MENU

BUSCA

Fraudes no mercado de carbono podem gerar R$ 20 milhões em indenização, diz DPE-PA

Coordenadora do Núcleo das Defensorias Públicas Agrárias do Pará disse que as investigações já foram concluídas, com prazo para defesa dos requeridos. Outras irregularidades no mercado de carbono no Pará estão sob análise.

Gabriel da Mota

Em julho de 2023, a Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE-PA) levou à Justiça casos de empresas, brasileiras e estrangeiras, que teriam gerado e vendido créditos de carbono em terras públicas da Amazônia, sem autorização do Estado. Em entrevista ao Grupo Liberal, a defensora pública e coordenadora do Núcleo das Defensorias Públicas Agrárias do Pará, Andreia Barreto, falou sobre a conclusão daquelas investigações, que podem gerar indenizações de R$ 20 milhões, e o acompanhamento de novos casos de irregularidades neste mercado. 

As quatro ações civis públicas (ACPs) ajuizadas no ano passado pela DPE-PA denunciavam violação ao direito dos territórios tradicionais de famílias em cinco assentamentos estaduais agroextrativistas na área rural de Portel, no Pará. De acordo com as ACPs, houve grilagem de terras públicas nessas localidades por meio do uso ilegal de Cadastros Ambientais Rurais (CARs) como documentos de propriedade. Como requeridos nas ações, foram elencados: o Município de Portel; Jonas Akila Morioka (apontado como proprietário de algumas terras usadas pelos projetos); Michael Edward Greene (sócio-administrador de quatro das oito empresas investigadas); RMDLT Property Group; Brazil Property Group; Brazil Agfor; Agfor Empreendimentos; ADPML - Oak Trust; Amigos dos Ribeirinhos Assessoria Ambiental Eireli; BLB Florestal; Associação dos Ribeirinhos e Moradores de Portel; e Sindicato dos Produtores Rurais de Portel.

“Empresas e organizações desenvolvem atividades consideradas poluidoras, de emissão de gases de efeito estufa, e muitas dessas empresas buscam, no mercado voluntário – porque o Brasil ainda está no processo de regulamentação do mercado obrigatório – a possibilidade de compensar essas emissões”, esclarece Andreia Barreto. Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitida ou foi capturada da atmosfera, e pode ser gerada ou por demanda obrigatória (quando há regulamentação), ou por demanda voluntária. No Brasil, aplica-se o segundo caso. 

Os projetos denunciados pela DPE-PA foram categorizados como REDD+ (Redução de Emissões Decorrentes do Desmatamento e da Degradação de Florestas, em inglês). Segundo a Defensoria, esses projetos registravam como propriedades privadas espaços que são juridicamente protegidos pelo Estado, como unidades de conservação e assentamentos agroextrativistas. Três dos projetos possuíam certificação junto à empresa Verra, com sede nos EUA. “Todas as empresas identificadas como proponentes dos projetos, assim como os negociadores das terras e aqueles que se diziam proprietários foram requeridos na ação. O município de Portel também foi réu, porque emitiu atos administrativos favorecendo as empresas”, explica Barreto. As empresas compradoras dos créditos não foram alvo das investigações.

O Estado do Pará e o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) ingressaram na ação para atuar ao lado da Defensoria Pública, como assistente litisconsorcial ativo. Juntas, as quatro ações requerem indenização no valor total de R$ 20 milhões – R$ 5 milhões em cada. O dinheiro deve ir para um fundo direcionador de projetos sociais, fundiários e ambientais nas comunidades prejudicadas pelos projetos irregulares. 

O pagamento da indenização, esclarece a defensora pública, não impede a apuração de novas responsabilidades, questionadas por outros sujeitos ou até pela própria DPE-PA. “Essa responsabilidade que as ações tratam é de dano moral coletivo pela inserção de dados falsos dentro dos sistemas públicos, por gerar instabilidade social e ambiental, e por uma série de ações que acabaram colocando em risco o meio ambiente e as pessoas envolvidas neste meio”, resume. Ainda não há prazo para pagamento da indenização, que será determinado na fase de sentença, após análise de um juiz. Todas as ações estão com prazo para a defesa dos requeridos.

“Muitas empresas ainda estão tentando entrar neste mercado, como uma empresa de locação de veículos, por exemplo, que tenta entrar com um objeto social que não corresponde [ao mercado]. Nós temos, também, casos de empresas com histórico de atuação nesse tipo de projeto”, informa a coordenadora do Núcleo das Defensorias Públicas Agrárias do Pará. O objeto social é uma descrição clara das atividades que uma empresa pode realizar, indispensável para análise de riscos de execução desses projetos. 

