Inflação aperta orçamento da classe média no Pará e corrói o poder de compra, dizem economistas
A realidade da classe média de Belém não está isolada; ela faz parte de um quadro mais amplo, em que o custo de vida afeta diretamente as expectativas de consumo e qualidade de vida
O estilo de vida da família de classe média no Pará enfrenta uma grande adversidade: a pressão inflacionária. Os belenenses, especialmente, têm sentido os impactos diretos do aumento dos preços, principalmente na alimentação, moradia e transporte. O custo de vida vem aumentando de forma acelerada, e o cenário para quem depende de um salário fixo é cada vez mais difícil. Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a metade do salário de muitos trabalhadores na capital já é comprometida apenas com a compra da cesta básica.
Everson Costa, supervisor técnico do Dieese, destaca o cenário complicado vivido pelos trabalhadores do Pará. “Hoje, o principal gasto do trabalhador é com alimentos, e esse aumento está sendo sentido de forma muito intensa. Um assalariado chega a gastar metade do que ganha só para comprar itens da cesta básica, e os custos de itens tradicionais da região, como o açaí e o pescado, também não param de subir", explica Costa. "Além disso, a região vive uma disparidade econômica: o Pará é o maior estado da região Norte em termos de produção, mas tem uma das piores rendas per capita do país. Isso cria um verdadeiro estrangulamento no orçamento dos paraenses."
A disparidade entre a produção econômica e o poder aquisitivo reflete-se no comportamento das famílias, que, na busca por manter o padrão de vida, recorrem a outras fontes de crédito, como cartões de crédito e empréstimos. Costa revela que mais de 2 milhões de paraenses estão endividados devido ao uso excessivo do crédito. "O cartão de crédito se tornou uma extensão do salário. Quando não dá para comprar alimentos ou pagar contas, as pessoas se veem obrigadas a recorrer ao crédito, e o ciclo de endividamento continua", observa.
A realidade da classe média de Belém não está isolada; ela faz parte de um quadro mais amplo, em que o custo de vida afeta diretamente as expectativas de consumo e qualidade de vida. Wesley Oliveira, economista e consultor em planejamento governamental, explica que a definição de classe média no Brasil é fluida e varia de acordo com a região. "Na maioria dos casos, a classe média é definida pela renda, mas fatores como acesso a bens e serviços e custo de vida local também devem ser considerados", afirma Oliveira. "Em Belém, o aumento nos preços de moradia e alimentação tem pressionado muito essa classe, que se vê reduzida a consumir menos e, muitas vezes, priorizar as necessidades básicas.”
Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação na região metropolitana de Belém foi de 4,70% em 2024, uma leve variação em relação à média nacional, que foi de 4,83%. Porém, os itens essenciais, como alimentação e moradia, registraram aumentos consideráveis. O preço dos aluguéis residenciais, por exemplo, teve um aumento de 4,56% em 2024, um dos maiores entre as 16 áreas pesquisadas pelo IBGE. No segmento de alimentos, os preços dispararam: a carne, por exemplo, teve um aumento de 14,55%, mais de três vezes a média nacional.
Esses aumentos são sentidos em diversas áreas da vida cotidiana, e a classe média tem sentido os impactos na saúde, educação e lazer. Oliveira explica que, na saúde, produtos farmacêuticos e planos de saúde aumentaram 8,25% e 7,85%, respectivamente, em 2024. "Isso significa que os belenenses estão pagando mais por serviços que antes eram mais acessíveis", alerta. Já na educação, as mensalidades escolares e o preço de material didático tiveram aumentos de 7,51% e 15%, respectivamente, pressionando o orçamento das famílias.
A inflação, portanto, não afeta apenas o bolso, mas também a percepção da classe média. Para muitos, a sensação de ascensão social tem se esvaziado. "O aumento nos preços de produtos básicos está mudando os hábitos de consumo da classe média", aponta Oliveira. "A carne, por exemplo, teve redução de preços em 2023, mas em 2024 o aumento foi de 14,6%, o que fez muitas famílias reduzirem ou até substituiram o consumo."
Neste cenário, há quem defenda medidas fiscais como uma possível solução. A isenção do Imposto de Renda para rendimentos de até R$ 5 mil, por exemplo, poderia aliviar um pouco o orçamento das famílias da classe média em Belém. "Essa medida poderia permitir que as famílias utilizassem esse recurso para aumentar o consumo ou investir em outros bens e serviços", afirma Oliveira.
No entanto, as políticas fiscais precisam ser mais eficazes, considerando as disparidades econômicas regionais. O desafio, para especialistas como Oliveira, é garantir que a classe média receba suporte diante da inflação persistente. "A falta de progressividade no sistema tributário penaliza a classe média", conclui.
A pressão inflacionária e a disparidade entre a produção de riqueza e o poder aquisitivo dos paraenses seguem comprometendo o orçamento familiar, principalmente em Belém, onde a classe média é forçada a repensar seus hábitos de consumo enquanto tenta sobreviver ao aumento constante dos preços.