Pará: empreendedores negros vencem dificuldades com criatividade e competência
Segundo eles, faltam, em nível local, inciativas de fomento ao empreendedorismo negro
Ser empreendedor - e pequeno - no Brasil não é fácil. Embora esse seja um dos segmentos mais importantes para a economia do País - estima-se que, no Pará, os micro e pequenos negócios sejam responsáveis por 60% dos empregos formais -, ainda são muitas as queixas de quem decide seguir por esse caminho. Elas vão desde a pouca oferta de crédito até a falta de capacitação e acompanhamento. Agora, imagine tudo isso para quem é negro, em um País com uma passado escravocrata de mais de 300 anos anos de história e que ainda caminha a passos lentos para combater o grave problema estrutural que é o racismo.
Para a historiadora e professora Alik Araújo, doutoranda em antropologia e mestra em história social da amazônia, nos últimos 20 anos, principalmente a partir da implementação da Lei 10.639/2003, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira em todo o calendário escolar, houve alguns avanços, mas eles não foram suficientes para suplantar o racismo estrutural no nosso País. “Parafraseando Sílvio Almeida, o racismo estrutural são as desigualdades produzidas pelo próprio Estado, pela própria máquina estatal, que não consegue criar elementos que incorporem, de forma equivalente, a equidade e a equivalência para brancos, pretos e indígenas. Isso fica muito visível quando analisamos dados estatísticos da violência urbana, dos níveis de escolaridade, da população carcerária. Então, a desigualdade está sim pautada dentro de uma categoria racial e o Estado é responsável”, acredita.
Para a jornalista Joyce Cursino, 26 anos, fundadora e CEO da produtora cultural Negritar Filmes, os empreendedores negros, em sua maioria, ainda estão atuando no patamar da sobrevivência e não conseguem ter no empreendedorismo um projeto de vida, um meio de ascenção social, devido a todos os obstáculos que a sociedade impõe.
“Muitos de nós ainda somos os primeiros da família a entrar em uma universidade, por exemplo, ou seja, isso não é algo que vem de berço, como, muitas vezes, os empreendedores brancos e brancas já têm. A gente precisa que a nossa força criativa receba a mesma atenção. É claro que desde que eu comecei a empreender no cinema, em 2015 e 2016, muita coisa já mudou, vemos as pessoas pretas ganhando as telas, o comércio também, mas ainda acredito que se precisa fazer um longo trabalho para que isto não se transforme apenas em tendência de mercado, que venha pra ficar”, avalia ela, que diz desconhecer editais de fomento ao empreendedorismo negro em nível local.
Recentemente, Joyce foi uma das contempladas pelo edital “Entra na Roda”, iniciativa liderada pela cantora Iza, que visa fortalecer, fomentar e premiar negócios liderados por pessoas negras e com atuação nos segmentos de alimentação, entretenimento, beleza e moda.
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“Ser um empreendedor negro ainda é muito desafiador a nível nacional, especialmente no campo do cinema, como é o meu caso, pois não vemos as nossas histórias contadas da forma como deveriam ser, não nos vemos representada nas telas e o que vemos hoje sem dúvida é fruto de muito trabalho do movimento negro e de organizações autônomas. Não temos fomento aqui no Estado, por exemplo, não temos políticas públicas diretas para ajudar nesse processo de reparação”, ressalta.
A mesma visão tem a empreendedora Maynara Sant’Ana, de 30 anos, que hoje toca, ao lado da família, um negócio no ramo da cerâmica. Com uma loja localizada no distrito de Icoaraci, ela diz que não consegue se ver fazendo outra coisa que não seja empreender, apesar das dificuldades de ser uma mulher negra e empreendedora.
“Dentro de sociedade estruturada no racismo, na qual ainda faltam políticas públicas para sanar desigualdades, pessoas negras ainda não estão ocupando os espaços de poder, inclusive de autoestima, de mentalidade para ser um empreendedor bem-sucedido. Eu mesma precisei compreender esse processo histórico e ser minimamente letrada racialmente para conseguir entender melhor o lugar que eu poderia ocupar. Fundamentalmente, acredito que precisamos trabalhar a nossa mentalidade, entender o que se pode fazer com aquilo que se tem, além é claro, de várias outras medidas, como a oferta de editais mais acessíveis, cursos de capacitação, possibilidade de empréstimo consignado, entre outras iniciativas, pois uma solução só não vai acabar com o problema”, afirma.
Cafeteria busca difundir a cultura africana por meio do universo do café
Para quem é negro e oriundo de outro País, empreender pode ser ainda mais difícil. Os estudantes universitários Forziath Tinguis, de 25 anos, e Carlos Zantangni, de 21, ambos nascidos no Benim, vieram para Belém por meio de um projeto de intercâmbio entre o governo brasileiro e alguns países africanos, que trazem jovens de lá para fazer cursos superiores no Brasil. Carlos cursa Farmácia em uma universidade privada e Forziath, Administração, na Universidade Federal do Pará (UFPA).
Amigos, os dois decidiram, há um tempo atrás, participar de um curso de barismo, ofertado especialmente para pessoas estrangeiras. Ambos se apaixonaram pelo universo do café e decidiram que iriam abrir uma cafeteria na capital paraense. Determinados, começaram a guardar dinheiro para colocar o projeto em prática. Elaboraram um projeto e não tiveram nenhum apoio em termos de financiamento ou mesmo de orientação. Contrataram, então, uma consultora que os ajudou a tirar a ideia do papel.
“Eu não sabia que o mundo do café era tão grande e tão complexo. Foi nesse curso que abri os meus olhos e me encantei. Consegui emprego depois em uma cafeteria e a cada dia que passava, me apaixonava ainda mais. Conversei com minha sócia e amiga e decidimos que iríamos abrir esse negócio. Fizemos o projeto, guardamos dinheiro e um ano depois conseguimos concretizar o negócio”, contou Carlos.
Para Forziath, a cafeteria também é uma forma de agradecer ao Brasil e, de modo especial, ao Pará, pelo acolhimento que eles tiveram aqui e, também, de difundir a cultura africana para as pessoas. “Tivemos algumas dificuldades, por exemplo, de encontrar um lugar que a gente achasse que poderia comportar uma cafeteria com conceito africano. Depois que achamos, escolhemos tudo pessoalmente, os tecidos que fazem a nossa decoração, por exemplo, são tecidos africanos, que vêm de diferentes países. Então, quem vier aqui, vai sentir um pouco do que é a África”, completou Forziath, acrescentando que, hoje, o negócio já está gerando três empregos diretos.
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