Conexões Aquáticas: canoagem gera onda de empreendedorismo na Ilha do Combu
Ricardo Boto criou um clube de canoagem especializado em expedições para a mítica ilha de Belém, estimulando ribeirinhos locais a participarem de uma corrente de empreendedorismo.
Igor Wilson
Essa é uma história sobre dois paraenses que tiveram coragem de arriscar tudo em busca de suas raízes e que, ao fazerem isso, incentivaram mais pessoas a realizarem o mesmo, formando um círculo que gira em torno do Turismo Ecológico em Belém.
O primeiro personagem, fio condutor desta história, é Ricardo Boto, um homem que, como sugere o próprio apelido, é apaixonado por esportes aquáticos desde a infância, boa parte dela passada remando nos rios de Belém, onde se tornou ‘doutor’ em canoagem, inclusive se tornando um atleta de alta performance.
Mas o rio da vida Boto quis lhe levar por um caminho diferente em determinado momento. Se formou em engenharia ambiental, conseguiu trabalho numa das maiores mineradoras do mundo. Casou, teve uma filha. O dinheiro entrou e o estresse também. Cansado, decidiu deixar o cargo para resgatar sua conexão com a água. Fundou em 2020 um clube de canoagem na capital paraense: ‘Marear’.
“Era uma vida acelerada, foi necessário viver um pico de estresse muito grande para decidir que não era aquilo que queria, mas sim o remo e a água, meus velhos amigos”, vai contando Boto enquanto orienta os demais alunos nas duas canoas polinésias que atravessam o rio Guamá rumo à Ilha do Combu, a quarta maior das 42 ilhas que compõem a região insular do município de Belém.
A travessia para a ilha, que ganhou evidência turística e econômica nos últimos anos, a ponto de recentemente ser visitada pelo presidente Lula e seu homólogo Francês Emannuel Macron, é um dos passeios mais procurados por pessoas que buscam sair, mesmo que rapidamente, da urbanidade rumo a um pedaço de floresta que fica a 1,5 Km de distância da capital paraense.
Água de Rio. Água de Chuva
No dia em que a reportagem de O Liberal participou da expedição, uma chuva fina e insistente caiu durante toda a madrugada até o início da manhã. Mesmo assim, as duas canoas polinésias da empresa de Boto navegaram com capacidade máxima, 12 pessoas em cada embarcação. “Dificilmente não saímos com capacidade máxima, quem vem quer sempre voltar”, diz.
Saindo de uma marina particular no bairro do Guamá, as pessoas remaram em sincronia, seguindo as instruções de Boto. Alguns fizeram a expedição pela primeira vez, outros são alunos frequentes e toda semana participam. Além das embarcações e acessórios, Boto investiu em um aparelho celular de última geração, onde divulga fotos e vídeos editados por ele mesmo no perfil do clube no Instagram, principal forma de divulgação. “A maioria vem ou por indicação ou porque viu nosso Instagram”, diz Boto, que aprendeu técnicas de edição e marketing na internet.
Ricardo abriu o clube no período da pandemia. Não foi planejado, mas ele não pode reclamar. Os esportes aquáticos tiveram um aumento da procura significativo neste período. A empresa de boto tem roteiros para Ilha das Onças, Ilha dos Papagaios, Ilha de Maiandeua e para a Trilha do Mututí. Alguns são noturnos, o que dá um tom diferente à aventura.
Os prédios da capital vão ficando pequeninos, Ricardo pede para todos pararem de remar no meio do Rio Guamá para contemplarem a paisagem. Apenas o som das águas, do vento e das respirações ofegantes. Com o fôlego retomado, a remada continua até a entrada da expedição no Furo da Paciência, a “avenida principal” do Combu e seus 1.500 habitantes.
Charles Gerson, O Ex Cortador de Árvores
Charles Gerson e sua filha recém nascida. O ex-cortador de árvores agora ganha a vida recebendo turistas. (Everaldo Nascicmento/O Liberal)
Ao navegar por boa parte do furo, a equipe atraca as embarcações na palafita de Charles Gerson, o segundo personagem de nossa história, mas não menos emblemático.
O caminho de Boto e Charles se cruzou quando o primeiro foi em busca de parcerias com ribeirinhos que pudessem formar uma rede de empreendedores para receber os visitantes das expedições da Marear, incrementando mais serviços aos roteiros das expedições.
