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Economistas paraenses preveem desaceleração nos setores de comércio e serviços após pacote

O governo federal anunciou uma série de mudanças para economizar dinheiro em gastos públicos nos próximos anos

Elisa Vaz

Um conjunto de medidas que prevê a economia de até R$ 327 bilhões em gastos públicos até 2030 foi apresentado pelo governo federal nesta quinta-feira (28), por meio do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Entre as propostas estão mudanças no salário mínimo, no abono salarial, na aposentadoria de militares e nos recursos da educação. Em paralelo, foi anunciada também uma espécie de reforma na tabela do Imposto de Renda.

Em relação ao salário mínimo, o governo anunciou que vai limitar a valorização real da remuneração básica à mesma regra do arcabouço, o que significa que o salário vai continuar tendo ganho acima da inflação, porém, o crescimento real será limitado a 2,5% por ano. Pelas regras atuais, o piso nacional é reajustado a partir da inflação do ano anterior e a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos.

Impactos da mudança

O economista Douglas Alencar, professor do Programa de Pós-graduação em Economia da Universidade Federal do Pará (UFPA), afirma que, para a economia nacional, o impacto do limite de aumento do salário mínimo é “altamente negativo”. “Isso ocorre, principalmente, porque a economia brasileira é fortemente dependente dos salários, e uma restrição no aumento do salário mínimo tende a gerar efeitos prejudiciais no crescimento econômico”, diz.

Além disso, de acordo com ele, os aumentos no salário mínimo têm um “papel crucial” na redução da desigualdade social, portanto, Douglas acredita que, no futuro, o pacote apresentado será regressivo, especialmente em termos de distribuição de renda. Especificamente para a economia do Pará, os efeitos são semelhantes, segundo ele, com uma possível desaceleração do crescimento e a diminuição nas possibilidades de redução da desigualdade. Mas, como a economia paraense é bastante informal, o professor acredita que o impacto dessa medida deve ser, de certa forma, mitigado.

Já o economista Nélio Bordalo Filho, conselheiro do Conselho Regional de Economia do Pará e Amapá (Corecon-PA/AP), diz que, ao limitar o aumento do salário mínimo, o governo busca reduzir o impacto fiscal, especialmente em gastos obrigatórios como previdência e assistência social. Isso, para ele, favorece a contenção do déficit, importante para restaurar a credibilidade fiscal.

“Contudo, o impacto no consumo das famílias de baixa renda pode ser significativo, já que o salário mínimo é uma referência para milhões trabalhadores brasileiros. No Pará, onde uma grande parcela da população depende diretamente do salário mínimo, eu avalio que essa medida pode desacelerar o consumo, especialmente em setores como comércio e serviços, que têm papel crucial na economia paraense”, avalia. Nélio afirma que a contenção requer políticas complementares para evitar retração econômica.

Aposentadoria de militares

Pelo pacote anunciado pelo governo federal, alguns benefícios serão extintos, como a transferência de pensão e a morte ficta, que permite que parentes de militares desligados continuem a receber pensão, como se o militar estivesse falecido. Também será fixada em 3,5% da remuneração a contribuição do militar para o Fundo de Saúde. E ainda será estabelecida uma idade mínima de aposentadoria para militares. Apenas as medidas que afetam os militares, segundo o governo, podem ter impacto de cerca de R$ 2 bilhões por ano.

Para Douglas Alencar, as mudanças nas regras das aposentadorias dos militares são “relativamente tímidas” e o potencial de economia gerado é baixo. Dessa forma, ele acredita que seja improvável que as alterações tenham um impacto relevante na capacidade de investimento público. Para que o governo consiga aumentar sua capacidade de investimento, seria necessário um conjunto de reformas mais robusto e abrangente, segundo o economista.

Nélio Bordalo, por sua vez, destaca que o governo pode economizar recursos, criando espaço fiscal para investimentos em áreas estratégicas, como infraestrutura e programas sociais, e esse alívio fiscal pode melhorar a capacidade de atrair investimentos privados, já que projeta maior controle das contas públicas. “No entanto, a implementação pode enfrentar resistência política, especialmente em um segmento tradicionalmente alinhado ao governo. Caso a economia esperada se concretize, os recursos podem fortalecer a execução do orçamento e reduzir a dependência de endividamento”.

Outros cortes

De acordo com o governo federal, a partir de 2026, o Pé de Meia, programa que prevê pagamentos mensais e uma poupança a estudantes de baixa renda do ensino médio, será incorporado ao orçamento da Educação. Atualmente, ele é pago por meio do Fundo de Garantia de Operações (FGO), que está fora das regras do arcabouço fiscal.

Outra medida reserva 20% dos recursos da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para garantir a expansão da escola de tempo integral.

O governo também fixou uma renda de até R$ 2.640 para ter direito ao abono salarial e instituiu uma cláusula para que o valor seja corrigido anualmente pela inflação até chegar em 1,5 salário mínimo. A projeção, segundo o Executivo, é que isso aconteça em 2035. Atualmente, têm direito ao abono pessoas que ganham até dois salários mínimos (R$ 2.824).

Imposto de Renda

Por outro lado, foram anunciadas mudanças na tabela do Imposto de Renda a partir de 2026. Uma delas é a isenção do tributo para quem ganha até R$ 5 mil por mês - hoje, o limite de isenção é de R$ 2.824. Com isso, aqueles que ganham até R$ 7.500 mensais pagarão uma alíquota menor.

A medida deve ter um impacto de R$ 35 bilhões e, para compensar a queda na arrecadação, contribuintes que têm uma renda superior a R$ 50 mil por mês vão passar a pagar um pouco mais. Será estipulada uma alíquota mínima de 10%. Além disso, a isenção do imposto de renda por razões de saúde será limitada àqueles que ganham até R$ 20 mil por mês. Essas mudanças, segundo Haddad, garantem que a perda estimada na arrecadação de R$ 35 bilhões seja compensada.

O professor da UFPA Douglas Alencar diz que, segundo estudos econômicos, a isenção do Imposto de Renda para contribuintes com renda de até 5 mil reais por mês não gera impacto negativo significativo nas contas públicas, desde que seja compensada por um aumento de 15% na tributação de altos rendimentos. “Nesse contexto, a medida tem o potencial de expandir a base de consumo sem, necessariamente, resultar em maior desigualdade”, menciona.

Contudo, o especialista afirma que o cenário ideal seria uma reforma tributária mais profunda, que substituísse o imposto sobre consumo por uma tributação mais equitativa sobre a renda. Embora uma reforma dessa magnitude não seja viável no curto prazo, detalha, a redução do IR para quem recebe até 5 mil reais representa um avanço.

Conselheiro do Corecon-PA/AP, Nélio Bordalo ressalta que a atualização da tabela do IR, com a isenção para quem ganha até R$ 5 mil, aumenta a renda disponível das famílias de renda baixa e média, o que pode impulsionar o consumo em curto prazo. Isso beneficiaria setores como varejo e serviços, especialmente em regiões com maior concentração de trabalhadores nessa faixa, como o Norte e Nordeste.

“Entretanto, se não houver medidas compensatórias eficazes, pode agravar o déficit fiscal. Além disso, há um debate sobre a eficácia da medida na redução da desigualdade, já que famílias de renda mais alta poderiam ser pouco impactadas, dependendo de como se estruturam as novas alíquotas para faixas superiores”, finaliza.

Economia