Cuias indígenas na Europa: como objetos da Amazônia viraram itens de luxo

Conforme pesquisa de Renata Maria de Almeida Martins, essas manufaturas do século XVIII estão em museus de Portugal. No Pará, práticas antigas continuam em uso durante a produção

Lívia Ximenes
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As tradicionais cuias indígenas podem ser consideradas objetos de luxo na Europa e integram acervos de museus em Portugal. Segundo pesquisa de Renata Maria de Almeida Martins, intitulada “Lacquers of the Amazon: Cuias, Cumatê and Colours by Indigenous Women in Grão-Pará in the 18th Century” (”Lacadas da Amazônia: Cuias, Cumatê e Cores por Mulheres Indígenas no Grão-Pará no Século XVIII”, em tradução livre ao português), os itens são exemplo de conhecimento tradicional e artístico. O estudo foi publicado na revista internacional MDPI.

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Belém e Monte Alegre, no Pará, são exemplos de localidades originárias das cuias. Durante o século XVIII, esses objetos, considerados exóticos por estrangeiros, eram levados à Europa em meio ao processo de globalização. Devido à riqueza de detalhes e valor agregado à produção das peças, parte delas está presente no Museu de Maynense da Academia das Ciências de Lisboa e do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra.

“As cuias eram fabricadas por mulheres indígenas, que empregavam técnicas sofisticadas para criar um acabamento preto, brilhante e durável, como uma ‘laca da Amazônia’. Esses frutos tiveram seus campos iconográficos modificados, e foram ressignificados por decorações com motivos inspirados na flora e fauna locais, mas também por padrões para bordados europeus e asiáticos, que circulavam globalmente, refletindo o intercâmbio artístico da época”, explica Renata. Naquele período, cerca de cinco a seis mil cuias eram produzidas e vendidas por ano no atual território de Monte Alegre, antes aldeia indígena de Gurupatuba. De acordo com a pesquisa, esses objetos também apresentam, além de beleza, a natureza florestal, os mitos e o entendimento indígena.

image Cuia indígena feita no Pará está no Museu de Maynense da Academia das Ciências de Lisboa, em Portugal (Renata Martins)

Conhecimento ancestral permanece no século XXI

Em 2023, Renata visitou a comunidade Carapanatuba, na região do Aritapera, em Santarém. No local, a pesquisadora constatou que as práticas apontadas por estudiosos da área ainda são aplicadas. “Mulheres como dona Lélia Maduro, Silvane Maduro, Marinalva Correia, Francisca Pereira, Socorro Pereira e outras das comunidades da região do Aritapera retêm conhecimentos ancestrais sobre a natureza, os rios, as plantas, os animais do lugar. Bem como sobre o longo processo de preparação de cuias envernizadas com o cumatê e ‘bordadas’ com incisões”, explica.

As cuias, produzidas por mulheres, não eram criadas de forma aleatória. Para que fossem feitos, os itens deveriam ser parte de manufaturas mantidas por colonos ou em missões religiosas na Amazônia, conforme o estudo. Tanto na época colonial quanto agora, os objetos contêm iconografia de origem indígena.

"A participação das mulheres indígenas, a sua intimidade com a natureza da floresta, foi fundamental nesse processo. Tal contribuição e protagonismo, muitas vezes invisibilizados, são essenciais para compreender a complexidade das relações culturais e artísticas na Amazônia da época colonial e na atualidade”, explica Renata.

image Cuia indígena feita no Pará está no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, em Portugal (Renata Martins)

Amazônia como produto de exportação

Assim como demais produtos exportados da Amazônia para a Europa durante a colonização e a globalização, as cuias eram e ainda são consideradas itens de luxo do outro lado do Oceano Atlântico. “Artistas indígenas e afro-indígenas utilizavam técnicas como o embutido, a incrustação e o douramento, adaptando materiais amazônicos e plantas como a copaíba (Copaifera langsdorffii) e o jutaí (Hymenaea courbaril), por exemplo, para criar efeitos similares ao dourado presente nos objetos asiáticos", conclui a pesquisadora.

Para ler o estudo completo em inglês, acesse aqui.

(*Lívia Ximenes, estagiária sob supervisão de Vanessa Pinheiro, editora web de OLiberal.com)

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