Mercado de crochê cresce no Pará mesmo com fios mais caros
Confecção dos produtos gera renda para famílias e carrega histórias de solidariedade
Com o recente sucesso do biquíni de crochê da ex-BBB e influencer Jade Picon nas redes sociais, a busca específica por essas peças tem gerado uma demanda positiva para lojistas e artesãos paraenses que trabalham com essa técnica de tricotado. A procura pelos itens de confecção das peças teve um aumento de quase 50%, após a popularização da tendência entre celebridades como a cantora Anitta e as atrizes Paolla Oliveira e Bruna Marquezine, segundo a lojista Josiany Brandão, de 46 anos.
Apesar de estar, atualmente, de volta à moda, a confecção do crochê enfrentou grandes dificuldades nos últimos dois anos devido à escassez de material, em especial dos fios, durante a pandemia. Dona de uma loja de utensílios de costura em Belém, Josiany, relata que os principais materiais vendidos no estabelecimento tiveram um aumento de quase 60%, saltando de uma média de R$ 14 para R$ 23.
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Com a falta da principal matéria-prima, a lojista, que também é professora, conta que precisou utilizar recursos externos para manter o funcionamento da loja. “Nesse período, não tivemos lucros. Mesmo existindo potenciais compradores, não tinha fio. Embora o item ainda esteja muito caro, sentimos um alívio, porque agora a mercadoria não está mais em falta. Apesar dos constantes aumentos, elas (crocheteiras) continuam comprando, mesmo que isso signifique diminuir os lucros”, pontua.
As crocheteiras afirmam que a técnica pode ser utilizada na confecção de peças de roupas, acessórios e até para proteção de utensílios domésticos, conforme a criatividade permitir. Além disso, a arte de crochetar também é uma alternativa rentável para quem busca dinheiro extra.
Para a artesã Ana Cesarina Maia, de 56 anos, a produção de peças de crochê foi fundamental para garantir o sustento dos filhos muitos anos atrás. Empreendedora há 38 anos, Ana confessa que a paixão pelas agulhas e linhas permanece viva até hoje e possibilita a ela manter a independência financeira que sempre trabalhou para ter. “Meus filhos precisavam de mim quando eram pequenos. Mas, hoje, como todos estão adultos, estou amando ser livre para fazer o que eu quiser.”
Com um investimento médio de R$ 300, Ana diz que os conjuntos infantis, que demoram cerca de cinco dias para serem confeccionados, e os jogos de banheiro também recebem grandes encomendas.
Para tentar driblar os constantes aumentos e manter as vendas, ela afirma que costuma reaproveitar alguns materiais, como as sobras de linhas coloridas, que são utilizadas para fazer bolsas ou forro.
Dependência de materiais importados impactou na produção de fios
Representante comercial em Belém de uma fábrica de fios e fibras, Denise Cruz, de 39 anos, diz que no início da pandemia as vendas cresceram significativamente, chegando a triplicar o número de pedidos em todo o Estado.
No entanto, a alta demanda e a dificuldade de produção dos materiais resultaram na escassez do mercado, que teve como consequência a paralisação das atividades industriais durante quatro meses.
“Junto com a falta do produto vieram também o aumento nos preços e a dificuldade de encontrar cores mais fortes, além da demora nas entregas. A fabricação depende, de forma direta e indireta, de produtos importados da China. Houve um momento que faltou até o plástico das embalagens primárias e papelão para as caixas. Foi um caos”, lamenta Denise.
Uma trama de histórias tecida pela solidariedade
No contexto histórico, a origem da técnica do crochê ainda é incerta. Alguns historiadores afirmam que surgiu na Arábia, outros na China ou até mesmo na América do Sul. No entanto, a venda de peças de crochê foi fundamental, por exemplo, para o sustento de famílias irlandesas que passavam fome durante a guerra contra a Inglaterra, em especial no período da “peste das batatas” que assolou as lavouras da região, na época de 1845.
Mais do que um processo de criação de tecidos e uma fonte de renda, a crochetagem está presente na vida das costureiras como uma trama de afetos, que carrega histórias e vivências que são compartilhadas por meio da confecção de cada produto.
Tanto Ana Maia, quanto Josiany Brandão contam que aprenderam a crochetar quando ainda eram muito novas, e ressaltam a vontade de ajudar outras pessoas por meio dessa técnica.
“Aprendi quando era criança, com a minha mãe. Mas, quando comecei a gostar de tecer, já não tinha dinheiro para comprar os fios. Nos eventos da escola em que eu trabalho, sempre busquei temas para associar ao crochê, inclusive brincava com as minhas amigas dizendo que um dia teria uma loja e ensinaria quem quisesse aprender a fazer as peças”, diz Josiany.
Já Ana relata ter aprendido observando uma vizinha, pois não tinha condições de pagar um curso de costura. “As filhas da minha vizinha me chamavam para conversar, mas a minha atenção era para a mãe delas. Pedi uma agulha e linha para a minha mãe e comecei a enrolar as linhas nos dedos, mesmo sem saber. Ficava horas praticando. Ainda que ela me explicasse como deveria ser feito, eu ficava irritada com os meus resultados, mas nunca desisti”, recorda.
Trabalho que tranforma a vida
A artesã relembra ainda quando a mãe comprava, semanalmente, revistas com modelos de roupas nas bancas de jornais. Para ela, era sempre um novo desafio transformar outros modelos em crochê. “Eu usava as minhas blusas para divulgar o meu trabalho.”
As duas empreendedoras ressaltam que usam as peças para ajudar a “transformar a vida das pessoas”. Atualmente, Josiany oferece um curso gratuito para os clientes da loja, chamado de “Clube do Crochê Joely”, que conta com cerca de 30 alunas. “Mães, tias, sobrinhas e famílias que não sabiam nada de crochê começaram a fazer uma renda extra. Elas quem escolhem as peças, mas também ajudamos quando elas recebem encomendas e não conseguem terminar. Somos uma família”, se alegra a lojista.
Para ajudar mulheres grávidas em situação de vulnerabilidade social e econômica, Ana desenvolve o projeto chamado “Gravidíssimas”, que há cinco anos ajuda as moradoras da ilha de Mosqueiro a produzir o próprio enxoval.
“Ensino as minhas gravidinhas a fazer o próprio enxoval. Elas tentam, e no fim, sai perfeito. Também ajudo com doações que recebo de amigos e parentes, além de destinar uma parte das minhas vendas em favor das doações”, diz Ana.
Curiosidades sobre o crochê
1. A origem do termo cochê surgiu na França e significa “gancho”, em referência ao formato da agulha
2. As primeiras agulhas eram feitas de pequenos gravetos de árvores; posteriormente foram feitas a partir de chifres de animais, madeiras, ossos, pratas e até marfim
3. A atividade auxilia na concentração e raciocínio e também pode prevenir doenças como Alzheimer e Parkinson
4. A maior colcha de crochê tem mais 11.000 m² e foi feita na Índia com a ajuda de mais de 1000 pessoas
5. Durante o regime militar no Brasil, o jornalista e escritor Fernando Gabeira usou uma tanga de crochê na praia como provocação e protesto contra o conservadorismo da época
*Emilly Melo, estagiária, sob supervisão de Hamilton Braga, coordenador do Núcleo de Política
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