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Beto Veríssimo defende desenvolvimento econômico sustentável para combater o desmatamento

Em uma entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, Beto Veríssimo, co-fundador do Instituto Imazon, falou sobre os impactos do desmatamento, as crises climáticas e as possibilidades de desenvolvimento sustentável na região.

Gabi Gutierrez
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Belém se torna o epicentro de uma discussão vital sobre a preservação da Amazônia e seu papel na economia global, especialmente em um momento em que a sustentabilidade é mais do que uma opção: é uma necessidade urgente. Em uma entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, Beto Veríssimo, co-fundador e pesquisador sênior do Instituto Imazon, falou sobre os impactos do desmatamento, as crises climáticas e as possibilidades de desenvolvimento sustentável na região. A sua visão é clara: a luta contra o desmatamento deve ser priorizada e, ao mesmo tempo, deve haver um esforço concentrado para criar uma economia sustentável que possa beneficiar as comunidades locais e a biodiversidade.



Em suas palavras, Veríssimo alerta que o desmatamento transcende as questões ambientais e se torna um desafio social e econômico. "Estamos vivendo duas crises: a climática e a da biodiversidade. O que acontece na Amazônia afeta não apenas os habitantes da região, mas ressoa em todo o Brasil, uma vez que a floresta desempenha um papel crucial na regulação climática e na produção agrícola", afirma.

O projeto Amazônia 2030 também foi pauta na conversa. Ele explica como o projeto surge como uma proposta inovadora para transformar a economia amazônica. Veríssimo acredita que o reflorestamento não só é uma prática ambientalmente benéfica, mas também uma oportunidade econômica viável. "O reflorestamento pode gerar empregos e atrair investimentos, criando um novo ciclo econômico baseado na sustentabilidade", destaca. Acompanhe a entrevista na íntegra:

Como o desmatamento na Amazônia impacta diretamente a economia local e, até certo ponto, a economia nacional?

Beto Veríssimo: O desmatamento é, acima de tudo, um problema social e econômico. Já passamos da fase em que era apenas uma questão ambiental. O desmatamento afeta a vida das pessoas diretamente, seja pelas queimadas que estamos vendo, que cobrem várias cidades com fumaça e afetam a saúde, ou pelos prejuízos econômicos, como a destruição de produção agrícola. Isso se reflete na economia nacional porque a Amazônia tem um papel importante na regulação climática e na produção agrícola. Se o desmatamento continuar, as consequências serão cada vez mais graves.
 

Sabemos que no futuro, o que está acontecendo agora será o resultado de uma soma de tudo que tem ocorrido com a Amazônia e os biomas de modo geral. E quais o senhor enxerga como as principais consequências a longo prazo? Especialmente para a região amazônica.

Acho que estamos vivendo duas crises, né? O mundo está mudando, o clima está mudando. Está ficando mais quente, mais imprevisível e mais extremo. Temos chuvas torrenciais, secas prolongadas e extremas. O clima está se tornando uma gangorra. Vivemos a era dos extremos, causada pelas mudanças climáticas.

A Amazônia contribui para esse problema. Quando desmatamos, colocamos carbono na atmosfera, o que agrava o clima. Então, a Amazônia é, ao mesmo tempo, parte do problema e vítima dele.

As consequências são temperaturas cada vez mais quentes. As cidades amazônicas, que já são quentes, podem sofrer com secas mais intensas. Belém não sofre tanto com secas, mas quem mora no Rio Madeira ou no Alto Solimões, por exemplo, já sente os efeitos. O sul do Pará também.

Além disso, nossa produção agrícola depende de um clima regular. Então, a vida social e econômica será muito mais difícil. Mas isso não precisa ser assim. Ainda podemos resolver esse problema. É importante destacar que o desmatamento está em queda. Estamos conseguindo reduzir isso, o que é positivo. Precisamos aprofundar essa redução e torná-la mais expressiva. A Amazônia está começando a fazer seu dever de casa. Temos muito trabalho pela frente, mas ainda há solução. Nem tudo está perdido.
 

O projeto Amazônia 2030 defende o reflorestamento como uma atividade economicamente viável. Como isso funciona na prática? É algo que pode atrair investidores e gerar emprego?

O Amazônia 2030 é um projeto que tem como objetivo transformar a economia da Amazônia, com foco na sustentabilidade, na redução do desmatamento e no desenvolvimento de novas cadeias produtivas baseadas em florestas em pé. Uma das principais frentes do projeto é justamente o reflorestamento de áreas degradadas, que pode, sim, ser uma atividade economicamente viável.

Isso envolve, por exemplo, o plantio de espécies nativas que têm valor comercial, como açaí e castanha-do-pará, que já são commodities importantes da região. A ideia é que essas cadeias produtivas possam gerar empregos locais e atrair investimentos para uma economia de baixo carbono, ajudando a mitigar os impactos das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, criar uma nova dinâmica econômica para a região.

O reflorestamento também abre a porta para o mercado de crédito de carbono, que está em expansão. Empresas e países que têm metas de redução de emissões de carbono precisam de projetos de captura de CO2, e a Amazônia tem um enorme potencial para fornecer esses serviços ambientais. Assim, além de restaurar a vegetação nativa, o reflorestamento pode ser uma forma de gerar receita para as comunidades locais e atrair investimentos internacionais.

