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Menos de 30% dos 'filhos do Bolsa Família' do Pará conseguiram inserção no trabalho formal

Estado protagoniza entre os piores índices de acesso a mobilidade social e emancipação de programas sociais

Camila Azevedo

Apenas 27% dos beneficiários do Bolsa Família no Pará, que eram crianças em 2005, conseguiram inserção no mercado de trabalho formal entre os anos de 2015 e 2019. O número representa 147.470 pessoas que apareceram ao menos uma vez na Relação Anual de Informações Sociais (Rais), a pesquisa oficial do setor. Desses, 82 mil, ou seja, 14,9%, conseguiram se manter por três anos ou mais realizando as atividades no período.

Os dados fazem parte de um estudo produzido por pesquisadores do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), divulgado em junho. O objetivo do levantamento foi avaliar o acesso de adultos, que eram crianças de 7 a 16 anos consideradas pobres em 2005, ao mercado formal no período destacado e comparar as condições de emprego, de 2015 a 2019, desse grupo com os não beneficiários do Bolsa Família da mesma faixa etária.

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O resultado coloca o Pará em posições abaixo da média nacional. Em consequência, a região Norte está entre as que possuem pouco acesso e baixos índices de mobilidade social, tendo quatro estados com menos de 30% dos que fizeram uso do Bolsa Família em 2005 que conseguiu um emprego formal. No Brasil, 44,7% do grupo analisado foi encontrado na Rais. O Sul e Sudeste protagonizam com os melhores parâmetros.

Para entender a dinâmica da pobreza e mobilidade social no país, o IMDS cruzou os registros da folha de pagamento do Bolsa Família e da Rais e conseguiram, além de mensurar a emancipação social por meio da carteira assinada, medir a qualidade do emprego que o grupo analisado conquistou. Nesse sentido, uma descoberta importante foi a diferença de remuneração entre os que tinham e os que não tinham o benefício.

55,9% de quem recebia o programa em 2005 ganhavam de 1,01 a 1,5 salários mínimos enquanto desenvolviam atividade entre os quatro anos pesquisados pela IMDS, ao lado de 47,5% de quem não recebia os recursos. As profissões de maior remuneração, isto é, as que possuem capacidade de pagar mais de 10 salários mínimos, foram ocupadas por 0,2% beneficiários e 0,8% não beneficiários.

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Sérgio Guimarães, diretor da pesquisa, aponta que algumas razões podem explicar esse cenário, entre elas, a dificuldade em conseguir superar a barreira da pobreza que as crianças da primeira geração do Bolsa Família enfrentavam. “Não é por eles serem beneficiários. É por terem sido pobres. Quando o programa vai com a pessoa, é porque ela realmente está em um nível crítico de pobreza”.

“São pessoas com condições de pobreza muito ruins na infância e, quando observa que estão mais velhos, conseguiram ensino superior, mas mesmo assim não atingem como os outros atingem as ocupações de maior destaque social. Será que tem a ver com a condição de pobreza inicial, mesmo ele tendo conseguido superar todas as dificuldades? A pessoa que nunca passou pelo programa não foi tão pobre…”, acrescenta.

Os efeitos de uma primeira infância marcada por desigualdade social continuam perseguindo a pessoa nas demais escolhas e oportunidades da vida adulta, reforça o pesquisador. “Quando alguém que passou pelo programa não consegue chegar em uma administração pública, por exemplo, é porque tem a barreira de não conseguir o ensino e, quando consegue, ainda tem que lidar com a barreira social”, frisa Sérgio.

“Ter sido pobre na primeira infância vai além. Tem repercussão na inserção do mercado de trabalho e para além dele”, completa.

Dificuldades

As mulheres pardas do Pará, que eram crianças em 2005, experimentam uma realidade para além da dificuldade de conseguir emprego e se manter nele: 78,3% delas não foram encontradas na Rais entre 2015 e 2019, o que significa que nunca trabalharam, e 83,5% desse percentual possui baixa escolaridade, com os anos iniciais de estudo incompletos. O homem branco é o menos afetado: apenas 61,4% não teve emprego formal.

A rotina da manicure Paula Nascimento, de 28 anos, exemplifica o contexto real de dificuldade de acesso ao mercado formal de trabalho. A família da autônoma, composta por ela, a mãe solo e três irmãos, foi beneficiária do Bolsa Família desde a primeira edição do programa. “Tem muitos anos que temos ajuda do governo. Na época, quando começou, ainda éramos crianças e estudávamos”, conta.

Hoje, os cuidados da casa em que mora, no bairro do Tenoné, em Belém, são divididos entre ela e a mãe - que segue sendo beneficiária. Mesmo tendo o ensino médio completo, Paula se encaixa em diversas outras categorias analisadas pelo estudo da IMDS: o primeiro emprego formal só foi conquistado em 2023. Porém, aliar a rotina na empresa e os cuidados com o filho pequeno foram desafios que precisaram ser encarados.

“Só consegui ficar no período de experiência, porque tenho um filho e ainda tinha a questão da saúde da minha mãe. Ficou difícil continuar no trabalho e cuidar de casa. Tive que sair de lá também porque eu era explorada. O que o patrão acertou comigo não foi colocado em prática, senti uma desvalorização muito grande. Entrava 7h30 e saia às 19h30. Não tinha benefício, era um salário mínimo e só”, relata.

Paula diz, ainda, que a falta de tempo para dedicar aos cuidados do filho e da mãe, além de si mesma, foram decisivos para sair do emprego. “O pontapé para eu sair foi que a mamãe não deu conta de cuidar do meu filho. Eu precisava de uma pessoa de confiança e não podia pagar. Quando chegava em casa, tinha muita coisa para fazer, eu ficava cansada. Saí de lá para trabalhar como manicure e ter mais tempo para eles”, frisa.

Os sonhos da autônoma, entretanto, não param. Ano passado, Paula voltou a estudar para conseguir uma vaga na universidade e dar início ao curso de nutrição, área almejada e identificada por ela. “Eu pretendo estudar e me formar em outra área, gosto muito de nutrição, futuramente, se Deus quiser, pretendo cursar uma faculdade e atuar nesse ramo, sair dessa vida…”, finaliza.

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