Pará possui mais de 1.100 imóveis da União em regularização
Fazendas, glebas, conjuntos e outros tipos de propriedades estão distribuídos em 93 municípios paraenses
Fazendas, glebas, conjuntos e outros tipos de propriedades estão distribuídos em 93 municípios paraenses
A distribuição de terras por meio da reforma agrária é apontada como um dos principais caminhos para a diminuição das desigualdades sociais. Nesse contexto, os atuais 1.163 imóveis da União em processo de regularização para a reforma agrária em território paraense despontam como a possibilidade de garantir moradia digna e redistribuição eficaz de renda, poder e direitos garantidos pela Constituição Federal brasileira. Esse total de terras públicas de posse do governo federal englobam fazendas, glebas – que são lotes sem destinação e / ou regularização –, conjuntos e outros tipos de áreas, hoje distribuídos em 93 municípios do Pará.
Em um contexto mais recente, surge o conceito de reforma urbana para garantir o acesso a esses mesmos direitos à população que vive nos centros das grandes cidades. Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados (PL 2.053/21) altera o Decreto-Lei 9.760/46 e dispõe sobre imóveis da União, prevendo a locação de interesse social desses espaços não utilizados em serviço público. “Bens da União, muitas vezes, deixam de ser utilizados no serviço público e, sem destinação a finalidade específica, não cumpremsua função social”, disse o autor, deputado Carlos Henrique Gaguim (DEM-TO).
“A proposta pretende garantir que essas edificações possam ter aproveitamento residencial”, avaliou. A matéria está na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) e deverá passar por outras comissões até ser avaliada pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. No Pará, por exemplo, segundo dados do Ministério da Economia, existem 759 terrenos de marinha sem registro de utilização – 130 deles somente na capital paraense. Vale ressaltar que os terrenos localizados em Belém, em sua maioria, estão localizados em áreas urbanas. Em municípios do interior, algumas dessas áreas, formadas natural ou artificialmente, estão localizadas perto de rios e lagos, ou do mar, em seguimento aos terrenos de marinha.
Voltado à área urbana, segundo a coordenadora da Superintendência do Patrimônio da União no Pará (SPU), Maysa Leal, existem terrenos que estão com “ocupação consolidada”. “Significa que um particular invadiu e construiu benfeitoria para fins de residência ou comércio, ou ainda a hipótese do que comprou de boa-fé, de terceiros, sem saber que o imóvel era da União e não regularizado na SPU, e por isso não tem o Registro Imobiliário Patrimonial (RIP) Utilização cadastrado, significando que o imóvel não está realmente livre e desembaraçado para destinar para um projeto de provisão habitacional, por exemplo. A União precisaria ingressar com Ação de Reintegração da Posse primeiro e recuperar a posse para poder destiná-lo para um projeto”, explica.
De acordo com Maysa, existe uma Instrução Normativa que possibilita a regularização dessas ocupações irregulares que ocorreram até 2014. “Quando está consolidado é mais indicado regularizar do que reintegrar a posse, especialmente tratando-se de moradia”, afirma, lembrando que existem os terrenos que se enquadram na hipótese de não ocupado e não regularizado, sendo possível destinar. Atualmente, também há, vagos para uso, oito imóveis em Belém – um deles completamente deteriorado, e dois, visitados pela reportagem do Grupo Liberal, abandonados. Outros três vagos para uso estão em Altamira e um em Santarém; além de cinco disponíveis para a venda na capital paraense, três na Campina e dois no bairro do Marco.
Mas Maysa ressalta: a Superintendência de Patrimônio da União é responsável apenas pela regularização do imóvel. A destinação desses imóveis e os recursos necessários para a ocupação deste com algum tipo de projeto social deve partir dos Ministérios. “O que nós fazemos é trabalhar o imóvel e, a partir do momento que vamos conhecendo o imóvel, vamos fazer a melhor escolha para a gestão dele. Alguns vão servir para venda (alienação). Verificamos que nenhum órgão se interessou ou se tornou inservível, aí não compensa a União investir em uma reforma. Aí adotamos a alienação como uma linha de gestão”, detalha.
Um dos espaços identificados como vagos para uso nos dados levantados no site do governo federal é o prédio da Superintendência Regional do Trabalho, localizado na rua Gaspar Viana, no bairro do Comércio, em Belém. Márcia Maria, de 52 anos, ocupa um imóvel na capital e conversou com a reportagem do jornal O Liberal e lamenta o prédio estar abandonado. “A gente mora aqui, tem serralheiro, pedreiro, costureira, mas o governo não dá apoio. Eu vejo que muitos precisam, mas ninguém no meio deles tem ajuda. Mas tem muita gente do bem que só quer uma oportunidade”, diz.