O que dizem os requeridos

O assessor técnico da Prefeitura de Portel, Miro Pereira, disse à reportagem que o empresário americano Michael Edward Greene — sócio-administrador das empresas Brazil Property Group, Agfor Empreendimentos, Brazil Agfor e Amigos dos Ribeirinhos Assessoria Ambiental Eireli —, enviou uma carta à Câmara Municipal de Portel, em fevereiro de 2022, solicitando aval para o programa Ribeirinho REDD+ e propondo que 85% dos ganhos com a negociação dos créditos de carbono ficassem com o município, a serem investidos nas frentes sociais, de segurança e de soluções de conflitos terrestres, em troca da autorização para execução do projeto. O acordo previa, ainda, a construção de 20 escolas e 20 postos de saúde como contrapartida.

“Diante dessa proposta bastante atraente, a Prefeitura de Portel decidiu ajudá-lo. Depois, descobrimos que ele [Michael] comanda uma máfia internacional sobre crédito de carbono para ludibriar as comunidades tradicionais e os povos que nelas moram, em troca de receber milhões de dólares de créditos de carbono”, afirmou. 

Segundo o assessor, a Prefeitura de Portel tomou conhecimento das denúncias durante uma audiência realizada pela DPE-PA e pela Promotoria Agrária de Castanhal no dia 24 de janeiro de 2023. “Até então, nós estávamos na boa fé de que o projeto seria bom para o município, tendo em vista a doação das escolas e postos de saúde. Quando tomamos conhecimento de diversas irregularidades apontadas na audiência pública, atribuídas a esse cidadão Michael Green, imediatamente revogamos os decretos de utilidade pública dados a três projetos de crédito carbono em Portel e informamos às autoridades”, disse o assessor técnico. 

A Associação dos Ribeirinhos e Moradores de Portel disse, à reportagem, que não esteve envolvida em nenhuma negociação de créditos de carbono. “Nosso papel era somente fazer parte das ações de contrapartidas sociais do projeto. Depois que a Defensoria ajuizou as ações, fizemos uma reunião, no dia 4 de novembro de 2023, para debater se o projeto Ribeirinho REDD+ continuaria ou não, para a qual foram convidadas as lideranças de comunidades tradicionais, seus representantes jurídicos, Michael Greene e sua esposa, Evelise Greene”, afirma Diego Pereira, atual presidente da Associação. Evelise é sócia-administradora da BLB Florestal. 

Segundo Diego, as dúvidas referentes à continuidade do projeto foram enviadas a Greene, que não compareceu à reunião, nem as respondeu. “Então, solicitamos o cancelamento do projeto à própria Verra [certificadora], mas a mesma disse que ele estava encerrado desde julho de 2023. Perguntamos se a Associação fazia parte de algum outro projeto, como a defensora acrescentou nos processos. A Verra disse que não. Nunca fomos procurados por nenhum outro proponente”, finalizou Diego.

Procurados por e-mail, os demais requeridos na ação não retornaram contato até o fechamento deste texto. 

Atuação do Estado no combate às irregularidades

No início de abril, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), disse à Folha de S. Paulo que a primeira emissão de créditos de carbono feita pelo Estado deverá ser anunciada no final de junho, durante a Semana da Ação do Clima em Londres. A operação deve envolver 1 milhão de créditos de carbono. Em um evento da Associação Comercial de São Paulo no dia 22 daquele mês, Barbalho explicou o modelo de mercado jurisdicional de carbono, no qual os créditos são gerados a partir da variação positiva na taxa de desmatamento em relação a anos anteriores. 

O cálculo é feito considerando todo o território, inclusive áreas privadas. Em negociação com a Coalizão Leaf, que reúne 25 grandes empresas (como Amazon, Unilever e Nestlé) e quatro países desenvolvidos (Coreia do Sul, Estados Unidos, Noruega e Reino Unido), o Pará deve vender cada crédito de carbono pelo valor de US$ 15. Considerando as projeções do governador de 153 milhões de créditos de carbono até 2026, a arrecadação para o Estado ficaria em US$ 2,3 bi (o equivalente a R$ 12 bi). Ainda de acordo com Helder, 40% do valor deve ser destinado a políticas ambientais, e os outros 60% serão divididos entre comunidades indígenas, quilombolas e produtores rurais. 

À reportagem, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) esclareceu que o Estado não tem a atribuição de fiscalizar transações privadas de crédito de carbono. Quando há investigações sobre projetos desenvolvidos em áreas públicas sem anuência do Estado, a Secretaria apoia ações judiciais que buscam a anulação dessas vendas. A Semas disse, ainda, que o mercado voluntário de carbono é auto regulado pelas companhias que compram os créditos em articulação com as certificadoras, e que não existe projeto de lei estadual sobre o assunto. Também não existem projeções sobre o número de projetos privados de REDD+ no Pará.

Economia