MENU

BUSCA

'Açaí do Ceará pode ser melhor que o do Pará?', especialistas do Pará rebatem declaração

Professor da UFPA contextualiza a discussão e diz que produção do fruto em solo paraense é mais sustentável. Gerente de fruticultura da Sedap declaração de especalista do Ceará

Gabriel da Mota

Durante a PEC Nordeste 2024, maior feira agro do Norte e Nordeste realizada entre 06 e 08 de junho em Fortaleza, uma declaração polêmica questionou a preferência do açaí paraense a longo prazo. Eliseu Belort, consultor técnico em fruticultura irrigada, afirmou em um dos eventos que "o açaí do Ceará tem potencial para ser melhor do que o do Pará", considerando a maior luminosidade solar no estado nordestino (4380 hl/ano) em comparação com a registrada no Pará (2389 hl/ano). Para entender o assunto, o Grupo Liberal conversou com um especialista em fruticultura sustentável na Amazônia, que defendeu o equilíbrio entre desenvolvimento agrícola e práticas sustentáveis.

Açaí do Ceará é melhor que o do Pará, diz especialista
Essa qualidade seria propiciada pela luminosidade do Sol

O professor titular da Universidade Federal do Pará (UFPA) e diretor da Unidade Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) na mesma instituição, Hervé Rogez, diz que a afirmação de Belort ignora questões cruciais de sustentabilidade. "Quando leio uma notícia dessas, vejo a incoerência de associar 'melhor' com alta produtividade, principalmente se essa produtividade não for sustentável. A produção de açaí no Ceará, que depende de irrigação, consome de 30 a 50 metros cúbicos de água por hectare diariamente. Estamos falando de um cenário onde as mudanças climáticas são uma realidade palpável”, afirma Rogez. 

O professor da UFPA cita o relatório 'Recipe for a Liveable Planet', divulgado na semana passada pelo Banco Mundial, destacando a necessidade urgente de práticas agrícolas mais sustentáveis. “Portanto, afirmar que o açaí cearense pode ser melhor que o paraense sem considerar esses fatores é preocupante," destaca.

Na PEC Nordeste, Belort também mencionou a maior luminosidade do Ceará como uma vantagem, citando números que indicam 4380 horas-luz por ano, contra 2389 horas-luz no Pará. O diretor da Embrapii na UFPA reconhece a diferença, mas pondera: "O açaizeiro, uma palmeira acostumada à biodiversidade amazônica, consorciada com outras plantas, não terá a mesma qualidade em monocultura. A monocultura pode aumentar a produtividade do Ceará, mas não resultará na mesma qualidade do fruto. O açaí produzido em sistemas manejados com mínimo impacto, como fazemos no Pará, é mais saboroso e rende mais suco por tonelada de fruto", justifica.

A segurança hídrica é outra questão crítica levantada por Rogez. "Estamos claramente entrando num período irreversível de insegurança hídrica devido às mudanças climáticas. No Pará, temos a produção de açaí em sistemas de várzea, naturalmente irrigados pelos rios, o que elimina a necessidade de irrigação artificial. Regiões como o Baixo Tocantins, que representa sozinho metade da produção do estado, possuem garantias de produção por muitos anos, a menos que ocorram mudanças climáticas drásticas. Em contraste, a produção no Ceará depende de irrigação intensiva, o que não é sustentável a longo prazo", argumenta.

A declaração de que o açaí cearense pode ser melhor do que o paraense traz à tona, na visão de Rogez, uma discussão sobre o equilíbrio entre produtividade e sustentabilidade. "Se o Ceará quer se tornar o maior produtor de açaí, terá dificuldades não apenas em alcançar a quantidade do Pará, mas, principalmente, em fazê-lo de maneira sustentável. A sustentabilidade agrícola é um foco principal da COP 30 que se aproxima, e é essencial que consideremos práticas agrícolas que não comprometam nosso futuro," acrescentou. 

Gerente de fruticultura da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), Geraldo Tavares considera "pouco provável" que o açaí produzido em território cearense tenha potencial para ser melhor do que o produzido no Pará. "O Acaizeiro é natural da Amazônia e como tal, plenamente adaptado às condições edafoclimáticas do Pará, que possui solos profundos e também do ecossistema de várzea, que atende ás necessidades do açaizeiro. Em sistema de plantio em Terra Firme, com irrigação, adubação e sementes selecionadas, pode atingir produtividade elevada de 10 a 12 toneladas por hectare", explicou.

Para ele, a afirmação de que "o açaí não tolera excesso de água" é "surpreendente", considerando que o fruto é oriundo da várzea e necessita de muita água." No plantio de terra firme se estima cerca de 50 mil litros por dia por hectare. Nos meses mais secos (quatro meses por ano em média nas regiões de produção no Pará), como no Ceará chove bem menos, está quantidade será muito maior, e aí vem a conta da e energia que também será muito maior, pois as bombas submersas necessitam ser ativadas. Se não colocarem energia solar nem sei ser seria viável", avalia.

"E, finalmente, este consultor está esquecendo da umidade relativa do ar, que não deve ser muito baixa para viabilizar que o pólen seja viável durante a polinização - no Pará pode chegar  90%. Hoje, se observa que em regiões muito secas o fruto não tem a mesma qualidade devido esse fator, o reduz o rendimento por rasa", acrescentou.

Geraldo Tavares cita ainda a luminosidade existente no estado e suficiente para os processos fisiológicos da planta. "Não fosse assim não existiriam várias regiões com essa cultura em forma nativa", disse. 

Segundo ele, as principais regiões produtoras, Baixo Tocantins e Marajo , apresentam segurança hídrica em grande parte do ano, possuindo de quatro a cinco meses de menor pluviosidade, o que pode ser suprindo com irrigação em sistemas de plantio em terra firme. "Note que o açaizeiro necessita de um pequeno estresse hídrico para induzir a frutificação. Se existirá concorrência futura, será de estados com clima semelhantes como os da Amazônia e Bahia por exemplo, ou até de países asiáticos (Malásia e Vietnã) ou sul-americanos, como Colômbia e Bolivia, com clima semelhantes onde a cultura possa ser cultivada. No Ceará a umidade relativa do ar em media é de 60% chegando em muitos municípios a 14%", concluiu. 

Economia