Mães encaram desafio do custo de alimentos para crianças com alergia em Belém
Preço elevado e falta de conscientização pressionam o orçamento de famílias, enquanto alternativas caseiras e apoio profissional surgem como soluções viáveis.
Preço elevado e falta de conscientização pressionam o orçamento de famílias, enquanto alternativas caseiras e apoio profissional surgem como soluções viáveis.
O aumento no custo de produtos alimentícios sem glúten e sem lactose tem gerado um grande desafio para as famílias de crianças com alergias alimentares. Embora esses produtos sejam essenciais para garantir a saúde e bem-estar de muitos pequenos, o preço elevado tem impactado diretamente o orçamento familiar. Enquanto nutricionistas buscam alternativas mais acessíveis, mães relatam a luta diária para garantir uma alimentação segura e equilibrada para os filhos. A falta de apoio institucional e a conscientização pública sobre o problema também complicam ainda mais a situação.
Em um cenário onde a alimentação é crucial para crianças com intolerâncias e alergias alimentares, as famílias se veem obrigadas a fazer escolhas difíceis entre manter a dieta adequada e respeitar as restrições orçamentárias.
De acordo com a ASBAI (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia), cerca de 8% das crianças de até 2 anos no mundo sofrem de alguma alergia alimentar. Esse número, embora alarmante, reflete apenas uma parte do problema, pois no Brasil não existem estatísticas oficiais que indiquem com precisão a quantidade de crianças afetadas.
Segundo a entidade, o leite e o ovo são os principais alimentos que causam reações alérgicas na infância, seguidos do trigo e, mais recentemente, de amendoim, castanhas e até mesmo frutas como a banana.
Essa realidade, no entanto, tem se refletido em uma outra questão importante: o custo de alimentos adequados para essas crianças. Alimentos sem lactose e sem glúten, essenciais para garantir a saúde das crianças com alergias, são significativamente mais caros que os convencionais, o que tem colocado as famílias em uma situação financeira delicada.
Mães como Laura Vieira, nutricionista e mãe de um menino de 3 anos com alergia a glúten, têm enfrentado um aumento de até 200 reais mensais apenas com a compra de produtos sem glúten.
"Nos últimos meses, os preços aumentaram cerca de 20%. Por exemplo, a aveia sem glúten custa pelo menos 9 reais, enquanto a versão com glúten custa 3 reais", conta.
Esse aumento, somado à necessidade de substituir outros itens alimentícios, tem pressionado ainda mais o orçamento das famílias.
Além disso, muitos produtos com restrição a glúten ou lactose são mais difíceis de encontrar, e a variedade entre supermercados pode variar bastante, o que obriga as famílias a se adaptarem constantemente.
Tainá Danin, mãe de um menino com intolerância a glúten, relata: "Percebemos a diferença de preço entre os produtos e, para reduzir o impacto financeiro, migraremos de supermercado sempre que possível, buscando opções mais acessíveis. Mas, sem dúvida, houve um aumento significativo nas despesas."
Os nutricionistas consultados apontam que o custo elevado desses produtos se deve a vários fatores. Para Giulia Priante, nutricionista especializada, o processo de produção é um dos principais responsáveis.
"Produtos sem glúten ou sem lactose exigem uma produção separada para evitar contaminação cruzada, o que torna o processo mais caro. Além disso, as matérias-primas, como farinhas alternativas e enzimas, são naturalmente mais caras", explica.
O nutricionista Lucas Ximenes também reforça essa ideia.
"O preço de produtos sem lactose e sem glúten é aumentado devido à oferta e procura. Como esses produtos são fabricados em menor escala, o custo é naturalmente mais alto. Além disso, a presença de enzimas e farinhas mais caras, como farinha de amêndoas e arroz, contribui para o valor elevado", afirma.
Segundo ele, "isso gera um reajuste financeiro nas famílias. Muitas tentam substituir esses produtos por alternativas mais baratas ou versões caseiras."
A demanda menor também contribui para o aumento do preço, pois a produção em larga escala de produtos convencionais gera economia e diminui os custos. Além disso, muitos desses produtos acabam sendo direcionados para um público com maior poder aquisitivo, o que resulta em um marketing direcionado para esse nicho e, consequentemente, um valor mais alto.
A alimentação adequada para crianças com intolerâncias alimentares não se resume à compra de alimentos especializados. Para muitas famílias, as dificuldades diárias incluem a contaminação cruzada, especialmente no caso de intolerância ao glúten.
Tainá Danin compartilha que "a maior dificuldade é garantir que meu filho não seja contaminado, pois em casa ainda temos produtos com glúten. Isso exige muito cuidado, como separar utensílios e louças."
Além disso, o cenário em restaurantes e estabelecimentos comerciais também se apresenta desafiador. Muitas vezes, os atendentes não possuem o conhecimento necessário sobre os produtos sem glúten ou sem lactose, o que aumenta o risco de reações alérgicas e torna o processo ainda mais frustrante.
Para Lucas Ximenes, essa falta de conscientização é um problema sério.
"Há uma enorme falta de informação sobre alergias alimentares. Muitas famílias não sabem como adaptar a alimentação, e as próprias instituições de saúde e restaurantes muitas vezes não têm a preparação necessária para atender a essas demandas, o que resulta em maior risco de complicações para as crianças”, declara.
Diante da dificuldade de acessar produtos especializados, muitas famílias buscam alternativas caseiras e receitas adaptadas para garantir uma alimentação saudável e acessível.
Laura Vieira, que além de nutricionista é mãe de um filho com alergia alimentar, destaca a importância do preparo caseiro. "Cozinhar em casa, fazer farinha e leite vegetal, por exemplo, são alternativas mais baratas e saudáveis. Isso requer tempo e paciência, mas é uma solução viável", afirma.
Além disso, a orientação profissional pode ajudar as famílias a fazer escolhas mais inteligentes. A nutricionista Giulia Priante recomenda que as famílias priorizem alimentos naturalmente sem glúten ou lactose, como arroz, legumes, frutas, carnes e ovos. "Esses alimentos são mais acessíveis e nutritivos, e a cozinha caseira pode ser uma solução para quem enfrenta dificuldades financeiras."
Lucas Ximenes também reforça essa ideia, sugerindo substituições inteligentes para reduzir custos.
"Trocar produtos industrializados caros por versões caseiras é uma excelente maneira de economizar. Por exemplo, preparar leite vegetal em casa, ao invés de comprar versões prontas, é muito mais acessível e saudável. Além disso, planejar as refeições de forma estratégica pode ajudar a evitar desperdícios e manter o orçamento sob controle", recomenda.
Apesar das dificuldades enfrentadas pelas famílias, a falta de políticas públicas que incentivem a produção de alimentos sem glúten e sem lactose mais acessíveis agrava ainda mais a situação. Para as mães e nutricionistas entrevistadas, o apoio governamental é essencial para tornar esses produtos mais acessíveis e para promover a conscientização sobre alergias alimentares.
"Não há um controle rigoroso sobre os rótulos e muitas vezes os produtos 'sem glúten' podem ter contaminação cruzada. O apoio público é inexistente, e a sociedade ainda não entende a seriedade das alergias alimentares", diz Laura.
Lucas Ximenes conclui: "O governo poderia implementar políticas públicas que incentivassem a produção e distribuição desses produtos de forma mais acessível. Além disso, seria fundamental uma maior conscientização da população sobre as alergias alimentares, para que as famílias não se sentissem isoladas ou incompreendidas."