Foi o início de uma parceria que transformou a vida de Charles e sua família. Em sua palafita abriu um restaurante com capacidade para até 50 pessoas. Os pratos são produzidos com muitos ingredientes vindos de outros moradores, como peixes, pimenta, mandioca e o sagrado açaí.
Charles, caboclo alto e bom de conversa, recebe os visitantes com um café da manhã. Entre tapiocas quentinhas, bolo de macaxeira e sucos de muruci, taperebá e cupuaçu, vai contando histórias do Combu. O café da manhã está incluído no preço da expedição. Boto avisa com antecedência quantas pessoas irão e Charles e sua esposa começam o trabalho no dia anterior.
Quem vê Charles hoje vivendo exclusivamente do turismo não imagina que há alguns anos ele ganhava a vida cortando árvores. A proposta de Boto foi o divisor de águas para fazê-lo retornar às origens ancestrais, algo que nunca havia imaginado.
“Eu era desmatador, foi o pessoal desse esporte, que veio aqui propor algo novo. A vida é engraçada, meu pai tinha um sítio em Acará na década de 1980, recebia muitos turistas interessados já em conhecer a Amazônia. Tenho boas memórias. Acabei virando desmatador, mas quando veio o convite do Boto, só pensei que era um chamado, estava voltando para o meu lugar”, conta, antes de iniciar uma sessão de banho de ervas nos visitantes, receita repassada pelas antigas curandeiras para tirar a “panema”, para o “caboclo desamufiná”, como diz o ribeirinho.
Por volta das 11h, Ricardo Boto convoca todos para o retorno. Ouve pedidos para ficarem “mais um pouquinho”. Entre fotos, risadas e mergulhos, um abraço sela mais uma despedida dos dois. No próximo final de semana começa tudo de novo.
Empreendedorismo na Ilha do Combu: Aumento Expressivo
A popularidade da ilha e parcerias como a de Boto e Charles resultaram no surgimento de diversos empreendimentos dedicados ao turismo, principalmente nos últimos cinco anos. O Combu hoje é conhecido por seus restaurantes que oferecem uma verdadeira comida amazônica, com uma variedade de peixes, uma fábrica de chocolate artesanal de sucesso internacional e outros segmentos do empreendedorismo genuinamente ribeirinho.
De acordo com o Boletim de Inteligência de Mercado 2023 - Boletim de Turismo, produzido pelo Sebrae no Pará e que analisou as oportunidades e desafios das Regiões Insulares de Belém, até o ano de 2000 eram apenas três estabelecimentos. Em dez anos havia seis, o que representou um aumento de 100%, mas ainda aquém do potencial.
Já nos últimos dez anos, de 2010 a 2020, ocorreu um incrível aumento de 866,66%, totalizando 32 estabelecimentos. O número ficou melhor ainda em 2023, quando foram registrados 60 empreendimentos na ilha, quase o dobro em relação a 2020. E a tendência é aumentar ainda mais com a proximidade da COP 30.
“É um ledo engano pensar que só a parte continental de Belém vai se beneficiar com esse evento. O Sebrae no Pará enxerga diversas oportunidades também para a região das ilhas da capital. Por isso, estamos atuando desde o início em parceria com o governo do estado para posicionar o Estado do Pará como destino turístico e porta de entrada para a Amazônia”, diz o diretor-superintendente do Sebrae no Pará, Rubens Magno.
Incentivo ao turismo
No intuito de potencializar o turismo na região, instituições como o Sebrae vem desenvolvendo ao longo dos anos diversas ações voltadas ao desenvolvimento dos pequenos negócios e à comunidade da ilha.
Uma dessas iniciativas é o programa Agentes de Roteiros Turísticos, realizado em 2023. Por meio do projeto, o Sebrae desenvolveu um roteiro turístico com foco no chocolate artesanal e envolve 16 empreendimentos de Belém, incluindo três da Ilha do Combu. O roteiro é de dois dias e já está pronto para a comercialização por meio de agências de viagens que são parceiras e clientes do Sebrae.
Além disso, 12 empreendimentos da Ilha do Combu foram selecionados pelo Sebrae para receberem a consultoria de Turismo de Experiência. Cada um desses estabelecimentos criou um produto de experiência envolvendo cultura e gastronomia. Até o momento, três empreendimentos já têm os produtos prontos para comercialização, inclusive dois deles já foram comercializados. Os outros estão em fase de testes, informou a instituição.