Márcia também sonha com um lugar para viver e, assim, melhorar de vida. Ela, que também admite ter problemas com drogas, projeta no local a possibilidade de existir um lar para moradores de rua. “Diariamente estou aqui. Muita gente vive de desprezo, e eu entendo que tem gente que não merece, mas muitos merecem uma nova vida, um recomeço. Se eu puder, eu quero ajudar o próximo trabalhar com isso”, diz, emocionada.
Seu Raimundo Nascimento tirou a primeira carteira de trabalho no prédio. Aos 78 anos, o marinheiro auxiliar ainda na ativa, afirma que se entristece ao ver a quantidade de pessoas morando nas ruas, enquanto um prédio que poderia ser recuperado se encontra completamente abandonado. “Se o prédio está abandonado, eu estou abandonado também. Já vim buscar os direitos do meu pai aqui, buscar advogado para o meu pai. A mesma amizade e cuidado que eu tenho na minha casa eu tenho nesse prédio”, diz.
O morador da capital, natural do município de Soure, analisa a situação atual e afirma que nunca viu o país com tanta pobreza. “A gente ainda não vê aparecer um homem que pegue o dinheiro do povo para representar coisas boas. No meu tempo eu não fiquei jogado assim, tinha recurso. Tem que achar orçamento para construir esses prédios. Até quando vai ficar assim? Esse prédio é um espelho. Mas eu já vi esse prédio bonito, como eu era quando jovem. Vejo meu suor estragado”, desabafa.
Alexandre Costa trabalha com a arte desde jovem. Aos 53 anos, ele conta que ajuda adolescentes e pessoas em vários bairros de Belém, e que luta por espaço para que a arte possa ser desenvolvida também nas periferias. Sobre o abandono, o arte-educador lamenta o não aproveitamento dos prédios em benefício da própria sociedade e defende a ocupação desses espaços.
“O poder público pode abandonar e a gente não pode ocupar? Pessoas drogadas que invadem esses espaços e o governo não faz nada. Os poderes públicos não fazem nada, não dão espaço para grupos de dança, teatro, artesanato. Tem muitas pessoas que precisam de espaço para mostrar o seu trabalho e não têm. Os alugueis muito caros. A arte é muito importante na vida das pessoas e o espaço está aqui, ocioso, e ninguém promove nada. E também é melhor que alguém que não tenha onde morar não tenha como pagar aluguel more aqui para que não entre meliante bandido ocupando, porque sai daqui para poder assaltar”
Sob a responsabilidade da Superintendência do Patrimônio do Pará, há 177 imóveis de Uso Especial cadastrados, no valor de R$ 4,2 bilhões. Destes, 10 reservas e três parques (R$ 3,523 milhões) representam 70% da carteira, enquanto 91 imóveis (glebas, complexos e prédios) foram avaliados em R$ 504,8 milhões. A SPU ressalta algumas possibilidades, para além do repasse de gestão de um órgão da administração pública: o compartilhamento de espaço, com dois ou mais órgãos.
Segundo Maysa Leal, essa novidade foi trazida pela Portaria ME nº 1.708, de 12 de Fevereiro de 2021, e faz parte do projeto Racionaliza.Gov, iniciativa que reúne duas secretarias do Ministério da Economia: de Gestão (Seges) e de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU).
“A Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, em articulação com a Secretaria de Gestão, por meio de estratégias de ocupação dos imóveis, estabelecerá iniciativas, ações e projetos que proporcionem uma ocupação otimizada e compartilhada dos imóveis de uso especial utilizados pela União, pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, próprios da União ou de terceiros, levando-se em consideração a oferta e a demanda de espaços. Os Órgãos do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União também poderão participar das estratégias de ocupação otimizada e compartilhada”, explica.
De acordo com a SPU no Pará, a expectativa é de que o uso compartilhado de salas e edifícios entre órgãos da Administração Pública Federal, gere uma economia de R$ 500 milhões já no primeiro ano. Somando-se também a economia gerada por outras ações de melhoria da gestão como, por exemplo, renegociações de contratos e contratações conjuntas, é possível chegar a uma economia de R$ 1,1 bilhão ao ano, causando um impacto imediato no orçamento da União.
“Em Brasília vemos elefantes brancos suntuosos. A ideia é hoje reduzir gastos e criar parâmetros para a ocupação predial da administração pública. A partir daí a gente começa a propor o compartilhamento do espaço. Se estou com uma AGU em um prédio enorme e bem instalado, e outro órgão mal instalado, a gente pega esse órgão e passa a ocupar aquele espaço da AGU. Daí os dois fazem rateio de despesas e isso representa uma economia. No final do projeto, ainda veremos que tem imóvel sobrando que pode gerar despesa para a União, com manutenção predial, contrato de vigilância, e podemos monetizar. Aí o recurso investido volta para o cidadão. É um pontapé para evitarmos o tipo de prejuízo para a União, tendo uma gestão eficiente e racionalizada”, conclui.