Você conhece o teiú? Lagarto vive no Brasil e é capaz de se aquecer sozinho; entenda a condição
O Salvator marianae, chamado de teiú, é o primeiro lagarto observado pela ciência com a capacidade de produzir calor o suficiente para se aquecer sozinho
O teiú (Salvator marianae), lagarto que pode ser encontrado em todas as regiões do Brasil, se tornou destaque entre os cientistas nas últimas semanas. Um grupo de pesquisadores publicou, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), um estudo sobre o animal no qual revelou que a espécie é capaz de produzir calor o suficiente para se aquecer sozinho. A descoberta foi registrada na revista Acta Physiologica, da Sociedade Escandinava de Fisiologia, com o título "Função mitocondrial no músculo esquelético contribui para a endotermia reprodutiva em lagartos teiús (Salvator marianae)" ("Mitochondrial function in skeletal muscle contributes to reproductive endothermy in tegu lizards (Salvator merianae)", no original).
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Aves e mamíferos são os únicos animais, de modo geral, endotérmicos, ou seja, possuem capacidade de regulação de temperatura, segundo a pesquisadora Livia Saccani Hervas. Primeira autora do trabalho, Livia diz que os répteis, como o teiú, são chamados de ectotérmicos, o que caracteriza espécies que dependem da temperatura externa para regular a corporal. A cientista começou a pesquisa enquanto estava em iniciação científica, na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (FCAV-Unesp).
Outro grupo de estudiosos, em 2016, descobriu que o teiú mantinha a temperatura corporal mais elevada do que a das tocas durante o período reprodutivo. A pesquisa “Seasonal reproductive endothermy in tegu lizards” ("Endotermia reprodutiva sazonal em lagartos teiús”, em tradução livre) foi publicada no Science Advances, com apoio da Fapesp. Confira aqui o artigo completo., divulgado pela Agência Fapesp.
Entenda a condição dos teiús
A partir da descoberta, a pesquisa de Livia Saccani Hervas destinou-se a entender como a espécie era capaz de autorregular a temperatura do corpo e se aquecer. Dentro do projeto “Capacidades e tolerâncias fisiológicas frente a mudanças climáticas: explorando a dimensão funcional em vertebrados ectotérmicos”, da professora Kênia Cardoso Bícego, o estudo coletou biópsias do músculo esquelético de dez teiús. O recolhimento do material ocorreu em fevereiro (verão) e em setembro e outubro (primavera).
O material foi coletado em uma pata traseira e uma dianteira (próxima à cauda e à face, respectivamente) e, em seguida, submetido à análise bioquímica e calorímetro - aparelho que mede o calor emitido. “Precisamos de um longo tempo para estabelecer os protocolos, como dosagem de reagentes, uma vez que esse tipo de análise nunca tinha sido realizado nesses lagartos”, explica Kênia.
O estudo permitiu entender que o músculo de machos e fêmeas, durante o período reprodutivo, produzia mais mitocôndrias do que o normal. Essa organela celular é responsável pela respiração celular, que promove a produção da principal fonte de energia, chamada de adenosina trifosfato (ATP).
Além do ATP, a presença na mitocôndria de transportadores de nucleotídeo de adenina (ANT) foi marcante e mais ativa. Normalmente presentes na membrana mitocondrial interna de aves, os ANT são responsáveis por facilitar a troca de ATP e adenosina difosfato (ADP) durante a respiração celular, provocando elevação de temperatura.
Por outro lado, as proteínas desacopladoras (UPC) não se mostraram ativas nos teiús. As UPC estão presentes na mitocôndria de mamíferos para realizar trocas de prótons (partículas atômicas positivas) e elétrons (partículas atômicas negativas) entre o espaço intermembranas e matriz mitocondrial.
O material muscular coletado dos teiús apresentou uma produção maior de calor no período reprodutivo do que no verão devido à ação de ANT, não de UCP. Para elevar a temperatura, o teiú não precisa tremer e provocar agitação nos músculos. Os hormônios sexuais testosterona (machos), estradiol (fêmeas) e progesterona (fêmeas) também podem influenciar na regulação térmica, perante a alta produção.
A pesquisadora Livia Saccani Hervas também aponta a presença de hormônios produzidos na tireoide, glândula geradora de T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina), como responsáveis pela reserva e gasto de energia. “Os hormônios da tireoide são conhecidos por estimularem o aumento da quantidade de mitocôndrias nas células. A elevação desses hormônios durante a fase de reprodução dos teiús pode estar associada à maior abundância de mitocôndrias e, por consequência, à maior atividade da ANT, a proteína que ajuda a produzir calor e que era conhecida em aves”, conclui.
O teiú habita em regiões abertas e matas de diversos biomas, podendo chegar a até dois metros de comprimento. Com coloração escura e manchas em amarelo e branco, a espécie é onívora e come qualquer alimento. Durante a reprodução, esse réptil pode chegar a dar entre 12 e 35 ovos. O teiú faz parte da ordem Squamata, família Teiidae e gênero Salvator. Veja aqui o artigo sobre a autorregulação de calor da espécie.
(*Lívia Ximenes, estagiária sob supervisão de Vanessa Pinheiro, editora web de OLiberal.com)
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