Vitor Ramil lança 'Mantra Concreto' e dá asas à poesia de Paulo Leminski

Novo álbum do compositor gaúcho traduz a força dos versos do poeta curitibano que completaria 80 anos em 2024; trabalho pode ser conferido nas plataformas digitais

Eduardo Rocha
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No meio do isolamento e do medo provocados pela pandemia da covid-19 (2020-2021), a poesia da música e a música da poesia se encontraram: o cantor, compositor e escritor gaúcho Vitor Ramil (re)descobriu com avidez a poesia do escritor e jornalista paranaense Paulo Leminski. Como fruto dessa aproximação, Vitor Ramil acaba de lançar o álbum "Mantra Concreto" (Satolep Music), reunindo 15 poemas de Leminski musicados por ele. Desse total, dois haviam sido feitos antes. No caso, "O velho Leon e Natália em Coyoacán" (saiu no disco "Tambong", de 2000) e "Uma carta uma brasa através" (foi gravada pela cantora Juliana Cortes, de Curitiba-PR). Agora, o disco, já nas redes sociais e começando a ser mostrado em shows, aproxima admiradores e o público em geral dessa poesia cantada.

O disco de Vitor Ramil chega em boa hora. Em 2024, Paulo Leminski completaria 80 anos de idade. ele faleceu em 7 de junho de 1989. No entanto, a poesia dele renasce a cada nova leitura, a cada novo leitor ou ouvinte. Como fica explícito na confecção e na audição de "Mantra Concreto".

image Vitor Ramil capta a musicalidade da poesia da Paulo Leminski em 'Mantra Concreto' (Foto: Marcelo Soares)

"Eu não tinha nenhuma meta de musicar o Leminski, mas aí durante a pandemia eu estava lendo o 'Toda Poesia', uma coletânea dele, e aí eu li o poema 'Sujeito indireto' e passei a mão no violão e musiquei, na hora. Foi muito espontâneo. Aí, no outro dia, lendo o livro e pá, musiquei outro poema. Durante seis dias, eu fiz uma música por dia, consecutivas. Parei uns dias, porque eu gravei o álbum 'Avenida Angélica'(2022), sobre a poesia de outro poeta, Angélica Freitas, e quando eu voltei para casa, depois das gravações, começou tudo de novo: abri o livro e segui, mais uma semana e musiquei todo o resto, foram uns sete dias de trabalho, não era nem trabalho, eu pegava o violão e saía cantando. Fui possuído, contaminado pela poesia (risos). Foi um negócio muito forte", diz o compositor.

Vitor verificou, na época, que tinha 15 músicas com Paulo Leminski, e a família do poeta, e a esposa dele, Alice Ruiz e as filhas estavam adorando esse trabalho. Então, inevitavelmente, surgiu a ideia do disco. "A poesia do Paulo, para mim, ela é muito musical. Eu olho e já enxergo canção. Eu me identifico muito com a poesia dele. É uma poesia que combina, vamos dizer, alta cultura com o pop, com a poesia de rua. A poesia dele tem a comunicabilidade de uma letra de música. Por mais simples que ela aparente ser, tu sentes que ela tem uma formação, ele tinha uma formação tão grande de escrever poesia que a poesia dele tinha essa qualidade, esse poder, vamos dizer. Ele é profundo, ele é denso, mas ele está dizendo isso de uma forma muito leve. Eu acho isso mágico, me atrai demais. E musical, também. A poesia dele é cheia de música", destaca Ramil.

O projeto do álbum foi encaminhado com calma por cerca de um ano. Vitor Ramil estava em estava em Pelotas (RS) e os músicos estavam um no Rio de Janeiro (baterista e percussionista Alexandre Fonseca) e outro em Porto Alegre-RS (o baixista Edu Martins) -- esses três formam a base do disco, que tem entre outros nomes o músico mineiro Toninho Horta. As faixas do disco são: "De Repente", "Teu Vulto", "Administério", "Amar Você", "Profissão de Febre", "Palavra Minha", "Um Bom Poema", "Anfíbios", "Será Quase", "O Velho León e Natália em Coyoacán", "Sujeito Indireto", "Uma Carta Uma Brasa Através", "Minisfesto", "Caricatura" e "Mantra Concreto". 

image Capa do novo álbum de Vitor Ramil (Foto: Reprodução)

Mantra

O título do álbum surgiu pelo fato de que Vitor Ramil deu nome ("Mantra Concreto") a um dos poemas de Paulo Leminski, já que muitos poemas dele não têm nome. E essa obra tinha uma apresentação gráfica parecida com a poesia concreta, além do próprio conteúdo poético remeter a essa temática. Então, Vitor fez uma música com a radicalidade, o rigor da poesia concreta. As obras de Paulo e Vitor relacionam-se com a poesia concreta. O título "Mantra Concreto" veio à tona porque o poema tinha, em particular, um tom religioso, um clima de oração e também da poesia concreta. E Vitor viu, depois, que esse nome representava o disco todo. 

Ramil não conheceu Leminski, pessoalmente, mas chegou a falar com ele por telefone, em 1987, em Curitiba (PR), na turnê do show do disco "Tango". Vitor, então com 25 anos, tentou levar um elepê para Paulo, mas não se encontraram. Paulo Leminski morreria logo depois, em 1989. Na faixa de abertura do disco, "De Repente", há um áudio de Leminski afirmando que a música é o destino de todo ser humano. Agora, Vitor lança um disco musicando versos do autor dessa colocação. 

A faixa "Caricatura traz o verso "viver não tem cura", em que Leminski retrata a complexidade da vida. "Pra mim, essa música é a que encerra o disco, e 'Mantra Concreto' é como se fosse uma assinatura. Quando eu terminei de compor 'Caricatura', acho que foi a última que compus, tive uma crise de choro, entendeu? Uma coisa muito forte, porque eu senti o poder dessa música, da letra, mexeu muito comigo", declara. Ele pretende levar o show para Curitiba e outras cidades, e dessa vez de novo não vai encontrar Leminski pessoalmente. Mas, ainda bem que encontrou a poesia de Paulo na pandemia, e daí surgiu "Mantra Concreto". 

 

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