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Afroempreendedorismo: mulheres negras da Amazônia transformam realidades através de negócios

Coletivo Pretas Paridas de Amazônia une mulheres negras e serve como rede de apoio que impulsiona o afroempreendedorismo feminino

Hannah Franco

O Brasil é um país marcado pela diversidade cultural, mas essa riqueza nem sempre se reflete na esfera econômica. É nesse contexto que o afroempreendedorismo surge como uma ferramenta de resistência e transformação social, especialmente na vida das mulheres negras, que ainda enfrentam diversos desafios para se inserir no mercado de trabalho formal. Mais do que a criação de negócios, o movimento promove autonomia e valorização cultural.

A população negra, que representa 56% dos brasileiros, movimenta cerca de R$ 1,9 trilhão ao ano, segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva feita em 2020. Essa força econômica, aliada à criatividade e à capacidade de superação das comunidades negras, configura um enorme potencial a ser explorado. Dados do Sebrae, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do terceiro trimestre de 2023, revelam que 52% dos donos de negócios no país são negros. São cerca de 15,2 milhões de pessoas. No entanto, essa conquista não se dá sem desafios. As mulheres negras, em particular, enfrentam o duplo obstáculo do racismo e do sexismo, que se traduzem em menor acesso a oportunidades, crédito e redes de apoio.

É nesse cenário que iniciativas como o Coletivo Pretas Paridas de Amazônia ganham relevância. Fundado em 2019, o grupo reúne 12 mulheres negras empreendedoras que, através de seus negócios – desde confecção de roupas e acessórios até tranças e grafite – narram suas histórias e celebram a cultura afro-amazônica. Mais do que um espaço de venda, o Pretas Paridas é uma rede de sororidade, onde as mulheres se apoiam e colaboram para superar barreiras e mudar realidades. 

Para muitas das mulheres do coletivo, o empreendedorismo não era um plano inicial, mas sim uma necessidade. A falta de oportunidades formais as impulsionou a buscar a própria autonomia e construir seus próprios caminhos. Essa realidade, infelizmente, é comum entre a população negra no Brasil, como aponta um estudo do Global Entrepreneurship Monitor (GEM): 49,7% das pessoas negras com negócios no país começaram a empreender por necessidade.

Apesar dos desafios, a força e a criatividade das afroempreendedoras são inspiradoras. Seus negócios não apenas geram renda e independência, mas também contribuem para a valorização da cultura afro-amazônica e combatem o racismo e a discriminação. Através de seus produtos e serviços, elas celebram a beleza negra, ressignificam estereótipos e constroem uma narrativa positiva sobre a comunidade.

Conheça os afroempreendimentos do Coletivo Pretas Paridas de Amazônia em Belém

O Afro Cabeleira não só transformou a vida de Bianca, como também impacta a vida de outras pessoas. "Lembrando da história racista do Brasil, é evidente que a reconstrução da autoestima do povo preto precisa de um espaço seguro de acolhimento", ressalta a trançadeira. Através de seu trabalho, ela promove a autoestima e a valorização da cultura afro.

Além de sua atuação como trançadeira, Bianca também se envolve em diversas outras áreas, como produção cultural, direção de arte e artesanato. No entanto, foi por meio do empreendedorismo que ela encontrou não apenas uma fonte de renda, mas também um caminho para a dignidade e a autonomia no trabalho. Antes de se tornar afroempreendedora, a trançadeira teve diversas experiências em empregos formais, como auxiliar administrativa, agente de saúde e auxiliar de costura. "Mas um emprego de carteira assinada não era a melhor possibilidade para mim", conta. "Meu último emprego era de seis dias por semana, com horas extras no sábado e domingo. Era exaustivo."

"Quando comecei meu próprio empreendimento, com o trabalho e trançadeira profissional, construí também o direito a dignidade na relação de trabalho", diz Bianca.

Mesmo com suas contas pagas, os desafios financeiros persistem. De acordo com dados do Sebrae de 2022a renda de empreendedores negros é 32% menor que a de brancos, com as mulheres negras ocupando a posição de menor faturamento. Essa disparidade reforça a necessidade de ações estratégicas para impulsionar o afroempreendedorismo.


A força do coletivo

Para Bianca e outras mulheres do coletivo Pretas Paridas de Amazônia, estar em um ambiente colaborativo é fundamental para enfrentar os desafios e criar estratégias de permanência no mercado. Inspiradas pelos quilombos, essas empreendedoras reconhecem o poder da união e da solidariedade para transformar suas realidades e as de suas comunidades. A trançadeira faz parte do coletivo desde a fundação. "É um espaço fundamental para pensarmos em estratégias de permanência no mercado, a partir da perspectiva de mulheres negras, periféricas, mães e de baixa renda", explica.

