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DPE denuncia venda irregular de crédito de carbono em terras públicas no Pará

Órgão assina três ações civis públicas contra oito empresas, acusadas de comercializar créditos de forma irregular, sem autorização do Estado

O Liberal

A Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE-PA) levou à Justiça casos de empresas que geraram e venderam créditos de carbono em terras públicas da Amazônia, com o objetivo de lucrar e sem autorização do Estado, o que configura irregularidade. As ações civis públicas contemplam cinco empresas brasileiras e três estrangeiras, envolvidas em três projetos de crédito de carbono, localizados na área rural de Portel, no Pará. As informações foram divulgadas inicialmente pelo G1 e confirmadas pelo Grupo Liberal junto ao Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), que acompanha as denúncias por meio de procedimento extrajudicial.

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De acordo com a reportagem do G1, multinacionais como farmacêuticas, companhias aéreas e até um time de futebol da Inglaterra compraram créditos para compensar as próprias emissões de gases do efeito estufa. O mecanismo é responsável por remunerar projetos que desenvolvem ações de combate às mudanças climáticas, e as empresas que lançam na atmosfera gases do efeito estufa, que contribuem para essas mudanças, podem recorrer aos projetos para compensar suas próprias emissões.

No Brasil, até o momento, não existe um mercado regulado pelo governo, então os créditos são negociados no chamado mercado voluntário. No caso citado pela reportagem, as compras foram feitas de modo legal, por meio da maior certificadora de venda de créditos de carbono no mundo, a Verra, sem indicativos de que poderia haver problemas nos créditos. Ao G1, as multinacionais alegaram que não sabiam das irregularidades – elas não são alvos das ações da Defensoria Pública, e sim as empresas que emitiram os créditos.

O MPPA informou ao veículo, que, por meio de sua Promotoria Agrária, possui procedimento extrajudicial para acompanhar as questões que envolvem projetos de crédito de carbono em territórios de comunidades tradicionais. “Nos autos das ações civis públicas ajuizadas pela Defensoria Pública, o MP atua como fiscal da lei, tendo, até então, tomado ciência do ajuizamento da ação. No entanto, aguarda o retorno dos autos para manifestação quanto ao pedido de liminar”, detalha.

Embora ainda não tenha se manifestado nos autos em relação às denúncias apontadas nas ações judiciais, o órgão diz que identificou indícios das irregularidades no procedimento extrajudicial instaurado na Promotoria de Justiça Agrária. “As florestas públicas são bens públicos e de toda a coletividade. Nas áreas coletivas destinadas às comunidades tradicionais, o Estado concede autorização de uso por estes grupos, no entanto, permanece obrigado a fiscalizar os usos desses recursos. A questão que se coloca é que áreas públicas podem estar sendo utilizadas por particulares para obtenção de vantagens financeiras sem autorização dos órgãos competentes e, diante disso, muitas comunidades passam a ser assediadas e compelidas a firmar contratos desiguais que impossibilitam os usos tradicionais dos recursos florestais”, avalia o Ministério.

Ainda na nota, o MPPA afirmou que o Poder Judiciário, dependendo das provas que constam nos autos, deve obrigar o Estado a realizar a consulta prévia, livre e informada, nos termos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Cabe ainda ao governo, segundo o órgão, estabelecer regras claras para realização desse tipo de contrato incidente em terras públicas, bem como indicar o órgão ou setor dentro da estrutura do Estado responsável por fazer a fiscalização.

Problemas

São três irregularidades apontadas pela DPE. A primeira é o fato de os projetos estarem em propriedades públicas estaduais, e não em terras particulares, como eles dizem. Segundo: por estarem em propriedades públicas, os projetos precisavam de alguma autorização dos órgãos do governo local, o que não teria acontecido. Além disso, as comunidades ribeirinhas, que vivem em assentamentos agroextrativistas, demarcados pelo governo do Pará, deveriam ter sido consultadas para dizer se concordavam ou não com os projetos. Tanto a Defensoria como os ribeirinhos alegam que isso também não ocorreu.

