Com sustentabilidade, brechós e bazares de moda movimentam economia paraense
É possível encontrar peças com boa qualidade nos espaços, com até 80% de desconto em relação às grandes marcas
Em meio à necessidade de adequar os padrões de mercado a práticas ecológicas e sociais mais conscientes, o nicho de moda sustentável tem crescido no Pará, voltado, principalmente, para um consumo mais consciente de roupas.
Reutilização e minimalismo são alguns dos conceitos que fazem parte desse mercado, e os bazares e brechós têm se popularizado justamente por pregarem essa ideia: comprar de segunda mão pode ser a saída para movimentar a economia local, reduzir desperdícios e ainda economizar.
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Desde 2013, a advogada Ana Gibson, de 36 anos, é dona de um bazar. Tudo começou com a venda de peças próprias, mas, em 2015, durante uma viagem à Alemanha, ela decidiu profissionalizar o que era apenas um hobby.
“Percebi que, em cada canto da cidade, as pessoas respiravam sustentabilidade e roupas ‘second hands’ (de segunda mão). O estiloso era não desperdiçar e reaproveitar peças de maneira única. De volta a Belém, decidi me profissionalizar criando meu brechó virtual no Instagram, o @KBD_tudobrecho (lê-se, cabide tudo brechó)”, conta.
Na opinião de Ana, vive-se hoje uma época de mais consciência com os corpos, a função social e o planeta e, principalmente após a pandemia, em que muitas pessoas se viram acumuladoras, houve um grande movimento de abrir os armários e se desfazer de peças que não faziam mais sentido.
“Atualmente, estamos passando por um período de recessão, em que é necessário comprar menos peças, priorizando a qualidade e sua durabilidade”, opina. É isso que o brechó consegue aliar, segundo ela: consumo sustentável e consciente em só lugar, por meio de curadoria de peças e com a possibilidade de encontrar roupas únicas com até 80% de desconto em relação ao preço de uma grande loja.
A inspiração para o início do trabalho também veio da avó de Ana, Maria Elisia, que, nas horas vagas, fazia o chamado “upcycling”, ou reutilização de peças, transformando calças e vestidos, bordando e desenhando em cima deles. A matriarca também ensinou à neta sobre o carinho com os tecidos, cuidado com a lavagem e a ter um olhar apurado para a durabilidade e o valor das roupas. Não à toa, desde criança, Ana segue os passos de Maria.
“Sempre comprei em brechós e bazares justamente por causa das memórias afetivas com as peças. Meu lema no brechó é ‘Vista roupas com histórias para contar’. Aquilo que não serve ou faz mais sentido para você pode fazer em outro corpo e estilo de pessoa, e ela vai dar continuidade a uma nova história com essa peça, que poderia virar descarte em aterros”, enfatiza.
O segredo, na opinião de Ana, é se atentar ao tecido - ela indica o linho, que tem alta durabilidade - e montar um armário “cápsula”, com peças atemporais.
Outro impacto da moda sustentável é no meio ambiente. A advogada e fundadora do KBD lembra que a indústria da moda é uma das mais poluentes do planeta, depois das indústrias petrolíferas, e, por trás da produção desenfreada de grandes empresas para atender ao desejo de compra do consumidor, pode haver um impacto “irreversível” no meio ambiente e na vida humana como um todo.
“A ‘slow fashion’, moda lenta em tradução literal, surge como aliada e valoriza a cadeia de produção, respeitando o meio ambiente e a cultura local. Estamos no Norte, na Amazônia, e nada mais relevante do que adotarmos essa bandeira da sustentabilidade em nosso dia a dia”.
Para Ana, adquirir produtos da moda sustentável é um “ato revolucionário”. O sistema atual de consumo, diz ela, se resume em compra, uso e descarte, e, adquirindo a peça de forma cíclica, ela volta para outra pessoa de uma maneira mais econômica e evitando desperdícios.
No KBD, os preços variam de acordo com a curadoria, mas a média de gastos de cada cliente é de cerca de R$ 65 – mas as consumidoras que priorizam certas marcas gastam mais.
E na economia local, a moda sustentável ainda é responsável por gerar oportunidades a mulheres empreendedoras que vivem no Pará e dependem exclusivamente dessa renda. Ou seja, ainda há a vantagem de fazer o dinheiro circular localmente, beneficiando a população local, em vez de grandes empresas com sedes em outros países.