"Estar em coletivo é uma estratégia ancestral, inspirada nos quilombos. Se isolar é muito perigoso. Com as Pretas, eu me fortaleço, recebo e ofereço apoio, afeto, autoestima, incentivo, parceria, discordância e segurança", completa.

O afroempreendedorismo das mulheres negras é um movimento que está em constante crescimento e vem conquistando cada vez mais espaço na sociedade brasileira. Através da força, da criatividade e da persistência, essas mulheres estão quebrando barreiras, construindo seus próprios sonhos e inspirando outras a seguirem seus passos. Maria Luiza Nunes, de 65 anos, remendeira do Amor Tecido, é mais um exemplo da força transformadora do coletivo. Retomando a tradição secular da costura em quilombos, ela confecciona peças únicas com retalhos e tecidos africanos, cheias de significado e ancestralidade.

Mais do que moda, um manifesto político

As peças confeccionadas por Maria, que nasceram no Quilombo Boca da Mata, na Vila do Maruacá, em Salvaterra, na Ilha do Marajó, transcendem a moda e se tornam uma expressão da cultura afro-amazônica e de transformação social. Para ela, o Amor Tecido não é apenas um empreendimento, mas uma ferramenta de resistência e empoderamento. "Construímos [as peças] a partir da temática das mulheres negras, gameleiras, meninas, grávidas e dançantes. Nós produzimos o fazer político", afirma. Cada peça carrega em si a história de suas criadoras, celebrando a beleza negra.

"A nossa artesania está diretamente ligada a memória afetiva e ancestral", destaca Maria.

O Amor Tecido nasceu em 2015, quando Maria e outras mulheres pretendiam participar da Marcha das Mulheres Negras, em Brasília. O evento contou com milhares de mulheres negras, quilombolas, indígenas e yalorixás que denunciaram a intolerância religiosa e o racismo. A confecção e venda das camisas possibilitaram a viagem, marcando o início de um empreendimento que se tornaria muito mais do que apenas um negócio.

Maria conta que o empreendimento também é um exemplo de inclusão. As peças são acessíveis a pessoas com deficiência visual, permitindo que elas explorem a arte através do tato. "Uma pessoa com deficiência visual pode tocar na arte das camisas e sentir o desenho a partir do relevo da peça", explica. "O nosso empreendimento é ainda mais transformador quando compreendemos que o fazer é político e inclusivo", completa a remendeira.


A dura realidade das afroempreendedoras

Maria conta que muitas das mulheres que fazem parte do coletivo, mesmo com formação superior, não conseguiram atuar na área de sua graduação, por isso, decidiram empreender. "Muitas de nós estamos empreendendo por falta de opção, inclusive muitas das Pretas têm formação superior", afirma. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, apenas 10,4% delas haviam concluído a graduação, enquanto entre mulheres brancas o índice era de 23,5%.

"Empreender deveria ser por opção e não por falta dela", diz Maria, do Amor Tecido.

Essa disparidade também se reflete no mercado de trabalho. Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2018 mostrou que a média salarial de mulheres negras era de R$ 1.027,50, enquanto homens brancos com o mesmo nível de escolaridade recebiam R$ 2.509,70. Por isso, o afroempreendedorismo das mulheres negras é um movimento que está em constante crescimento e vem conquistando cada vez mais espaço na sociedade brasileira.

Fortalecendo o afroempreendedorismo

Ciente das dificuldades enfrentadas pelas mulheres negras empreendedoras, o Sebrae/PA, em parceria com o Coletivo Pretas Paridas de Amazônia, vai oferecer um curso de empreendedorismo específico para as integrantes do projeto. Essa iniciativa visa preparar as mulheres para participarem de feiras de negócios e eventos de empreendedorismo, impulsionando o reconhecimento e o sucesso do afroempreendedorismo feminino na região.

Atualmente, o Sebrae disponibiliza cursos online que podem ajudar na capacitação de mulheres negras para começarem seu negócio. 

Conheça a plataforma de cursos online gratuitos do Sebrae

A trançadeira Bianca celebra a importância da parceria: "Essa parceria é muito importante! Nós sempre reivindicamos espaços e, com o curso do Sebrae, vamos estar mais preparadas para esses eventos que são tão importantes para o reconhecimento do afroempreendedorismo."

Confira um vídeo institucional do Pretas Paridas de Amazônia:


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