Tudo isso indica que atores privados estariam ganhando dinheiro com terras públicas de floresta, mas sem a permissão do Estado ou qualquer retorno para as famílias da região. E, como as empresas responsáveis pelos projetos se valeram de matrículas imobiliárias e de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) inválidos para alegar que as áreas eram de propriedade privada, a DPE ainda diz que trata-se de grilagem de terras públicas.

Vender créditos de carbono no mercado voluntário passa por diversas etapas. Só após os projetos submeterem várias documentações a uma certificadora internacional é que são registrados e, então, começam a comercializar créditos. Foram três projetos registrados pela Verra na zona rural de Portel, mas o cruzamento de coordenadas geográficas mostra que eles estavam em terras públicas.

O G1 aponta que a DPE teria identificado que foram canceladas 45 das 50 matrículas imobiliárias usadas na documentação devido a irregularidades, mas, mesmo assim, os perímetros apontados nas matrículas canceladas foram usados na documentação dos projetos. Além disso, a fraude também contou com a emissão de Cadastros Ambientais Rurais (CAR), usados pelos projetos de forma ilegal.

Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) informou ao Grupo Liberal: “o Sistema de Cadastro Ambiental Rural (SICAR/PA) é aberto e autodeclaratório e que sempre que identifica ou recebe denúncias acerca de CAR inscritos de forma irregular, ou com indícios de fraudes na declaração, procede com a suspensão e posteriormente o cancelamento do cadastro, no âmbito do programa Regulariza Pará”.

Ainda, segundo a Semas, “até a implantação do programa, menos de 1% dos CAR haviam sido analisados. Em Portel, além dos 219 cadastros cancelados, após a constatação de informações falsas ou omissas, outros 735 já foram suspensos”, conclui a secetaria.

O Grupo Liberal entrou em contato com a administração municipal de Portel, que é citada em uma das ações e foi demandada sobre as irregularidades na região, não obteve resposta.

Empresário americano

O nome por trás de cinco empresas das oito processadas na esfera cível pela Defensoria é o do empresário americano Michael Greene, que vive nos Estados Unidos. Ele é sócio e administrador de quatro delas, e a quinta está no nome de sua esposa, Evelise da Cruz Pires Greene. O americano é apontado nas três ações como o suposto proprietário de áreas usadas pelos projetos. Segundo o G1, ele teria adquirido dezenas de imóveis rurais do brasileiro Jonas Morioka, também alvo da ação da Defensoria por ser apontado como proprietário de algumas terras.

Em resposta ao Grupo Liberal, Michael Greene afirma "que o terreno tem título há 32 anos e o proprietário paga impostos. Há uma requalificação do título pelo TJPA [Tribunal de Justiça do Estado do Pará]”, diz. Ainda de acordo com ele, o terreno, sem citar qual, possui Certificado de Cadastro do Imóvel Rural (CCIR), e houve decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) informando que os títulos não foram cancelados. A reportagem, no entanto, não conseguiu confirmar esta afirmação.

Michael questiona o fato de estar sendo “um alvo”. “Existem outros dois proprietários de terras, Grupo ABC e Grupo Martins, que possuem projetos de crédito de carbono REDD que também possuem títulos supostamente coletivos e não são notícia? Por que sou um alvo?”, pergunta. Na opinião do empresário, existe uma disputa entre o prefeito de Portel, que “foi ou é contra os títulos coletivos” e o governador, que “quer os títulos coletivos”. “Fomos apanhados nesta disputa”, enfatiza.

O americano ainda lembra que os projetos de carbono foram aprovados antes dos títulos coletivos, e ressalta que tem ajudado famílias tradicionais a obter o certificado ambiental obrigatório, também conhecido como Cadastro Ambiental Rural (CAR). Ele diz que paga pela construção de seis escolas, faz a perfuração de 300 poços de água e ajuda 2.200 “famílias perseguidas a conseguirem um cadastro ambiental rural”. Outras empresas procuradas por email pela reportagem não responderam até esta publicação.