“Somos capazes de gerar uma fonte de renda para muitas empreendedoras e suas famílias. São mulheres que comandam suas casas e dependem 100% da renda de sua microempresa para o sustento de sua família, além de ser um consumo democrático, pois fomenta o mercado local, oportunizando a pessoas de classe A a C a compra de um item”, argumenta.
Desapego
Quem também contribui para um consumo mais consciente em Belém é Morgana Gomes da Silva, de 29 anos. Ela é proprietária do @bazardamorg, no Instagram, que surgiu com a intenção de desapegar de itens seus e acabou crescendo nas redes sociais.
“Comecei só com as minhas peças, eu postava já no formato de bazar, mas eu quis fazer uns posts bonitinhos e acabou ganhando seguidores. Com isso, algumas amigas aproveitaram que tinha bastante público e pediram para que eu vendesse umas peças delas. Então surgiu a ideia da venda consignada. Tem dois anos, comecei em maio ou junho de 2021”, lembra.
Morgana é formada em moda e o seu consumo de forma mais sustentável começou ainda durante a faculdade, quando passou a pesquisar sobre o assunto e a comprar de brechós. Embora o consumo consciente seja importante, no entanto, ela acha que é uma espécie de “bônus” para os consumidores. Em sua opinião, a maioria das pessoas que compram em bazares, o fazem não para preservar o meio ambiente, mas pela oportunidade de comprar mais barato e pela necessidade de economizar, por exemplo, daí o crescimento do mercado em Belém, em contraponto aos preços oferecidos por grandes lojas e empresas de departamento.
“Eu mesma comecei a consumir de brechós não com o intuito de ser sustentável, mas para economizar. E hoje vejo que é um mercado que contribui muito para a economia, no sentido do ciclo, de aquilo não virar lixo e um acúmulo de material que está sem uso, e de as pessoas reutilizarem e ressignificarem coisas que não teriam mais valor, fazendo com que tudo se renove. É possível, a partir da reutilização das roupas, reduzir lixo e, com toda certeza, economizar”, opina.
O meio ambiente também é beneficiado com a slow fashion, na visão de Morgana, já que a fast fashion - moda rápida, em português, ou seja, grandes empresas que fabricam em larga escala - tem um “impacto ambiental muito grande porque utiliza muita matéria-prima e não valoriza o trabalhador, e tem a questão do esgotamento dos recursos naturais e a questão dos poluentes, então a indústria da moda está no topo das principais causadoras dos impactos ao meio ambiente e da emissão de carbono”.
Para a economia local, a avaliação dela é de que é importante que os microempreendedores se beneficiem, porque têm uma produção em menor escala, mas com qualidade. “Consumir de produtores locais faz girar a economia da nossa localidade, fortalecendo o comércio e gerando empregos na nossa região. É uma rotatividade muito grande na economia”, avalia. As peças no bazar custam a partir de R$ 20, e as mais vendidas ficam entre R$ 29 e R$ 55.
Consumo
A advogada Carla Amaral, de 44 anos, adquiriu o costume de comprar roupas usadas no período da pandemia, quando passava mais tempo olhando as redes sociais e conheceu alguns brechós online. Segundo ela, esta é uma forma de enxergar as roupas e a moda com outros olhos, inclusive refletindo sobre a necessidade de minimizar o desperdício e a poluição, bem como promover práticas éticas na indústria.
“Os brechós chegam com força total para nos ensinar o quanto é importante a sustentabilidade na moda, para que as roupas sejam mais duráveis e atemporais, e mostrar os danos do consumo excessivo de roupas descartáveis. Hoje em dia, eu procuro pesquisar não apenas sobre o material que é usado naquela peça, mas se sobre aquela empresa não existem denúncias de desrespeito aos direitos dos trabalhadores, sobre a eficiência na fabricação no que diz respeito ao uso de energia e de água e outras informações que forem relevantes”, afirma.
Na opinião de Carla, é possível economizar muito comprando em bazares e brechós. Cada peça que ela adquire, por exemplo, tem uma média de preço que varia de R$ 20 a R$ 200, mas a maioria fica em torno de R$ 80. “Anos atrás, comprei peças caras em lojas por impulso e acabei doando pois passaram-se anos e nunca usei. Então, com uma boa curadoria dos bazares e brechós, temos acesso a peças semi novas e perfeitas. A qualidade é a mesma, até porque muitos desapegos são provenientes de grandes empresas e multinacionais”, garante a consumidora.
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