'Tybyras': mostra revela o enfrentamento da homofobia no coração da Amazônia
Tybyra do Maranhão, indígena tupinambá, em 1614, foi condenado à morte pela Inquisição por sodomia, fato esse que serve de ponto de partida para o artista plástico
O artista plástico Henrique Montagne apresenta, a partir desta quinta-feira, dia 12, traz ao público em Belém uma mostra instigante acerca dos sentidos da diversidade na Amazônia: "Tybyras, Caminhos de uma Amazônia Queer", exposição que reúne trabalhos abordando essa temática do ponto de vista das relações entre as pessoas, no caso a sexualidade e o direito de ser um indivíduo queer ou seja, alguém cuja identidade de gênero ou orientação sexual não corresponde a ideias estabelecidas, em especial no que tange a normas heterossexuais. O título da exposição individual é simbólico no sentido de relembrar a primeira morte por homofobia no Brasil, a de indígena ainda no período colonial.
Nessa nova mostra, Henrique Montagne percorre o Pará e revela corpos queers nos traços negros, indígenas e caboclos da Amazônia contemporânea. Montagne esteve em territórios ancestrais, entre eles Mairi (Belém), Ilha do Marajó (Soure), Carajás (Marabá, Serra Pelada, Parauapebas, Canaã dos Carajás) e Tapajós (Santarém, Alter do Chão). Destas incursões, o artista traz o recorte de pessoas LGBTQ+ indígenas, mestiças, ribeirinhas e caboclas que conheceu em cada uma de suas paradas.
Para montar a mostra, ele parte do primeiro caso documentado de morte por LGBTfobia da história do país, quando um indígena foi assassinado com um tiro de canhão, com a anuência de religiosos da Igreja Católica. Em 1614, Tybyra do Maranhão, indígena tupinambá, foi condenado à morte pela Inquisição por sodomia. Com fundamento nesse episódio, Henrique Montagne constrói uma série de trabalhos poéticos que combina atravessamentos das linguagens do desenho, texto e da fotografia, com pesquisa sobre gênero e sexualidade, reflexões em torno da sua ancestralidade e identidade como pessoa mestiça e indígena.
Natureza
O artista traz reflexões em torno da alma e da identidade "Tibira", termo já usado pelos povos originários deste território para designar pessoas diversas, diferentes e que fugiam a determinada normatividade nas suas aldeias. "Essas relações eram já vistas com naturalidade a depender da cultura de cada aldeia, entendendo que assim como a natureza somos diversos como ela, pois somos uma só coisa”, diz Henrique."Nesses caminhos percorridos, pude me encontrar e me conectar por meio desses laços de maneira coletiva, formando um aldeamento de ideias, conversando, conhecendo e admirando pessoas que assim como ele compartilham da diversidade e de histórias que se encontram em meio a esta grande floresta de rios e ygarapés que envolvem diferentes sotaques, cosmovisões, vivências e resistências, mas que também se curam de todas as feridas coloniais causadas pela branquitude", diz o artista plástico.
"Tybyras, Caminhos de uma Amazônia Queer” é a terceira mostra individual de Henrique. Ele já integrou uma exposição coletiva de arte queer em Portugal, e foi indicado, em 2022, ao prêmio PIPA, um dos mais importantes do Brasil. A nova mostra é resultado do projeto "Tybyras" que foi selecionado pelo Edital de Pesquisa e Experimentação em Artes Visuais da Lei Paulo Gustavo 2024.
As obras de Henrique emergem de reflexões e provocações urgentes: o processo de apagamento e invisibilidade das discussões étnico-raciais da ancestralidade indígena e amazônida no Brasil em contextos contemporâneos; o projeto colonial até então vigente de desaparecer e eliminar a diversidade sexual e as livres expressões de gênero na sociedade; o apagamento da floresta e o desalinhamento de discursos ligados e preocupados com a natureza, separando o corpo em uma coisa e a natureza em outra. Como repassa o artista, " 'Tybyras' é uma exposição para todos aqueles dispostos a percorrer e conhecer caminhos desviantes nessa Amazônia de pés descalços, chamando o ancestral no hoje".
Serviço:
Abertura da mostra ‘Tybyras, Caminhos de uma Amazônia Queer’
No dia 12 de dezembro, às 18h.
Visitação: 12 de dezembro - 15 de fevereiro de 2025
Na Elf Galeria, na Passagem Bolonha, nº 60 - Nazaré. Entrada franca.
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