Justiça

Procurada, a Defensoria Pública do Estado enviou nota ao Grupo Liberal em que informa que, por meio do Núcleo das Defensorias Públicas Agrárias, da Defensoria Pública do Pará, ajuizou, na Vara Agrária de Castanhal, as seguintes ações civis públicas *nº 0806464-92.2023.8.14.0015; nº 0806505-59.2023.8.14.0015; nº 0806582-68.2023.8.14.0015 e nº 0806631-12.2023.8.14.0015, a favor da comunidade ribeirinha no município de Portel, no Marajó.

"Nas ações, a Defensoria requer a proteção de territórios tradicionais de cinco assentamentos estaduais agroextrativistas na localidade. A ação aponta que houve grilagem de terras públicas e uso de documentos de propriedades que não possuem validade jurídica, tendo o cartório cancelado essas matrículas”, diz um trecho da nota da Defensoria.

A DPE informa que “apesar dos proponentes dos projetos afirmarem que se tratam de propriedades privadas, as áreas estão sobrepostas aos assentamentos, com matrículas sem validade jurídica. O documento ressalta, ainda, que as florestas são bens ambientais que integram o solo e, por isso, sua propriedade e usufruto pertencem ao dono da terra - o Estado e as comunidades tradicionais”.

Pedido de nulidade dos projetos e de indenização de R$ 5 milhões 

A Defensoria Pública solicita à Justiça, em caráter de urgência, “que os projetos de crédito de carbono sejam invalidados e que as empresas sejam impedidas de entrar nos assentamentos. A causa foi proposta e, agora, está sob a responsabilidade do Poder Judiciário”, informa a Defensoria Pública do Pará.

"Portanto, ressalta-se que a Defensoria paraense atua neste caso a fim de fazer um levantamento acerca da situação e das supostas irregularidades, de forma a “separar o joio do trigo”, para que, após a devida análise, o Judiciário possa tomar as medidas cabíveis”, conclui a nota da DPE enviada ao Grupo Liberal.

Os pedidos da Defensoria Pública do Pará, de acordo com a apuração do G1, no âmbito da defesa do direito ao território das comunidades dos cinco assentamentos estaduais; a Defensoria pede que seja paga indenização moral por danos coletivos no valor de R$ 5 milhões por ação judicial.

Ações contra gestão municipal de Portel

Entre as ações, duas também são contra o município de Portel. A Defensoria requer a nulidade de dois decretos editados pelo prefeito local, que teria autorizado as empresas privadas a realizarem construções dentro dos assentamentos. A administração municipal afirmou ao veículo que esses dois decretos já foram revogados e que só apoia um quarto projeto de crédito de carbono, que ainda não foi registrado por nenhuma certificadora internacional e, portanto, não comercializa créditos. Ele também é alvo de outra ação da DPE.

As entidades processadas pela Defensoria incluem ainda a esposa de Greene, Evelise da Cruz Pires Greene, que é sócia e administradora da BLB Florestal, com sede no Pará, que seria a desenvolvedora do projeto Rio Anapu-Pacajá; a Brazil Property Group, com sede em Minas Gerais, suposta desenvolvedora do projeto RMDLT; Agfor Empreendimentos LTDA, com sede em São Paulo e que seria a proprietária de algumas terras usadas no projeto RMDLT; Brazil Agfor: com sede em Manaus e nos EUA, proponente do projeto Rio Anapu-Pacajá e apontada como desenvolvedora do projeto RMDLT, além de suposta proprietária de matrículas imobiliárias usadas nos três projetos; e Amigos dos Ribeirinhos Assessoria Ambiental Eireli, com sede no Pará, que seria desenvolvedora do projeto Rio Anapu-Pacajá.

Já entre as multinacionais estão Air France, Boeing, Braskem, Toshiba, Samsung UK, Kingston, Barilla, as farmacêuticas Bayer e Takeda, além do Liverpool, clube de futebol da Inglaterra.

Economia