscar melhor desempenho juntas e com dicas umas das outras, afinal, as campeãs do nosso clube são todas mulheres. Sônia Bentes, Lorena Jacob, eu; somos nós que estamos nas competições nacionais representando o Pará, nosso clube, então, as meninas se unem pra gente aprender juntas e evoluirmos juntas também”, explica Larissa.
A atleta conta ainda que, apesar da canoagem ser uma atividade em grupo, quem deseja melhorar a performance no remo precisa enfrentar as águas sozinho. “Os ganhos do atleta, físico e de preparo, vêm das remadas individuais. Por isso, para quem quer ter um bom desempenho, seja coletivo ou individual, é preciso treinar sozinho. As remadas coletivas são para ajustes técnicos e de sincronia da equipe, a avaliação de desempenho que proporciona é o treino individual”, informa a profissional.
Remo como empoderamento feminino
Na canoagem individual, além da evolução de preparo físico, a prática confere outros benefícios às mulheres que remam sozinhas. Larissa destaca a força e independência na hora de superar obstáculos.
“Remar sozinha é evolução sempre! O desafio começa na areia, quando vamos carregar a canoa, aprender as técnicas de segurança, saber e remar com consciência e com independência é o que eu busco e quero passar isso para as minhas remadoras. Foi assim que eu aprendi e evolui. No preparo da minha última prova, que foi em Salvador, com uma travessia de 62km, tive que treinar sozinha aqui em Belém na canoa individual. Cheguei a passar 5h30 remando sozinha fazendo as travessias nas ilhas, com segurança e equipamento necessário. Só que para chegar nesse nível, de remar por quase 6h sozinha, é preciso entender de maré, segurança náutica, equipamento, alimentação, GPS. Não é só colocar a canoa na água, existe uma série de fatores muito importantes para o treinamento e eu quero preparar as minhas amigas remadoras para isso. Por isso, estamos mais unidas treinando e aprendendo”, descreve Larissa.
A psicóloga Lorena Jacob começou a praticar esportes náuticos em 2000, quando, segundo ela, homens predominavam nas águas. “Quando eu iniciei, o esporte era muito fechado para o sexo masculino. Eu era uma das poucas mulheres a ingressar nesse meio e sempre foi um desejo estimular mais mulheres a conhecerem os esportes náuticos. Então, digo que, no início, a canoagem era um esporte masculino, mas com o passar do tempo, o número de mulheres nas modalidades cresceu muito”, relata.
“Remar sozinha com mulheres para mim é um sinal de independência e empoderamento. Mas um empoderamento sem bandeiramento, no sentido de você como um ser individual, como mulher fazer tudo que você quer. Então o esporte náutico para mim tem sentido, pela possibilidade de podermos fazer o que nós estamos com vontade”, diz Lorena.
A servidora pública Necilene Ferreira pratica esportes náuticos desde 2016, mas se jogou na canoa havaiana em 2020, ao conhecer o clube com majoritária presença feminina. Para ela, remar com outras mulheres é empoderador. “Me faz sentir que podemos tudo! Sou de uma geração que foi ensinada que somos frágeis fisicamente e em outros setores, inclusive do conhecimento necessário para estar em determinadas situações, mas quando a gente se depara com mulheres com feitos incríveis no esporte, dá um orgulho, uma sensação de grandeza, de que somos capazes, e somos mesmo, de chegar em qualquer lugar onde a nossa vontade nos levar”, declara a aluna do Caruanas.
“É uma constante troca de experiências, de companheirismo, de romper barreiras e limitações que internalizamos. Sem dúvida ganhamos mais independência e segurança. É bem engraçado quando estamos perto de homens e eles acham que não temos força para carregar a canoa e querem ajudar, o que não vejo problema nenhum em receber ajuda, mas a ideia inicial já é da fragilidade feminina, e eles se assustam quando veem que temos uma força que não imaginam”, continua Necilene.
Parceria e amizade
“Nunca foi só remar”, afirma Noguchi, sobre o que mantém ela e as demais mulheres na canoagem. Segundo ela, a relação entre elas não se limita às remadas e a amizade vai além das águas da Baía do Guajará.
“Firmamos um grupo de amigas em tudo, todas temos nossas rotinas e dificuldades, somos mães, profissionais, buscamos nossos sonhos e temos nossos medos. O que o esporte traz para gente é essa união, de uma dar a mão para a outra quando tudo aperta. Parece fácil, mas a gente se levanta 4h30 para estar na água, depois vamos para o 'corre' das crianças na escola, depois o dia de trabalho, depois estudo. Não é mole!”, detalha Larissa.
Necilene lembra da famosa ideia de que mulheres estão sempre competindo umas com as outras. Para a servidora pública, o relacionamento que o grupo tem dentro e fora da canoa prova que esta é uma ideia falha. “Estamos desmistificando a equivocada ideia de que mulheres querem competir entre si, pois o que tenho vivido é compartilhamento dentro e fora das águas, vamos criando uma rede de apoio entre nós, que vai se ampliando para além do esporte”, conta.
“Só vejo benefícios em treinar com mulheres, já que vamos criando uma rede de apoio para além das águas. Quando estamos em grupo, exercitamos várias coisas, entre elas paciência, resiliência, solidariedade, companheirismo, espírito de equipe. Deixamos de lado o individualismo para pensar no grupo. A canoa é um excelente exemplo de como podemos chegar longe se estamos em sintonia com a outra. Cada banco tem a sua função e, para que a canoa ande bem, devemos deixar o ego fora dela, nos unir e remar certinho, na mesma batida, sincronizadas, aí a remada encaixa e a magia acontece, nos fundimos em uma só, juntinhas com a canoa. Essa mesma sincronia acaba se refletindo na nossa vida”, declara Necilene.
A atleta Lorena concorda que não há disputa entre o grupo e, sim, muita cumplicidade. “Quando a gente rema com outras mulheres, você precisa confiar no grupo e transmitir segurança. Sinto que esse grupo de mulheres está vindo a partir disso, da necessidade de estar admirando uma a outra, de fazer o que a outra faz, deixa de ser uma competição e passa na verdade a ser uma admiração, um companheirismo”, finaliza.
Serviço: o clube Caruanas oferece aulas nas terças, quintas e sábado às 5h50; e nas quartas e sextas às 5h50 e 7h20. Nos finais de semana, os passeios são em horários diferenciados. A saída é do Ver-o-Rio.
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