Pará é o 3º Estado com mais sementes piratas de soja no Brasil
Ao menos 20% da produção de soja do Estado é cultivada com sementes ilegais, segundo o levantamento feito pela CropLife Brasil (CLB) e a consultoria Céleres.

O crescimento exponencial da produção de soja no Pará, especialmente nas regiões Nordeste e Sudeste do Estado, tem exposto um problema silencioso, mas que já compromete toda a cadeia produtiva: a pirataria de sementes. Estima-se que 20% da área plantada é cultivada com sementes ilegais, percentual que representa quase o dobro da média nacional (11%), de acordo com o levantamento feito pela CropLife Brasil (CLB) e a consultoria Céleres. A prática, considerada crime por se tratar de uma violação às normas do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), gera prejuízos bilionários para o país e compromete o avanço tecnológico no campo.
“A semente pirata é aquela que não está em conformidade legal pelos órgãos de regulamentação. Isso significa que ela não passou pelos testes de qualidade técnica, agronômica e de produtividade exigidos”, explica Enilson Nogueira, consultor de mercado da consultoria Céleres.
Segundo ele, há três formas de se obter semente de soja no Brasil: a certificada, a salva legal e a pirata. Apenas as duas primeiras são legais. “A pirata, além de ilegal, tende a apresentar perda de rendimento. Um estudo aponta que, sem seu uso, a produtividade da cultura poderia ser até 4 sacas por hectare maior”, completa.
Essa diferença tem impacto direto no bolso do agricultor. Embora a semente pirata seja mais barata à primeira vista, por estar fora do sistema produtivo, não pagar impostos e não remunerar a cadeia de pesquisa, o produtor precisa colocar na balança a perda de produtividade e os riscos adicionais à lavoura.
O avanço da prática na produção paraense
O Pará está se tornando a nova fronteira agrícola do Brasil, especialmente nas regiões Nordeste e Sudeste, onde a conversão de áreas de pastagem para o cultivo de grãos tem ganhado força. Segundo Enilson Nogueira, isso torna urgente o debate e a fiscalização quanto ao uso de sementes piratas no Estado. “O Pará deve apresentar crescimento robusto na área plantada de soja na próxima década. Por isso, é essencial que os órgãos reguladores e a sociedade mantenham o foco no controle do uso de sementes piratas”, diz.
Cleber Sampaio, gerente de controle de sementes e mudas da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará), detalha como esse mercado ilegal atua localmente. “O setor de soja é muito organizado, mas com o aumento do custo das sementes, muitos produtores começaram a guardar parte da própria safra para plantar no ano seguinte. Isso é legal, desde que seja para uso próprio e em quantidade proporcional à área. O problema é que estão separando muito mais do que deveriam e comercializando esse excedente com vizinhos ou terceiros. Essa semente não vem de campos registrados e não passa pelos critérios do Mapa”.
VEJA MAIS
Vanderlei Silva, presidente da Associação dos Produtores de Soja, Arroz e Milho do Estado do Pará (Aprosoja), também defende o viés. “O que a gente vê hoje é produtor que, às vezes, por falta de informação ou por tentar economizar, acaba recorrendo à semente pirata. Só que isso é um tiro no pé. A gente já teve muitos casos aqui de lavoura que nasceu falhada, planta fraca, e no fim das contas o prejuízo foi bem maior do que se tivesse comprado uma semente legal e com vigor”, alerta.
Vanderlei ainda conta que a pirataria não só compromete a produtividade como fomenta um mercado clandestino que prejudica todo o setor. “Já teve produtor que plantou achando que estava economizando e colheu metade do que esperava. E aí, com o custo de produção alto como está hoje, isso é inviável. Não fecha a conta”, afirma.
Com pouca colheita devido a pirataria, o preço da soja pode acabar subindo, o que também impacta no bolso do consumidor final, além de diminuir o incentivo a estudos e pesquisas. “A prática, consequentemente, traz menor investimento em pesquisa e mão-de-obra qualificada. O consumidor também é prejudicado, pois com menor produtividade, produção e disponibilidade de matéria prima, os preços dos produtos aumentam”, relata Roni de Azevedo, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental.
Impacto nacional
Embora o Pará esteja entre os três Estados com maior taxa de uso de semente pirata, o Rio Grande do Sul é quem ocupa o primeiro lugar, com 28% da área coberta por sementes ilegais. No Estado sulista, os prejuízos ultrapassam R$ 1,1 bilhão por ano.
De acordo com Eduardo Leão, diretor-presidente da CropLife Brasil, entidade que representa a indústria de insumos, a pirataria de sementes é responsável por uma perda anual de aproximadamente R$ 10 bilhões para o país.
“A semente pirata não tem qualquer tipo de controle de qualidade, nem passou por testes de produtividade, sanidade ou segurança fitossanitária. Elas são comercializadas sem nota fiscal, muitas vezes em embalagens reutilizadas’”, alerta Leão. “O impacto não é apenas econômico. Essas sementes ilegais podem carregar pragas, doenças e espécies invasoras que comprometem lavouras inteiras e o meio ambiente”, relata.
A perda de produtividade média no Brasil, segundo o estudo feito pela CropLife em parceria com a consultoria Céleres, é de 17% em áreas onde há uso de sementes piratas. Isso representa, na prática, quatro sacas a menos por hectare.
Como identificar uma semente pirata
A diferença entre uma semente legal e uma pirata, embora clara do ponto de vista técnico, nem sempre é perceptível a olho nu. A CropLife Brasil orienta os agricultores a ficarem atentos a algumas características:
Semente pirata: embalada em sacos reutilizados, sem informações obrigatórias; ausência de nota fiscal; preço muito abaixo do mercado; transporte fora de época ou em condições inadequadas.
Semente certificada: sacaria nova, inviolada, com identificação do produtor e do registro no Renasem; nota fiscal e certificado de conformidade que garantem qualidade, procedência e padrão do Mapa.
A associação também possui um canal de denúncias anônimas, que são encaminhadas às autoridades competentes. Além disso, lidera um grupo com outras entidades, como a Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja (Abrass), para combater o comércio ilegal das sementes.