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Tirinhas publicadas por Alan Moore Antes da fama antecipam temas de suas HQs

Livro reúne suas tirinhas do Maxwell, o Gato Mágico, publicadas no extinto jornal Northants Post de 1979 a 1986

Agência Estado

Antes de ser uma lenda dos quadrinhos, Alan Moore tinha de suar para pagar as contas. Com 24 anos, ele estava casado e tinha um trabalho braçal numa empresa de gás em Northampton, no interior da Inglaterra, cidade sem grandes perspectivas para um artista. Quando sua mulher ficou grávida, Moore teve que tomar uma decisão: continuaria levando uma vida pacata que não satisfazia suas ambições intelectuais ou largaria o emprego para tentar viver de arte.

O resultado, o leitor já sabe. Obras como Watchmen, V de Vingança, A Liga Extraordinária e Batman: A Piada Mortal revolucionaram os quadrinhos e influenciam o cinema há quatro décadas.

O caminho percorrido por Moore do anonimato à consagração, no entanto, é um pouco mais obscuro. A reunião de suas tirinhas do Maxwell, o Gato Mágico, publicadas no extinto jornal Northants Post de 1979 a 1986, em volume único, um projeto editorial inédito no mundo empreendido pela Pipoca & Nanquim, contribui para esclarecer essa trajetória.

Moore se tornou célebre pelos roteiros intrincados, mas seu traço é bem menos conhecido. Nessas tiras humorísticas, que parecem (apenas parecem) destoar do tom sombrio que ele imprimiu em suas obras, é possível ter contato com seus desenhos e penetrar no cotidiano de uma das mentes criativas mais importantes da cultura pop.

Maxwell, o Gato Mágico se apresenta como entretenimento inocente, mas não tem nada de dócil. Nas entrelinhas de piadas bobas de gato e rato, Moore injetava altas doses de ironia, comentário político e crítica de costumes, tratando de temas que seriam aprofundados nos anos seguintes em seus romances gráficos, como as tensões nucleares, a desigualdade, as questões trabalhistas e a violência urbana.

No começo, a tira trata do cotidiano de Norman com seu novo gato, numa dinâmica semelhante à de Charlie Brown com Snoopy (referências a outros personagens, como Garfield, Mickey Mouse e o próprio Snoopy são frequentes).

Mas assuntos polêmicos começam a se insinuar com sutileza em meio às piadas mais inocentes, por exemplo quando o garoto lê para Maxwell uma notícia sobre um gato que foi parar na máquina de lavar, mas na capa do jornal está escrito que a Rússia invadiu Sidcup, um distrito de Londres - na época da publicação da tira, o país havia acabado de invadir o Afeganistão.

Sátiras políticas passaram a ser parte integrante da obra de Moore, como quando o gato funda uma religião como "primeiro passo para tomar o poder" com sua "horda de fanáticos ingênuos", em uma alusão à invasão da embaixada americana em Teerã por extremistas islâmicos, em 1979.

Com o fracasso de sua seita, Maxwell decide que é mais efetivo tentar ascender ao poder "tingindo o cabelo e calçando botas de couro de bezerro", referência à eleição de Ronald Reagan à presidência dos EUA. Nesse registro, a Guerra das Malvinas se torna um conflito contra ratos pela caixa de areia e a tira é "privatizada" em referência à era Thatcher.

Algumas situações antecipam temas que serão aprofundados em V de Vingança, como o autoritarismo governamental, e em Watchmen, como o da tensão nuclear, mas sempre pela chave do humor. Por exemplo, quando Norman externa o medo da extinção humana graças à bomba de nêutrons e Maxwell pede: "Antes de sumir, dá pra vocês deixarem combinado pra alguém aparecer de vez em quando pra dar comida pros gatos?".

O autor deixou de publicar as tirinhas não por falta de tempo ou de interesse - ele continuou desenhando o personagem semanalmente mesmo após fazer sucesso na DC Comics com o Monstro do Pântano -, mas sim porque o Northants Post publicou um editorial homofóbico em 1986. Desde o início de sua trajetória, essas tiras revelam os ideais de justiça social que guiaram a sua carreira e que, em última instância, o levariam a se afastar do mundo midiático.

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