Teatro popular dos pássaros juninos colore periferia de Belém com alegria
Mãe Ray, no bairro da Terra Firme, e Maria Isabel Silva, na Pedreira, são incentivadoras de boi-bumbá e dos pássaros
A cidade de Belém carrega o estereótipo de ser uma cidade carregada de cheiros, sabores e cores. E as festividades da cultura popular, que ainda resistem na capital paraense, contribuem também para deixar a cidade mais colorida. É o caso do teatro popular dos pássaros juninos que, mesmo desconhecido por muitos e sem incentivos, ainda está presente em bairros de Belém e colore as ruas com personagens da fauna, flora e dos centros urbanos.
Israelita de Souza, popularmente conhecida como "Mãe Ray", faz um trabalho cheio de beleza e dedicação no bairro da Terra- Firme. Todos os anos, no período da quadra junina, ela movimenta o grupo de boi-bumbá "Macaiador e sua bicharada" fazendo apresentações pelas ruas do bairro e em espaços públicos.
Mãe Ray tornou-se uma inovadora na festividade dos pássaros juninos ao expandir seu elenco incrementando-o com outros animais durante a manifestação popular. "Por muitos anos, eram vistos apenas os pássaros juninos durante as manifestações, mas de um tempo pra cá eu resolvi colocar outros animais entre o boi e os pássaros, como cavalo, cachorro, entre outros. Por isso, o meu grupo se chama Macaiador e a bicharada", conta Mãe Ray.
Todo o trabalho é realizado com meses de antecedência e a cada ano é dado uma temática à apresentação. Para Mãe Ray, a presença da cultura popular na cidade é mais que uma festa é valorizar os costumes do passado e envolver a comunidade com práticas de conhecimento, consciência e respeito pelas pessoas e pela natureza.
"Quando se fala em Terra-Firme, as pessoas geralmente pensam em violência, mas é importante que todos saibam que daqui sai muita coisa boa e uma delas é a nossa cultura popular. Eu amo o meu bairro e não saio daqui nunca. Só precisamos de mais incentivo para que essa prática não morra", ressaltou Mãe Ray.
Quem também não deixa essa cultura do século XIX morrer, desta vez no bairro da Pedreira, é a artista Maria Isabel Melo Lopes da Silva, 72. Nascida em família tradicional na prática de realização de pássaros juninos, Maria Izabel conta que herdou de sua tataravó o envolvimento que tem com a cultura popular e mais especificamente com os pássaros juninos.
Ela é responsável pelo pássaro "Papagaio Real" que nasceu entre os anos 30 e 40, na zona de meretrício do centro de Belém. As prostitutas da época se organizaram e colocaram a manifestação na festa de São João. Após a morte dos organizadores, a manifestação passou um período desativada. Mas, há 20 anos, um homem identificado como Teófilo Gouveia, filho de um dos fundadores do "Papagaio Real", teve contato com dona Maria Izabel e convidou-a para que retomassem o teatro popular. Maria Izabel aceitou e levou-o para o bairro da Pedreira.
A artista diz que não é fácil permanecer com a manifestação viva, pois, além da falta de incentivo, há um grande desinteresse do público devido à falta de conhecimento. Em torno de 25 a 30 pessoas participam das apresentações todos os anos, entre crianças, jovens e adultos, mas para isso, dona Maria Izabel diz que é preciso muita força de vontade para manter a tradição folclórica. "Eu faço de tudo, escrevo a peça, crio o figurino, dirijo o elenco e tudo mais que é necessário. Não é fácil, pois o que eu percebo é que não há valorização por parte das pessoas. Muita gente nem sabe do que se trata a cultura dos pássaros juninos. Mas eu estou aqui e vou permanecer com essa cultura viva", diz a responsável pelo "Papagaio Real".
O que é o pássaro junino?
É um tipo de brincadeira popular tipicamente paraense que ocorre principalmente no período das festividades de São João. Os Pássaros Juninos, segundo escritor Bruno de Menezes (1893/1963), teriam se destacado no cenário das festas populares paraenses a partir de 1900, época da Bélle Époque amazônica.
Os Pássaros Juninos são também chamados de Melodrama-Fantasia porque nessa brincadeira ou teatro popular são encenadas histórias com fortes características melodramáticas: conflitos familiares, traições, dramas amorosos, vinganças, entre outras. Mas além do drama há também a parte cômica da brincadeira, além de momentos de canto e dança. Vale lembrar que toda a encenação é feita com músicas, quando possível tocadas ao vivo por uma banda que acompanha o grupo.
Os personagens brincados nas peças de Pássaros são diversos: nobres (como princesas, príncipes, marquesas e marqueses, condes e condessas, entre outros), matutos (que podem ser paraenses ou cearenses), índios, feiticeiras, fadas… E as roupas que cada personagem usa em cena são dignas de nos transportar para outra época e lugar, tão ricas que são em detalhes, brilhos e plumas!