Alta do dólar pressiona a economia paraense e eleva custos para a população
Profissionais ligados à economia falam sobre impactos do aumento da moeda para a economia do Estado
A recente alta do dólar, que atingiu pela primeira vez na história o patamar de R$ 6,00, tem gerado efeitos profundos na economia paraense. Enquanto setores exportadores, como os de minérios e carnes, se beneficiam com a valorização da moeda americana, consumidores enfrentam preços mais altos em alimentos, eletrônicos e outros produtos dependentes de insumos importados. Profissionais ligados à economia comentam os impactos do aumento da moeda para a economia do Estado.
O dólar, que iniciou 2024 na faixa de R$ 4,80, já acumula uma alta superior a 25% desde o começo do ano, chegando a um pico de R$ 6,30. Esse aumento não ocorre por acaso. Segundo analistas, ele é impulsionado, entre outros fatores, pela instabilidade fiscal interna, com o aumento do prêmio de risco do Brasil, e por disputas envolvendo a formação da última taxa Ptax (referência para contratos denominados em real em bolsas de mercadorias no exterior) do mês. Embora a moeda americana tenha mostrado um enfraquecimento no mercado internacional, o mercado local reage a uma série de questões internas que explicam a escalada histórica do câmbio. Esse movimento, com reflexos diretos na economia, exige um olhar atento para os impactos locais, especialmente no Pará, um estado cuja economia é fortemente influenciada por fatores externos, como a cotação do dólar.
Consumo
Os paraenses já começam a sentir o impacto da alta do dólar no dia a dia, com os preços de produtos básicos subindo, em especial, nas compras de fim de ano. Everson Costa, supervisor técnico do Dieese, explica que o aumento do dólar afeta diretamente a formação dos preços, uma vez que o estado depende de insumos importados para a produção de muitos bens. “Os panetones, por exemplo, tiveram um aumento de 15% no preço, e as frutas natalinas importadas, como peras, maçãs e uvas, registraram reajustes de até 38%”, afirma. Esse aumento de custos se reflete também em outros itens consumidos pelo paraense ao longo do ano.
Os produtos alimentícios não são os únicos afetados pela alta da moeda americana. Os eletrônicos, especialmente, estão mais caros, o que foi claramente observado durante a Black Friday deste ano, quando muitos consumidores perceberam que os descontos foram menos atrativos em comparação a anos anteriores. “Com a alta do dólar, os preços dos eletrônicos e de outros bens, como roupas e acessórios importados, tendem a ficar ainda mais altos nos próximos meses. Isso impacta diretamente o consumo, principalmente no período natalino, quando muitos itens entram na lista de desejos das famílias”, comenta Costa.
Além dos produtos importados, a indústria local também enfrenta desafios. A produção de carnes, por exemplo, é uma das mais afetadas, já que depende de insumos do exterior. “A indústria nacional de alimentos e a agropecuária brasileira em geral são muito dependentes desses insumos. Quando o dólar sobe, esses custos aumentam, o que reflete no preço final dos alimentos”, afirma Costa. A consequência é uma elevação generalizada nos custos de produtos, o que impacta diretamente o bolso do consumidor paraense, especialmente com o aumento da inflação.
Um dos principais impactos da alta do dólar no setor de carne é o aumento do preço de vários insumos, como os produtos para saúde do animal e ração, que são produzidos no país, mas também exportados. Logo, aumentando esses insumos, o preço do produto também se eleva.
“Ao consumidor final, ele acaba pagando mais, porque no varejo isso vai ter um peso significativo para a gente quando essa carne chegar aos supermercados, quando essa carne chegar ao mercado e açougues”, explica Costa. Por outro lado, o dólar mais alto pode permitir que a exportação desse produto encontre margens de lucro que possam ser melhores. Segundo o supervisor técnico, um “câmbio mais alto favorece as exportações, ainda que os insumos fiquem mais caros, historicamente, você vai ver que as atividades se mantêm e conseguem ter uma rentabilidade maior”. No entanto, é necessário um equilíbrio entre essas duas atividades, pois “não adianta só o dólar subir e quem exporta ganhar dinheiro e quem precisa importar insumos também gasta praticamente bem mais”, acrescenta Costa.
