Legislação permite que trabalhador 'demita' a empresa
Justa causa pode ser pedida pelo próprio funcionário, por meio da chamada rescisão indireta
Muito se fala nas demissões por justa causa, previstas no artigo 482 das Consolidações das Leis Trabalhistas (CLT). Nesta situação, o funcionário é desligado da empresa por ter violado regras e acordos trabalhistas de forma grave, encerrando a relação com o empregador. Porém, também existe o outro lado da moeda, quando a justa causa é pedida pelo próprio trabalhador, que “demite” a empresa onde trabalha, por meio da chamada rescisão indireta.
Como explica a advogada Mylene Costa, especialistas em direito do trabalho, esta rescisão nada mais é do que o empregado pedir demissão, mas garantir suas verbas rescisórias. Isso quer dizer que o trabalhador receberá recursos que não estão previstos em uma demissão comum ou quando a empresa demite por justa causa: aviso prévio; décimo terceiro salário proporcional; férias vencidas e proporcionais; multa sobre o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) e outros.
“A rescisão indireta está prevista na CLT, no artigo 483, e é quando o empregado rescinde o contrato de trabalho, quando ele demite a empresa ou quando ele entra com justa causa contra a empresa. Neste caso, é o empregador que dá motivo para que o contrato seja rescindido pelo empregado, e não o contrário, mas sem que sejam perdidos os direitos rescisórios comuns. Esse artigo tenta trazer um certo equilíbrio no contrato, porque o 482 traz as hipóteses da justa causa contra o funcionário, esse faz o contrário”, afirma Mylene.
Casos previstos
No entanto, esta rescisão só pode ser solicitada em alguns casos previstos no artigo. Pela CLT, há sete situações possíveis: quando forem exigidos serviços superiores às suas forças, alheios ao contrato; quando o trabalhador for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; ao correr perigo manifesto de mal considerável; quando o empregador não cumprir as obrigações do contrato; se o empregador praticar contra o funcionário ou pessoas de sua família ato lesivo da honra e boa fama; quando o empregador ofender o trabalhador fisicamente, salvo em caso de legítima defesa; e quando o empregador reduzir o seu trabalho, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
Entre esses sete itens citados no artigo, cabem inúmeras situações. Por exemplo, falhas ou atrasos no pagamento de salários; recolhimento irregular do FGTS; rebaixamento de função e de salário; agressões físicas e verbais; exigir que o funcionário tenha alguma prática ilegal; exposição a perigos ou males; assédio moral ou constrangimento; exigência de atividades fora do contrato; descontos do vale-transporte; falha no fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI); entre outras práticas.
“As opções descrevem as situações e aplicamos caso a caso. Uma hipótese muito comum na Justiça do Trabalho é essa questão de não cumprir o contrato, que é a opção ‘d’. Há muitos casos em que o empregador não recolhe o FGTS; às vezes o trabalhador está há anos atuando com carteira assinada e só depois vê que não tem FGTS recolhido”, comenta a especialista em direito do trabalho.
Assédio
Há ainda os casos de assédio, seja moral ou sexual, que podem ser caracterizados no rigor excessivo ou na questão da honra do funcionário, dependendo de cada caso. E, mais especificamente sobre a pandemia da covid-19, que mudou as relações de trabalho, Mylene diz que é possível tentar rescisão indireta caso a empresa não forneça materiais de proteção pessoal, como álcool em gel e a higienização de ambientes. No entanto, ela lembra que o Judiciário poderá acatar apenas os casos que ocorreram em ambientes mais propícios para a contaminação, em que poderá ser concedida a justa causa alegando risco de mal considerável à saúde.
Seja qual for o caso, o trabalhador precisará provar as dificuldades vivenciadas no ambiente de trabalho. As provas dependerão do caso e do contexto, podendo ser apresentadas fotos, vídeos, áudios, capturas da tela do celular, a própria folha de pagamento, entre outros documentos. Para saber o que será necessário, é imprescindível a ajuda de um advogado.
Segundo a advogada, quando há a rescisão indireta, o trabalhador precisa buscar as verbas a que tem direito judicialmente, salvo hipótese de que o empregador queira, espontaneamente, fazer o pagamento dos recursos, o que é raro. “Sempre que um trabalhador tenta resolver isso sem ação trabalhista, sai prejudicado, porque a empresa paga apenas as férias e décimo terceiro; e o empregado sai sem a multa pelo FGTS, sem aviso prévio e sem o seguro-desemprego”, diz.
Daí a importância, para Mylene, da atuação de um especialista, que pode orientar o trabalhador antes mesmo dele deixar a empresa, o que torna mais fácil a junção de provas e testemunhas. Apesar disso, a Justiça do Trabalho pode até ser acionada sem advogado, mas apenas no primeiro grau; a partir do momento em que é necessário um recurso, o advogado deverá atuar na causa.
“Não aconselho fazer sozinho, porque a rescisão indireta é uma ação complexa, vai depender de uma assistência técnica e qualificada para dar suporte ao funcionário. Ele vai dizer as provas necessárias, porque são muito variadas; e também terá mais capacidade para fazer um acordo extrajudicial. Isso é vantajoso porque o funcionário não fica meses esperando, às vezes a empresa acha que não vale o risco de responder a uma ação judicial e consegue fazer um acordo”, explica.
Cada caso, um caso
Ainda de acordo com a advogada, a Justiça do Trabalho no Brasil é avançada e eficaz para garantir os direitos do trabalhador. Porém, não se deve generalizar, já que nem todos os casos cabem na rescisão indireta, e é preciso analisar as situações de forma individual.
“O que se tem que entender é que o trabalhador não está fazendo aquilo para se beneficiar. Naquele momento, ele não queria sair do seu emprego, não tem outra renda garantida, nem outro trabalho para justificar a saída da empresa. Ele está saindo porque tem certos prejuízos naquele ambiente de trabalho. Então está sendo forçado pelas circunstâncias. Não seria justo pedir demissão e abrir mão de seus direitos”, argumenta a advogada trabalhista Mylene Costa.
Após a decisão definitiva, em que não cabem mais recursos jurídicos, o ex-funcionário tem garantidos todos os seus direitos da CLT, incluindo 40% de acréscimo do total da indenização do FGTS e os documentos para entrada no seguro-desemprego. O afastamento das atividades pode ocorrer com decisão provisória.
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