Criatividade e identidade regional impulsionam geração de riquezas no setor de joias
Espaço São José Liberto comemora 20 anos como referência da economia criativa no Pará
O prédio histórico no bairro do Jurunas guarda memórias de quase três séculos. Em 273 anos, a ordem religiosa dos capuchinhos, militares, médicos, pacientes e milhares de presos passaram pelo local hoje conhecido como Espaço São José Liberto (ESJL) ou Polo Joalheiro, que completou neste mês 20 anos de atuação fomentando o segmento das gemas e joias e da economia criativa do Estado do Pará.
A criação do ESJL tem relação com a trajetória de uma das principais atividades econômicas locais: a mineração. No Espaço é possível encontrar, por exemplo, o Museu de Gemas que expõe alguns dos artigos minerais extraídos no estado, como ametistas, quartzos e turmalinas. Entre elas estão duas peças de quartzo hialino, uma com 2,5 toneladas e outra com 3,8 toneladas que são representativas da história geológica e das riquezas e belezas encontradas somente sob a terra.
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No entanto, mostrar a beleza em estado bruto é apenas uma das ações realizadas no Polo Joalheiro, já que um dos objetivos é possibilitar o desenvolvimento da cadeia produtiva, incentivando a capacitação, a criatividade e a verticalização das matérias-primas minerais. O resultado é registrado em números. De acordo com a administração do espaço, que é gerenciado pelo Instituto de Gemas e Joias da Amazônia (Igama), no primeiro ano de funcionamento, o Polo Joalheiro movimentou cerca de R$ 300 mil. Atualmente, o programa é responsável pela geração de R$ 4,5 milhões por ano, sendo R$ 3,9 milhões em joias, R$ 400 mil em artesanato e R$ 120 mil em moda autoral.
“O maior tempo de ocupação até agora que foi o presidio. A partir da década de 80 e 90 começou a se repensar e ele se transformou no conceito que ele é hoje que é o espaço da liberdade, da criatividade, da cultura, da geração da economia criativa”, afirma Rosa Neves, diretora executiva do Igama, que indica a repercussão do projeto para outros negócios que não se limitam a produção de joias.
“Nesses 20 anos, ele foi ampliando a partir do acolhimento imediato de um setor que foi o setor criativo do artesanato com o funcionamento da casa do artesão. De 2014 pra cá, ele abrigou um outro setor produtivo que é a moda autoral do Estado do Pará. Então o que era pra ser um espaço somente para apoiar uma cadeia produtiva ou duas, se tornou hoje uma referência de economia criativa para a região Norte”, pontua Rosa Neves, que frisa: “Quando a gente fala em vitrine, pensa em algo estático. Aqui não. É dinâmico. É um espaço que realmente gera oportunidades de negócios e se faz negócios aqui diariamente”.
Além de recursos financeiros, o Espaço São José Liberto é parte integrante da vida e do trabalho de 1004 empreendedores que são testemunhas do processo de crescimento de uma nova dinâmica na economia paraense. Um deles é o ourives Marcelo Monteiro, que atua no ramo há 43 anos e fez parte do programa de desenvolvimento desde o início, antes mesmo da fundação do Polo Joalheiro em sua atual estrutura. Para ele, a iniciativa é importante por ter realizado investimento na cultura dos profissionais.
“O melhor ganho foi o fato da gente se reconhecer competente e capaz de gerir o próprio negócio. Nós éramos ourives e nos transformamos em empreendedores, sem deixar de ser ourives, porém com um crescimento mais organizado, um crescimento mais responsável. A cada ano que passa a gente vai melhorando um pouco, em função da competência técnica, mas também da gestão que é determinante para o sucesso. Essa ideia de gestão foi plantada na nossa mente nos primeiros anos, entre 1999 e 2002, com cursos que a gente fez nessa área com apoio do Sebrae”, avalia Monteiro.
Para o ourives, isso possibilitou o programa ser vitorioso e servir de inspiração para iniciativas semelhantes em outros estados. “A gente tem o respeito pelo cliente, o respeito da sociedade e o programa trouxe isso. Quando eu entrei no programa, nós fazíamos copias das joias de São Paulo. Hoje, a joia do Pará tem uma identidade. Temos uma identidade em cima das temáticas regionais, da fauna, da flora, de toda a riqueza religiosa que a gente tem em torno do Círio de Nazaré. Isso é um diferencial importante para o momento que a gente vive hoje”, avalia Marcelo Monteiro.
Outro impacto da criação da Polo Joalheiro foi a abertura de oportunidades para que novos profissionais pudessem explorar sua criatividade, bem como dar um caráter regional para um setor tão tradicional. Helena Mergulhão, por exemplo, já era vendedora de joias até que há 15 anos passou a criar suas próprias peças e ingressou como primeira mulher ourives no ESJL. Hoje, Helena se apresenta como designer de joias e empresária, mas também não abre de mão de atender os próprios clientes na loja que mantém no local e foi com esse contato que percebeu a necessidade de intensificar a produção de itens com aspectos típicos da Amazônia, em especial a flora.
“O meu maior orgulho é participar do Programa de Gemas e Joias do Estado do Pará fazendo o que realmente o projeto diz que é pra fazer: uma joia com característica amazônica, com a cara do Pará. Minha loja faz de 70% a 80% disso”, destaca a designer, que tem como um de seus recursos diferenciais o uso da técnica de esmaltação translucida, que permite aplicar nas joias as cores de um grão de farinha de tapioca, de um pedaço da corda do Círio ou do tecido de uma saia de carimbó.
“Não me imagino fora daqui. Eu não me vejo num shopping, por exemplo, porque as minhas peças são artesanais, o que tem de industrial são acabamentos, mas a joia em si, o projeto, o design, a produção toda é feita por nós. Eu tenho uma unidade produtiva, o ourives é formado pelo Polo Joalheiro, que é o meu irmão Emerson Bezerra. Somos dois que lutamos pelo projeto pra manter esse projeto vivo com a cara do Pará”, ressalta Helena.
Da mesma forma, há cinco anos a aposentada e designer de biojoias Rosa Pinheiro viu no ingresso no ESJL uma forma de ampliar a visibilidade e a comercialização de suas peças. “Esse Espaço nos possibilita qualificação ao trazer profissionais de todos os segmentos e regiões do país para oficinas, cursos, palestras, etc., qualificação esta que nos abre novos horizontes, nos dá um olhar bem mais amplo, aguça nossa criatividade, nos incentiva a adequarmos nossos produtos assim como a nossa comunicação às exigências dos consumidores nacionais e internacionais. Nos traz noções de organização, planejamento, produtividade e o resultado de tudo isso é o crescimento de nossas vendas e da nossa marca”, diz ela que utiliza sementes de açaí, pedras naturais e até chifre de búfalo e osso bovino em algumas de suas criações.
Soma-se a isso, a articulação do ESJL com as políticas públicas em áreas como a educação, a cultura e o turismo, como ocorre quando estudantes da Universidade do Estado do Pará (UEPA) participam da elaboração de peças para a exposição Joias de Nazaré, que ocorre anualmente no período do Círio; ou ainda quando oportuniza que 13 associações indígenas exponham o artesanato típico de suas etnias para o público de visitantes locais e turistas. “Imagine se esse espaço não existisse, o quanto a gente não teria perdido de oportunidade para esses empreendedores. É uma gama de resultados muito importante para o desenvolvimento econômico local”, afirma Rosa Neves.
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