E, com certeza, o reflorestamento pode ser altamente rentável, especialmente com espécies que têm valor econômico, como o açaí, o cacau e a castanha-do-pará. Além disso, temos um mercado internacional que paga pela captura de carbono, então, além de ser uma atividade ambientalmente benéfica, ela também pode trazer retorno financeiro. Já vemos projetos de reflorestamento no Pará, e isso só tende a crescer.
 

Quais são os maiores obstáculos para o crescimento desse mercado de reflorestamento?

Acho que são três principais. O primeiro é fundiário. A gente precisa fazer a regularização fundiária, porque esse é um mercado que quer investir, mas em áreas tituladas. Quando você tem confusão fundiária, quando o título de terra não foi passado para o proprietário, ou o título é duvidoso, isso dificulta a chegada dos investimentos. Esse é o principal fator hoje que impede que esse negócio decole de forma mais forte na Amazônia, principalmente por causa da regularização fundiária.

O segundo fator é a segurança. Estamos vivendo em uma Amazônia que está se tornando mais insegura: invasões, presença do crime organizado. E quando você fala de investimento, a preocupação é com invasões, presença de facções criminosas no território, etc. Isso é uma segunda preocupação.

A terceira é que ainda falta um reconhecimento maior, embora o Pará esteja um pouco à frente em relação aos outros estados, de políticas públicas tanto do governo federal quanto do estadual para recepcionar esses investimentos. Precisamos de políticas que ajudem a superar esses dois primeiros problemas, o fundiário e o de segurança, criando, inclusive, zonas prioritárias para a restauração. Por exemplo, toda essa região bragantina nossa, toda a região do Rio Capim, Rio Guamá, Rio Caeté... Essa parte leste do Pará é uma área muito propícia para a restauração. De Castanhal até Bragança, de Santa Maria até Paragominas, toda essa região de Barcarena, Moju, Acará, Tomé-Açu, Tailândia, são regiões com muita aptidão e muito potencial para restauração. Essas são as coisas que precisamos priorizar.


O senhor falou sobre a regularização fundiária como um passo importante para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Quais são os principais desafios para essa regularização e como vocês estão abordando a questão?

A regularização fundiária já tem um rito que foi muito bem documentado em vários trabalhos, sobre como separar o joio do trigo, ou seja, como titular áreas legítimas e separar aquelas que foram griladas. Os órgãos fundiários, tanto federais quanto estaduais, estão muito bem preparados tecnicamente para fazer esse papel.

Acredito que há uma necessidade de priorizar áreas. Nossa recomendação é focar nas áreas mais antropizadas, mais desmatadas, como essa região leste do Pará. Já a região oeste do Pará tem muito mais conflitos e disputas fundiárias, que talvez precisem ser resolvidos com mais ênfase no combate à grilagem.

A regularização fundiária não é importante apenas para a restauração, mas para qualquer atividade na Amazônia. Se você quiser fazer uma agricultura moderna, ou uma pecuária moderna, precisará de áreas regularizadas. Isso é cada vez mais necessário. As pessoas querem saber de onde vem a produção, se a propriedade está regularizada e se respeita as leis ambientais. Para mim, não tem volta: a economia rural da Amazônia só vai prosperar e avançar na direção que desejamos se conseguirmos acelerar o processo de regularização fundiária.

Além disso, há muito conhecimento acumulado sobre como fazer isso, inclusive com caminhos mais rápidos. Hoje, com imagens de satélite e tecnologias modernas, você consegue fazer a delimitação do perímetro de uma propriedade de forma muito fácil. Também é possível fazer uma análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará já utiliza, para verificar se a área está em conformidade com as regras ambientais. Acredito que precisa haver um grande esforço, uma prioridade, para que o Pará e os outros estados amazônicos coloquem metas de regularização fundiária. O Pará já está trabalhando nessa direção, e acredito que agora é só uma questão de acelerar essas soluções.
 

Falando sobre o futuro, como você enxerga o papel da Amazônia na economia global? Existe um caminho para transformar a região em um polo de desenvolvimento sustentável?

A Amazônia tem um enorme potencial para se tornar um polo de desenvolvimento sustentável. Temos biodiversidade, recursos naturais e uma floresta que, se mantida em pé, pode gerar riqueza. O mercado de carbono é uma oportunidade imensa, assim como o agroextrativismo e o ecoturismo. Se conseguirmos organizar nossa economia em torno desses pilares, poderemos transformar a Amazônia em um exemplo global de como o desenvolvimento econômico pode andar de mãos dadas com a preservação ambiental.

E para alcançarmos esse objetivo falta uma política pública mais coesa, falta regularização fundiária, falta melhorar a segurança. Mas, acima de tudo, falta uma visão estratégica de longo prazo que integre desenvolvimento econômico com conservação ambiental. Temos o potencial, temos as soluções à nossa disposição. O desafio é implementar isso de forma coordenada e contínua, envolvendo governos, setor privado e as comunidades locais. Se conseguirmos fazer isso, a Amazônia será um exemplo para o mundo.



 

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