Natiruts vem a Belém para turnê final e exalta a cidade: “Sempre nos recebeu de braços abertos"
“A música abre realmente a cabeça das pessoas”, afirma o compositor e vocalista Alexandre Carlo, líder do grupo
Em 1997, uma banda estreante de Brasília, cidade então conhecida pelo movimento do rock nacional dos anos 80, trouxe o reggae para o centro de rodas de violão e para a boca e mente dos jovens brasileiros. Nascida como Nativus, a banda Natiruts construiu uma carreira cheia de sucessos e de letras que pautam a liberdade e o fim das opressões contra o povo pobre e negro do Brasil. Depois de quase 30 anos, o grupo, representado pelo compositor e vocalista Alexandre Carlo, e pelo baixista Luís Maurício, decidiu sair de cena, mas preparou uma turnê de despedida, “Natiruts – Leve com Você”, que chega a Belém neste sábado, 7, a partir das 21h, no Espaço Náutico Marine Club.
Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, Alexandre Carlo falou sobre características específicas do reggae, a decisão de encerrar a carreira do grupo e a relação entre arte e democracia, no Brasil e no mundo. “A cultura, em especial a música, por navegar sem pedir licença, sempre foi alvo de governos autoritários, porque realmente abre a cabeça das pessoas, contrapõe a tudo que eles querem implantar”, diz o compositor.
Belém é uma cidade com uma cultura do reggae muito forte. Inclusive, existem relatos de que o reggae chegou primeiro no Pará antes de seguir para outros estados brasileiros. Qual é a relação com Belém nesses 30 anos?
A relação é a melhor possível, Belém sempre nos recebeu de braços abertos nesses quase 30 anos de estrada. Geograficamente, Belém tá mais perto da Jamaica do que o Maranhão, então é verdade que, possivelmente, tenha chegado por aí primeiro.
Alexandre Carlo, enquanto compositor do grupo, fale um pouco sobre o processo criativo de alguém que se propôs (e conseguiu) criar em um gênero específico durante tanto tempo. Como foi percorrer essa estrada sem cair na repetição completa?
Importante salientar que existe um segmento do reggae que é o rastafári, proposto pelo Bob Marley, onde ser inovador não é o alvo principal, o principal é a divulgação da mensagem. Esse tipo de reggae, as pessoas e bandas que fazem e seguem, até preferem que o reggae seja original dos anos 70. Mas, ao contrário do que muita gente ouve por aí, o reggae não é um estilo onde você não possa experimentar. Tanto que existe uma série de bandas como Aswad e Steel Pulse, que geram experimentações muito positivas e estão até hoje por aí. E a proposta do Natiruts também era essa dentro do ambiente brasileiro. Crescemos ouvindo samba, os ritmos brasileiros e tentamos incorporar isso na sonoridade e nas composições.
A decisão de realizar uma última turnê nasceu quando? Como se deu esse diálogo entre vocês?
A decisão de realizar uma última turnê nasceu logo depois da pandemia, quando a gente parou para fazer o disco Good Vibration. Eu, enquanto compositor, entendi que não estava conseguindo mais ser criativo dentro daquele universo do reggae, estava querendo sair muito do estilo. E começou a não fazer sentido estar numa banda só de reggae. Claro que sempre vai fazer parte da nossa concepção musical, mas entendemos que já tínhamos contribuído com tudo. Decidimos encerrar o Natiruts, mas continuaremos com outros projetos.
Como tem sido os shows dessa turnê? Além da alegria do encontro com o público, não surge também um sentimento de nostalgia?
O encontro com o público está sendo espetacular e surpreendente. Não tínhamos noção que o Natiruts era tão grande quanto está se mostrando. Não existe nostalgia, nostalgia remete a algo que você deixou de viver, e não é nosso caso, ficamos com as boas lembranças.
O reggae é um tipo de música que nasce da luta por libertação. O Brasil segue hoje com pessoas que são contra a democracia e idealizam um passado autoritário. Como a música pode contribuir para a superação de uma cultura autoritária?
Os avanços na linha democrática nas últimas décadas foram muito grandes nas Américas após a queda das ditaduras, tivemos o avanço dos direitos civis, o combate ao racismo, e isso incomodou muito uma parcela da população que vê nesses contextos uma oportunidade de dominar e lucrar, sempre o dinheiro presente nesse âmbito conservador e autoritário. Por isso, esse ressurgimento das extremas direitas e extremas esquerdas. A cultura, em especial a música, por navegar sem pedir licença, sempre foi alvo desses governos autoritários, porque realmente abre a cabeça das pessoas, contrapõe a tudo que eles querem implantar. A importância do Reggae tá aí também.
"Liberdade pra dentro da cabeça" foi uma música que marcou a infância e adolescência de muita gente. Como se deu o processo criativo dela?
O processo criativo dessa música foi dentro do ambiente acadêmico, do qual eu pude participar de 93 a 96 na Universidade de Brasília, um dos principais polos de luta contra a ditadura militar. Era um ambiente de querer mudar o mundo, fazer algo para que as coisas melhorassem, e esse é o conceito principal da música. Acabou sendo tomado pela luta pela legalização da maconha, o que eu acho maravilhoso, então é uma música icônica para o reggae. Me sinto feliz de fazer parte da vida de tantas pessoas!