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Joanna Martins fala sobre os desafios do mercado de produtos naturais da Região Norte

Empresária foi reconhecida como uma das pessoas mais inovadoras da América Latina

Emilly Melo

Desde 2014, Joanna Martins, de 43 anos, se debruça sobre o mercado de produtos típicos da região Norte. A empresária é CEO e fundadora de uma empresa que comercializa ingredientes clássicos da culinária local, como tucupi e jambu. Martins foi reconhecida como uma das pessoas mais inovadoras da América Latina 2023, lista divulgada pelo grupo Bloomberg, especializado em economia e investimento.

Com alimentos cultivados de forma sustentável, por meio do trabalho com agricultores locais, a Manioca produz geleias de pimenta de cheiro, de priprioca e de taperebá; o doce de cupuaçu; o molho de tucupi preto e o tucupi temperado; o licor de flor de jambu e o feijão manteiguinha, dentre outros.

Filha do chef Paulo Martins, falecido em 2010, Joanna revelou ao Grupo Liberal os motivos que a levaram a empreender e apostar nos ingredientes típicos do Pará. Confira.

Como você decidiu investir no mercado de ingredientes típicos da região?

Eu acho que tudo começou antes de eu nascer, porque o embrião veio da minha família, que atuou na gastronomia paraense durante mais de 50 anos. Então, nasci nesse meio onde a gente enxergava o valor dessa comida e trabalhava para difundir e valorizar. Só depois que eu morei em São Paulo que percebi todo esse potencial, quando começou a me incomodar muito o fato de que tínhamos aqui [no Pará] sabores incríveis e que o resto do Brasil e do mundo não conheciam. Me incomodou porque eu via nisso uma oportunidade de desenvolvimento para a região e, ao mesmo tempo, me achava egoísta de tudo o que temos aqui ser só nosso, eu via que, de alguma forma, a Amazônia não era valorizada e nem conectada com o Brasil, foi quando eu juntei todas essas pontas e vi que existia um potencial gigante de levar os nossos sabores para o Brasil e para o mundo.

Isso é uma forma extremamente boa, pois valoriza a nossa cultura, gera emprego, renda, mantém a floresta preservada. Foi aí que eu fundei a Manioca, com o objetivo de comercializar para cozinheiros, o que já era feito pela minha família, mas profissionalizei esse trabalho, também com o intuito de levar essa comida para o dia a dia das pessoas de todo o Brasil e não ficar restrita a restaurantes.

Falando sobre geração de emprego e sustentabilidade, qual o impacto que a sua empresa gera na sociedade?

Eu acho que é extremamente positivo porque fazer parte dessa lista de pessoas reconhecidas, de alguma forma, estimula os jovens da nossa região a sonhar com isso também. Acho que quando não temos horizontes e nem referências do nosso território desiste antes de tentar. Eu não comecei isso do nada, eu tive referências da minha avó e do meu pai, que foram pioneiros nesse processo, e segui isso de outra forma, com a minha personalidade. A partir disso, quando a gente entende o valor que a biodiversidade tem, existe um potencial gigantesco.

A gente não muda a realidade se não apostar em coisas novas e não correr riscos [...] A gente compra ingredientes dos nossos povos, sejam agricultores familiares, comunidades extrativistas ou ribeirinhas, mas também ajudamos a desenvolver esses povos. Nossos fornecedores ainda não são profissionalizados ou totalmente conectados com o mercado, por isso, muitas vezes, eles não têm uma qualidade de vida ideal. A valorização da floresta é o que o mundo quer da gente, mas pensando em nós, como povos da região, a gente precisa pensar na nossa qualidade de vida e na nossa cultura. Trabalhar com esses ingredientes fortalece muito isso.

Como é para você perceber que os ingredientes aqui do Estado estão sendo levados para outros países?

É um orgulho gigantes como para qualquer paraense. Fomos educados para não ver o nosso valor. Quando estudamos, as nossas referências são quase todas externas, mas é extremamente gratificante. Às vezes, a gente fica na intenção de achar que o outro vai fazer pela gente. Me incomodei em perceber que não tem as nossas comidas lá em São Paulo. Eu resolvi fazer algo para mudar essa realidade e não fiquei esperando por ninguém. Isso tudo é um sistema, quando as engrenagens começam a funcionar juntas, tudo se potencializa. Temos que ter um olhar do 'para a gente primeiro'. Não é porque o mundo está comprando que é mais especial do que a gente mesmo valorizar o que é nosso.

Quais as principais mudanças e desafios que você tem enfrentado nessa trajetória?

O ecossistema. A nossa população, os nossos empresários, os nossos governantes, começaram a perceber isso e estão começando a criar um espaço de apoio. Fazer sozinho é muito difícil. Ser empreendedor no Brasil é super difícil, mas fazer isso na Amazônia, distante do mercado, é mais difícil ainda, já fazer isso com povos da floresta traz mais uma camada de dificuldade. Ter várias entidades apoiando o desenvolvimento da bioeconomia facilita com que os jovens que querem empreender nessa área. Acho extremamente importante que esse ecossistema se desenvolva cada vez mais.

Hoje, os maiores desafios são acessar o mercado, porque comercializamos produtos que não são conhecidos pelo Brasil, existe um esforço que precisamos fazer para apresentar esses produtos. Por outro lado, não temos um setor industrial desenvolvido no nosso Estado e na região amazônica como um todo. Existe esse desafio de formar mão de obra. Existe a questão da logística e várias dinâmicas que são super desafiadoras nesse negócio.

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