Exportações
Por outro lado, a alta do dólar também tem seus benefícios para certos setores da economia paraense. O professor e economista André Cutrim Carvalho, da UFPA e CORECON-PA/AP, destaca que a valorização da moeda americana traz uma vantagem para os setores exportadores, como os de minérios e carnes, que são essenciais para o Estado. “A alta do dólar torna os produtos paraenses mais competitivos no mercado internacional. O minério e a carne, por exemplo, são mais procurados, e isso gera um aumento nas receitas em moeda estrangeira. Isso, por sua vez, pode estimular a arrecadação fiscal, que, se bem gerida, pode ser direcionada para investimentos locais”, afirma Carvalho.
A exportação de minérios, em especial, tem sido um dos pilares da economia do Pará, com o estado figurando entre os principais exportadores de ferro, bauxita e outros produtos minerais. A valorização da moeda americana traz uma oportunidade para esses produtos, pois as transações realizadas em dólar tornam-se mais vantajosas para os exportadores. Esse aumento na competitividade no mercado internacional pode significar maior geração de emprego e renda, desde que os benefícios sejam bem distribuídos dentro da economia local.
Desigualdade
Contudo, esse cenário de benefícios para o setor exportador e desafios para os consumidores é um exemplo de como as desigualdades econômicas podem ser ampliadas. “Embora a alta do dólar favoreça as exportações, ela gera um aumento nos custos para os produtos consumidos internamente, como alimentos, medicamentos e combustíveis. Isso tem um impacto direto na população de baixa renda, que já enfrenta dificuldades para arcar com as despesas diárias”, explica Carvalho. Para ele, a combinação desse aumento com uma inflação já elevada no estado cria uma pressão inflacionária que pode reduzir ainda mais o poder de compra das famílias.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Belém foi a capital brasileira que registrou a maior inflação no ano passado, superando outras cidades do país. Esse cenário é ainda mais preocupante no final de 2024, com o aumento nos preços de produtos essenciais devido à alta do dólar. O impacto é especialmente forte em uma cidade onde uma parcela significativa da população vive em condições de vulnerabilidade social.
Mitigação
Para tentar reduzir os efeitos dessa valorização da moeda sobre a economia local, o economista André Cutrim Carvalho defende a adoção de políticas públicas que contemplem a proteção dos mais vulneráveis. “A implementação de subsídios e programas de controle de preços para bens essenciais pode ser uma solução para proteger o poder de compra das famílias de baixa renda no curto prazo. Já no longo prazo, investimentos em infraestrutura, inovação tecnológica e apoio a setores como a bioeconomia podem ajudar a diversificar a economia do estado e diminuir a dependência de commodities exportadas”, afirma Carvalho.
A diversificação econômica é um dos caminhos sugeridos para reduzir os impactos da volatilidade cambial. “O Pará precisa buscar alternativas que não dependam exclusivamente de minérios ou da exportação de produtos agropecuários. A criação de políticas públicas que incentivem a modernização de pequenas e médias empresas e o fortalecimento da bioeconomia pode criar novas fontes de crescimento, além de gerar empregos e aumentar a competitividade local”, aponta Carvalho.
Além disso, ele defende que os recursos gerados pela exportação de minérios e produtos agropecuários devem ser mais bem distribuídos para que a população local também se beneficie do crescimento econômico. “É fundamental que a arrecadação fiscal oriunda das exportações seja utilizada em áreas essenciais, como saúde, educação e transporte público. Isso ajudaria a reduzir as desigualdades e traria benefícios para a população mais carente”, conclui o economista.