Duelo de MCs movimenta a cena hip hop no país até dezembro
Mulheres vêm se destacando neste estilo nos últimos anos
Em sua nona edição, a temporada 2020 do Duelo de MCs já começou mobilizando mais de 1,7 mil artistas de 25 estados e do Distrito Federal. Neste ano, as 26 etapas estaduais estão ocorrendo em estúdios profissionais, mas sem público presente e com transmissão on-line, por causa da pandemia de covid-19.
Até o dia 22 de novembro, 208 MCs se enfrentaram nas seletivas, com oito participantes em cada etapa que definiram os finalistas que se enfrentam nos dias 12 e 13 de dezembro. Já batalharam os MCs de Roraima, Amapá, Pará, Amazonas, Acre e Rondônia.
Todos os duelos estão sendo transmitidos pelo aplicativo do Duelo de MCs e depois o conteúdo fica disponível no canal do Youtube do coletivo Família de Rua, organizador do evento.
Segundo um dos idealizadores do Duelo de MCs, Pedro Valentim, as batalhas de freestyle, onde os competidores disputam com rimas improvisadas na hora, ocorrem há muito tempo no Brasil, tradicional na cultura hip-hop. O projeto do Duelo começou em 2007 com o coletivo de Belo Horizonte Família de Rua, do qual faz parte, e desde 2012 o evento passou a ser nacional.
O formato da competição permite que todos os estados participantes tenham representantes na final. “Cada estado fez uma curadoria para chegar em 16 nomes que foram para votação popular e júri técnico, para chegar aos oito nomes que batalharam em cada estado. Foram garantidas duas vagas para mulheres em cada estado. Aí vai ter um campeão ou campeã em cada estado, com 26 finalistas”, disse Valentim.
Os outros seis finalistas vieram da repescagem, somando 32, o dobro dos anos anteriores. A organização recebeu até 1.500 inscrições para esse processo e fez um sorteio para preencher 550 vagas para homens, 550 para mulheres e 20 para pessoas não binárias.
Manas, minas e monas
De acordo com Valentim, como arte urbana e periférica, a cultura hip hop acompanha os movimentos da sociedade. E o empoderamento das mulheres, negros e negras e pessoas LGBTQI+ precisa ser garantido também neste espaço.
“A gente tem discutido muito questões ligadas à comunidade LGBT e tudo que está em torno dessas pautas, que são urgentes, como o racismo e questões ligadas à sociedade nesse momento. A participação das mulheres tem crescido, ainda é muito aquém de um lugar desejado, mas tem aumentado gradativamente e significativamente. E isso é um reflexo nas batalhas.”
Com cada estado tendo pelo menos duas mulheres nas seletivas, o Duelo de MCs conta com pelo menos 52 mulheres participando da disputa, “brigando nas cabeças por esse título e isso é algo extremamente importante”, ressaltou Valentim.
Uma delas é a cantora Bianca Manicongo, conhecida como Bixarte, de João Pessoa. Ativista trans, aos 19 anos, ela começou a participar das batalhas de MCs há dois anos e conquistou espaço para mais mulheres, cis e transgêneros, dentro do movimento hip hop da Paraíba.
“Dentro do hip hop, eu comecei tentando criar novos fins e novas saídas para o meu corpo e me ver naquele espaço, porque eu nunca vi travesti batalhando. Então, eu tive que entrar nesse espaço, hackear e começar a abrir para que outras pessoas como eu pudessem vir também. A minha poesia é uma autodefesa, a gente sempre vê travesti como a morta, corpo encontrado. Eu entro pela ideia de ressignificar o rap e a poesia através do meu corpo.”
Para ela, a inserção na cultura hip hop foi também um processo de autodescoberta e autoafirmação. “Foi um pouco difícil no começo, principalmente por ser uma travesti e nunca negar isso. Eu comecei ainda levantando uma bandeira de bicha, mas nesse processo eu encontrei a 'mulheridade' do meu corpo. É um desafio, eu costumo dizer que as pessoas matam sete leões por dia, mas nós mulheres trans e travestis matamos oito, com a transfobia, todos os dia, para poder chegar em casa para dormir.”
Bianca ficou em terceiro lugar no ano passado na competição de poesia falada Slam Brasil e tem participado da organização de batalhas de mulheres MCs na Paraíba. Citando o rapper paulista Criolo, ela afirma que o hip hop é movimento de resistência, como um quilombo moderno, fortalecido pelo Duelo Nacional.
“O hip hop é um movimento altamente marginalizado desde a sua origem, como o samba foi, como outros ritmos foram. Então, a gente começa a transformar o hip hop em um quilombo moderno, onde a gente vem se refugiar e se organizar para criar expectativas de vida.”
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