Racismo no trabalho: saiba o que fazer e como denunciar o crime
Cerca de 39% dos profissionais pretos e pardos já foram discriminados no trabalho por causa da cor da pele, aponta pesquisa
Em pleno ano de 2023, o racismo e a discriminação racial ainda estão presentes na sociedade e nas relações de trabalho. A questão da discriminação, inclusive a racial, também é tema de diversos processos judiciais.
Um levantamento divulgado pelo InfoJobs, empresa de tecnologia para recursos humanos, aponta que 39% dos profissionais pretos e pardos já foram discriminados no trabalho por causa da cor da pele. Destes, 61% tiveram medo de denunciar e omitiram a situação, 18% confrontaram a pessoa que cometeu o crime, 11% reportaram aos superiores e 10% compartilharam a situação com o RH ou outras pessoas.
Ainda de acordo com os dados da pesquisa, os superiores, como gerentes e supervisores, são os que mais cometem racismo no trabalho. Eles aparecem em 48% dos casos. Em seguida, estão os colegas da mesma posição hierárquica, com 28%, e os subordinados correspondem a 23%.
Em muitas situações os casos de racismo ocorrem de forma velada. É uma “brincadeira”, um comentário indelicado ou pequenos constrangimentos que, quase sempre, quem as faz nunca acha que cometeu um ato de racismo, mas quem é vítima desse tipo de situação, conhece bem as dores, as consequências e os traumas causados pelo preconceito.
Uma vítima que preferiu não se identificar, disse que em uma empresa onde trabalhava, um dos diretores fez um comentário dizendo que o ambiente onde eles estavam, estava cheirando a maconha. Depois do comentário, a vítima disse que o diretor cheirou as tranças que ela havia feito recentemente, e afirmou que o cheiro deveria ser do cabelo dela. “Ele veio cheirar e disse ‘deve ser desse cabelo’. Aí para disfarçar, cheirou o cabelo da senhora da limpeza. Essa brincadeira foi além do permitido. Me senti super ofendida e na época não falei nada pelo fato dele ser meu diretor”, relatou a vítima.
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De acordo com a advogada trabalhista Renata Neves J. Sousa, as formas mais comuns de discriminação racial em ambiente de trabalho são as relacionadas a estética e a religião. “Existem empresas que dizem que o cabelo crespo não é um cabelo formal, meio que impõem aos homens a cortarem o cabelo e as mulheres a alisarem ou então alinharem os fios. Não respeitam a textura, a forma do cabelo cacheado ou crespo característico da raça negra. Também acontece muitas piadas relacionadas a religiosidade de matriz africana, onde muitos os adeptos dessa religião são chamados de macumbeiros”, explica a advogada.
Foi o que aconteceu com a ex-estagiária de uma determinada empresa que passava por um processo de transição capilar - um processo de abandono de químicas de alisamento e relaxamento, com o objetivo de retornar ao cabelo com a sua curvatura natural – e que foi alvo de um episódio de racismo por uma das funcionárias da empresa.
“Eu estava em processo de transição capilar no meu cabelo, na época ele estava pequeno e crespo, e ainda não tinha a formação de cachos eu andava com ele solto. Um certo dia, uma advogada do local chegou comigo e falou em um tom pejorativo: ‘Tu não quer dar uma prendida nesse teu cabelo, não? Por que ele tá feio assim e ele não condiz com o padrão da nossa empresa” disse.
De acordo com a ex-estágiária, no momento em que a funcionária fez o comentário, ela não conseguiu reagir e nem responder à ofensa. “Na hora eu não me impus porque me senti humilhada, ofendida e não consegui reagir. O que eu fiz foi prender meu cabelo e seguir. Desde então, eu não soltava mais o meu cabelo naquela empresa. Fora isso, ela dizia pra eu cuidar da minha pele, porque a minha pele estava feia do jeito que estava” lembra.
Outras diferentes formas de discriminação e preconceito se traduzem no mundo do trabalho como em disparidades salariais, assédio moral e sexual, desigualdades de gênero, de religião, entre outros.
O racismo pode acontecer até mesmo antes da contratação. De acordo com o Movimento Potências Negras, cerca de 63% das mulheres negras já passaram por situações de discriminação em processos seletivos. Outra informação importante é a diferença salarial. Já a Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios, divulgada em agosto de 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com informações referentes ao segundo trimestre daquele ano, mostra que a remuneração de trabalhadores negros é, em média, 40,2% menor do que a dos funcionários brancos.No caso dos pardos, o valor foi 38,4% menor que o recebido pelos brancos.
Racismo x Injúria Racial
Ao falar de crime, é preciso distinguir racismo de injúria racial. A injúria consiste em ofender a dignidade ou o decoro de alguém, conforme o artigo 140 do Código Penal. É como xingar uma pessoa, atribuindo alguma característica pejorativa. Nesse caso, o autor do delito poderá ser condenado a pena de detenção de um a seis meses ou multa.
Já o racismo, previsto na Lei 7716/1989 compreende uma série de crimes, como o impedimento de acesso, de emprego, de promoção ou de qualquer vantagem em razão da cor da pele, da dependência ou da origem racial ou étnica. Na área trabalhista, isso se caracteriza na recusa da contratação ou no pagamento de salários mais baixos, por exemplo. Já a injúria é uma ofensa em momento único. A pena prevista é de 2 a 5 anos de reclusão.
“O racismo é uma prática mais ampla, que acaba impedindo o acesso ou a evolução do funcionário dentro do ambiente de trabalho por motivos da sua etnia negra”, resume a advogada trabalhista Renata Neves J. Sousa.
Fui vítima de racismo no trabalho. O que fazer?
De acordo com a especialista, a primeira providencia a ser tomada pelo trabalhador vítima de racismo no ambiente de trabalho é procurar o superior imediato daquele que praticou a discriminação racial ou o RH da empresa e, se mesmo assim, a empresa não tomar medidas adequadas, Renata aconselha que a vítima busque a orientação jurídica de um advogado especializado em direitos trabalhistas e discriminação racial.
“Se a empresa não tomar as devidas providencias, o empregado também pode procurar a Delegacia Especializada em Crimes Discriminatórios e registrar um boletim de ocorrência. Também é importante que a vítima reúna provas como imagens, trocas de mensagens e testemunhos de colegas. Se for o caso, procurar o Ministério Público do Trabalho para que se faça uma denúncia anônima, além de buscar o auxílio de um especialista para ingressar com uma ação de rescisão indireta, que é quando o empregador descumpre alguma norma e o colaborador pode pedir desligamento tendo todos seus direitos trabalhistas resguardados pela legislação” explica a advogada.
(Luciana Carvalho, estagiária da Redação sob supervisão de Keila Ferreira, Coordenadora do Núcleo de Política).